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Luciano Trigo

Luciano Trigo

Pensamentos aleatórios sobre a política em 2022

(Foto: Reprodução)

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Políticos experientes afirmam que a polarização entre Bolsonaro e Lula na eleição de 2022 é inevitável, e talvez estejam certos. Mas como, no Brasil, até o passado é imprevisível, isso está longe de ser um fato consumado. Muita coisa pode e vai acontecer.

É fato que os dois candidatos contam com uma base robusta de apoio incondicional: são eleitores que votarão em Lula ou Bolsonaro aconteça o que acontecer. Isso porque o laço desses dois eleitorados com seus candidatos não é racional: é emocional, com algo de religioso e messiânico.

Para esses dois grupos, que estimo representarem 25% a 30% dos votos cada (meu chutômetro tem sido mais preciso que muitos institutos de pesquisa), é inútil qualquer debate ou argumentação: seria como tentar convencer um torcedor a trocar de time às vésperas da final do campeonato.

Mais que o resultado de uma reflexão ponderada ou de uma escolha consciente, a relação desses eleitores com seus candidatos se baseia em instintos, ainda que associados a valores, crenças e convicções que eles percebem como incontestáveis, porque estruturantes de sua própria identidade como indivíduos.

Ora, depois que alguém associa – psicologicamente, emocionalmente, socialmente, simbolicamente – sua própria identidade como indivíduo ao papel de agente de uma narrativa política ou ideológica, reverter esse processo tem um custo emocional altíssimo, que poucos se dispõem a pagar. A aposta foi muito alta.

Por isso mesmo, para um eleitor fanático importa pouco, por exemplo, se a narrativa lulopetista é verdadeira ou mentirosa, porque a verdade e a mentira passam a importar muito pouco diante de algo mais significativo: o apoio incondicional a Lula confere sentido à vida dessas pessoas, proporciona a elas um senso de pertencimento, de integridade, de identidade, de propósito; dá a elas, em suma, uma razão de viver. O mesmo se aplica a determinada parcela dos eleitores de Bolsonaro.

O fato é que uns e outros enxergam a política como uma disputa entre o bem e o mal. A pior consequência dessa visão de mundo (ingênua, até certo ponto) é uma sociedade fraturada, na qual metade dos brasileiros odeia a outra metade, com cada grupo retroalimentando o ódio e o desprezo do outro.

A vitória de um ou de outro significará contratar mais quatro anos de guerra sangrenta e fratricida de brasileiros contra brasileiros

Ganhando ou perdendo, o bolsonarismo vai sobreviver à eleição. Da mesma forma que o campo lulopetista jamais se conformou com a derrota na eleição de 2018, dedicando toda a sua energia a atrapalhar, sabotar e destruir o governo – e a trágica pandemia de Covid-19 representou, nesse sentido, o pretexto perfeito para a sabotagem e a destruição – é tolice acreditar que os eleitores de Bolsonaro se conformação com a volta do PT a poder.

Ou seja, a vitória de um ou de outro significará contratar mais quatro anos de uma guerra sangrenta e fratricida de brasileiros contra brasileiros.

Mas não é impossível, ainda que hoje pareça altamente improvável, que o segundo turno seja diferente do anunciado com excessiva antecedência. Por exemplo, a depender da evolução dos acontecimentos, Lula, que fará 77 anos em outubro, pode decidir passar o bastão para outro candidato, para se preservar. Por outro lado, se a economia continuar se deteriorando, a popularidade de Bolsonaro pode despencar a ponto de inviabilizar sua candidatura à reeleição.

Mesmo que os dois persistam, até o dia 2 de outubro os eleitores não-fanáticos podem se cansar dessa polarização – muitos já estão exaustos – e decidir migrar para as candidaturas alternativas, como as de Ciro Gomes e Sergio Moro, em um volume suficiente para mudar o cenário do segundo turno.

(Vale lembrar que, às vésperas do primeiro turno de 2018, houve um forte deslocamento os votos da esquerda para Ciro, ainda que tenha sido insuficiente para tirar Haddad do segundo turno.)

Outra coisa interessante a observar será o comportamento do eleitor do PSDB diante da possível aliança entre Lula e Alckmin. A não ser para quem for muito cínico ou tiver a memória muito fraca, a sensação de ter sido enganado será forte.

O que me parece certo hoje é que, por mais que tentem criar a sensação de fatos consumados, os dados ainda estão rolando.

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