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Luciano Trigo

Luciano Trigo

Presos do 8 de janeiro

Placar do PL da Anistia mostra país dividido entre a compaixão e o ódio

(Foto: Reprodução Instagram)

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Continua em Consulta Pública no site do Senado Federal o Projeto de Lei 5064/2023, de autoria do senador Hamilton Mourão. O PL concede anistia a acusados e já condenados em função do quebra-quebra ocorrido na Praça dos Três Poderes, em Brasília, em 8 de janeiro de 2023.

No momento em que escrevo, o placar está em 536.886 votos a favor da anistia e 531.140 votos contra. Partindo da premissa de que são votos reais e cada pessoa só pode votar uma vez, a Consulta Pública já mobilizou mais de 1 milhão de brasileiros.

Não é pouco, até porque dá um certo trabalho votar: é preciso ter um cadastro, fazer login, autenticar etc. Ou seja, todo mundo que participou realmente fez questão de expressar sua opinião sobre o tema, o que é bom: sinaliza que a população está consciente do drama dos brasileiros presos por crimes que, em um passado recente, rendiam no máximo uma advertência ou dois dias de cana.

Basta fazer uma pesquisa rápida no Google para constatar a quantidade de prédios públicos que foram invadidos e/ou depredados por vândalos e arruaceiros – quase sempre de esquerda – em manifestações de insatisfação popular nos últimos 20 anos. Mesmo naqueles casos em que houve emprego de armas ou pessoas feridas, ninguém foi acusado de terrorismo.

Por óbvio, destruir patrimônio público é uma forma estúpida de protestar – e, aliás, quem de fato depredou patrimônio público não está contemplado no PL da Anistia. O que se pede é simples: individualização das acusações e das penas. Quem comprovadamente fez arruaça, que pague pelo seu crime – mas com uma pena proporcional à gravidade do ato, nem mais, nem menos. Como se diz na gíria, cada um que assuma seu B.O. Minha opinião.

Quero crer que o brasileiro comum não acha justas as penas de até 17 anos de prisão que vêm sendo aplicadas aos manifestantes presos, em sua maioria pessoas simples movidas pelo inconformismo, sem armas e sem qualquer capacidade de planejar ou executar um golpe de Estado.

Sim, as penas soam excessivas, ainda mais em um país no qual estão em liberdade criminosos perigosos, como os assassinos e traficantes que ditam a lei nas comunidades de qualquer grande centro urbano. Ou os muitos políticos e empresários notoriamente (em alguns casos,  confessadamente) corruptos, alguns deles condenados a penas que somam dezenas ou mesmo centenas de anos, mas que estão aí, livres, lépidos e fagueiros, a debochar de quem teima em acreditar na Justiça.

Também quero crer que o brasileiro comum não gosta de perseguição (o que explica a persistência da popularidade de Bolsonaro), nem de injustiça.

Além disso, a demora do julgamento dos manifestantes de 8 de janeiro já fez pelo menos duas vítimas: o empresário Clériston Pereira da Silva, o Clezão, morto na Papuda antes de ser julgado (ele tinha problemas de saúde que foram solenemente ignorados pela Justiça, que tardou e falhou), e o morador de rua Geraldo Filipe da Silva, que não tinha nada a ver com a confusão e foi finalmente inocentado, depois de passar quase 11 meses preso.

Quem vai devolver a Geraldo esse tempo que lhe foi roubado? Quem vai compensá-lo pelo trauma da prisão e pela humilhação sofrida? E quem vai devolver a Clezão a vida perdida?

A Justiça jamais será alcançada com base em clichês e frases feitas. Ou alguém acredita de verdade que os manifestantes de 8 de janeiro são realmente conspiradores e terroristas perigosos, que colocaram em risco a democracia e o Estado de Direito?

Seria a nossa democracia tão frágil a ponto de ser ameaçada por senhoras com Bíblias debaixo do braço? Mais uma vez: se houver entre os presos algum que efetivamente se enquadre na tipificação de terrorismo, que pague. Mas é difícil acreditar que haja.

O que leva tantos brasileiros comuns a votarem contra a Anistia aos manifestantes de 8 de janeiro? Por que tanta raiva e ressentimento no coração?

Voltando ao Projeto de Lei, seu texto diz:

“As manifestações ocorridas no dia 8 de janeiro de 2023, em Brasília, constituem conduta deplorável, que merece nossa reprovação, pelo nítido caráter antidemocrático do movimento. Todavia, não se pode apenar indistintamente aqueles manifestantes, pois a maioria não agiu em comunhão de desígnios. Ocorre que os órgãos de persecução penal não têm conseguido individualizar as condutas praticadas por cada um dos manifestantes.

Diante dessa realidade, é inconcebível que sejam acusados e condenados indistintamente por crimes de golpe de Estado e abolição violenta do Estado Democrático de Direito. Acresce-se o fato de as sessões serem em grande parte, virtuais, sem que se tenha certeza de que sejam ouvidas as sustentações pelos ministros ou até mesmo por assessores, em detrimento do artigo 5o. inciso LV da Constituição da República. Como disse, a maioria não agiu em comunhão de desígnios e estava ali somente para protestar, sem a presença do dolo específico que esses crimes exigem.

As condenações que o Supremo Tribunal Federal vem aplicando aos acusados é, data vênia, desproporcional e, por isso mesmo, injusta.

Então, diante da incapacidade de os órgãos de persecução penal individualizarem e provarem as condutas específicas desses crimes, a única solução que se apresenta é a concessão de uma anistia, com fundamento no art. 48, VIII, da Constituição Federal.

Para que não haja dúvidas, não estamos propondo uma anistia ampla, mas apenas para esses crimes específicos, dada a impossibilidade de identificar objetivamente a intenção de cometê-los. Remanescem, todavia, as acusações e condenações pelos crimes de dado, deterioração do patrimônio tombado e associação criminosa, pois são condutas que podem ser individualizadas a partir das imagens de vídeos que mostraram toda aquela manifestação.

Assim, como forma de promover justiça, peço aos ilustres Parlamentares que votem pela aprovação deste projeto de anistia.

Parece uma proposta honesta, razoável e cristalina. A manutenção dessas prisões só prejudica a imagem do governo – e a da própria Justiça do país. Além disso, a Anistia sinalizaria que existe real disposição para pacificar o país, que não se trata apenas de retórica vazia a camuflar um raivoso desejo de vingança.

Por tudo isso, o que me parece assustador no placar da Consulta Pública é a quantidade de gente que está votando contra a Anistia. Uma coisa é certa: metade está votando com compaixão, e outra metade com ódio.

Porque só o ódio explica que alguém se dê ao trabalho de votar para que brasileiros comuns continuem afastados de sua família e privados de liberdade, mais de um ano depois dos protestos.

A pergunta que fica é: qual é o sentimento que irá prevalecer no nosso país, o ódio ou a compaixão?

531.140 votos: o que leva tantas pessoas a votarem contra a Anistia? Por que tanta raiva e ressentimento no coração? Por que tanta maldade? As tragédias de Clezão e Geraldo não tocam essas pessoas? Será necessário que outros manifestantes morram na prisão, ou que inocentes continuem mofando à espera de julgamento?

Independente de quem a governe, uma sociedade movida pelo ódio é uma sociedade que já fracassou. Não tem como dar certo, em lugar nenhum do mundo. Já passou da hora de parar de dobrar a aposta e mudar de estratégia – nem que seja por esperteza política, porque parece evidente que a estratégia atual não está dando certo.

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