• Carregando...
Guilherme Boulos
O deputado federal e pré-candidato à Prefeitura de São Paulo, Guilherme Boulos (PSOL)| Foto: Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados

Em 5 de janeiro, quase oito meses atrás, escrevi o artigo “Um palpite para a eleição de 2024 em São Paulo”. Como estamos a poucas semanas da votação, que promete ser tensa, vale a pena voltar ao tema.

Naquele momento, Lula acabara de adotar a estratégia da nacionalização da eleição municipal: “Eleição de 2024 será outra vez entre Lula e Bolsonaro”, chegou a afirmar em um evento de seu partido.

Escrevi em janeiro deste ano que esta era uma estratégia bastante arriscada, tendo em vista o histórico medíocre do PT em eleições municipais: “Desde 2004 a tendência de queda é constante e consistente: o PT elegeu nove prefeitos de capitais em 2004, seis em 2008, quatro em 2012, apenas um em 2016 e zero em 2020”.

Curiosamente, embora Lula tenha de fato abraçado a candidatura de Guilherme Boulos, do PSOL, seu envolvimento tem sido discreto. De forma inesperada, ainda que Boulos perca, o grande prejudicado pela nacionalização da eleição municipal pode ser Bolsonaro. O racha a céu aberto no antipetismo a que estamos assistindo nas últimas semanas é um sinal claro disso.

Desnecessário dizer, o gatilho para esse racha foi o fenômeno Pablo Marçal, que decolou nas intenções de voto depois dos primeiros debates – nos quais foi o indiscutível vencedor. Boulos, por sua vez, foi o grande perdedor: a imagem de Marçal exorcizando o candidato do PSOL com uma carteira de trabalho é daquelas que ficam marcadas para sempre na cabeça do eleitor.

Marçal dividiu a direita, e é claro que essa divisão do eleitorado antipetista (nem todo ele bolsonarista, vale lembrar) é boa para Boulos. Mas os números sugerem que o candidato do PSOL tampouco tem motivos para comemorar.

No começo do ano, uma pesquisa do instituto Atlas/Intel trazia Boulos na liderança (29,5% das intenções de voto), com um empate no segundo lugar entre o atual prefeito, Ricardo Nunes (18%), do MDB, e o deputado federal Ricardo Salles (17,9%), que aparecia, então, como o candidato do PL de Bolsonaro.

Ou seja, o eleitorado estava dividido em três frentes: o voto petista, o voto direitista e o voto que, por comodidade, chamarei aqui de centrista (ainda que o prefeito Ricardo Nunes seja percebido como esquerdista pela direita e como direitista, e até fascista, pela esquerda).

Política não é aritmética: todos os cálculos que levaram ao veto a Ricardo Salles e ao apoio a Ricardo Nunes, por mais que fizessem sentido na teoria, estão sendo reprovados no teste da realidade

Escrevi em janeiro:

“A ala do PL que defende o apoio a Ricardo Nunes, sem lançar candidatura própria, se baseia em uma premissa falsa: a de que “dividir a direita” aumentaria as chances de Boulos. Ora, a eleição é em dois turnos. Somadas, as intenções de voto de Nunes e Salles (35,9%) ficam bem acima dos 29,5% de Boulos.

“Ainda que Boulos vença o primeiro turno, o movimento natural dos eleitores dos candidatos Nunes (ou Salles) no segundo turno será apoiar em massa Salles (ou Nunes). Aliás, isso acabou de acontecer na Argentina: Sergio Massa venceu o primeiro turno com 36,7% dos votos, contra 30% de Javier Milei. Mas, no segundo turno, Milei herdou os votos da candidata conservadora Patricia Bullrich e venceu a eleição. Dificilmente um eleitor de Nunes ou Salles votaria em Boulos no segundo turno.

“Não estou dizendo que, se for candidato, Ricardo Salles vai vencer. O que estou dizendo é que o PL e a direita só têm a ganhar com uma candidatura de Salles: é um candidato conhecido nacionalmente, bem articulado e identificado com Bolsonaro (muito mais do que Nunes, evidentemente). Mesmo na hipótese de uma derrota, ele sairia da eleição cacifado para outros voos, no futuro. Se vencer, fará dobradinha com o governador Tarcísio de Freitas, o que seria um pesadelo para a esquerda.”

Pois bem, como está a divisão do eleitorado hoje? Segundo pesquisa do Datafolha, divulgada nesta semana, Boulos aparece com 23% (uma queda significativa em relação a janeiro), enquanto Nunes aparece com 19% (praticamente estagnado). Já o voto da direita passou de 17,9% para 21%. A novidade é que o candidato da direita não é Salles, que acabou sendo barrado, mas Pablo Marçal, à revelia de Bolsonaro.

Não existe vácuo na política. Ricardo Salles foi barrado e a parcela da população que votaria nele não somente migrou inteirinha para Pablo Marçal, como cresceu. É um fato, goste-se ou não dele.

Dá para tirar algumas conclusões daí:

Primeiro, foi um erro barrar a candidatura de Salles para apoiar Ricardo Nunes - um candidato em quem muitos eleitores de direita não confiam, e com quem muitos eleitores de direita não se identificam. Esse movimento abriu um vácuo que foi muito rapidamente ocupado por Marçal: o voto de protesto, antissistema, que abomina Boulos mas nunca se entusiasmou com Nunes.

Segundo, a direita bolsonarista comete outro erro ao partir para o confronto, desqualificando Marçal e seus eleitores. Não se humilha em público alguém de cujo apoio se pode precisar lá na frente. Brigar com a realidade só piora as coisas – e pode causar um prejuízo bem grande.  

Terceiro, a direita vive hoje um paradoxo. O eleitor revoltado que elegeu Bolsonaro em 2018 hoje apoia Pablo Marçal para a Prefeitura de São Paulo. Marçal é claramente percebido como o candidato antissistema, coisa que Nunes jamais será. Mas, como Bolsonaro optou por apoiar Nunes, também há aquele eleitor leal que votará cegamente em quem o Capitão apoiar.

Os dois grupos passaram a se digladiar. É uma estupidez, porque no segundo turno precisarão se unir. Unidos, seriam imbatíveis; se a briga levar a um rompimento irremediável, abrem uma janela de oportunidade para Boulos. Burrice não é exclusividade da esquerda.

Ou seja, a burrice da direita pode acabar provocando um estrago na popularidade de Bolsonaro, que anos de perseguição pelo sistema não conseguiram causar. Pode resultar, também, na eleição de Boulos, em São Paulo. Mas vai tentar explicar isso para o pessoal que está se estapeando e descabelando nas redes...

Terceiro, política não é aritmética. Viralizou nestes dias o vídeo de um camarada tentando demonstrar, com números, que o apoio a Ricardo Nunes foi uma estratégia genial de xadrez 4D. Aham. Na prática, todos os cálculos que levaram ao veto a Ricardo Salles e ao apoio a Nunes, por mais que fizessem sentido na teoria, estão sendo reprovados no teste da realidade.

Quarto: o sistema fará de tudo para destruir Pablo Marçal (já está fazendo, aliás). Como fez de tudo para destruir Bolsonaro em 2018 e em 2022. Mas o tiro pode sair pela culatra: na massa de eleitores inconformados que pode decidir uma eleição, quanto mais Marçal for perseguido, mais apoio receberá.

Uma coisa é certa: nas semanas que faltam até a eleição, de tédio ninguém vai morrer.

  

Conteúdo editado por:Liana Nunes
0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]