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Luciano Trigo

Luciano Trigo

Por que torço para que Alberto Fernández se recupere da Covid

(Foto: Casa Rosada)

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O presidente da Argentina, Alberto Fernández, testou positivo para Covid-19. O anúncio foi feito ontem. Ele apresentou sintomas leves e afirmou estar se sentindo bem. Torço para que ele se recupere, no final do artigo explico por quê.

O problema é que Fernández já tinha sido vacinado: em 21 de janeiro ele recebeu uma dose da Sputnik V, a vacina russa. Na época, a ANMAT, a agência reguladora de medicamentos do país, garantiu que 98,1% dos voluntários argentinos apresentaram anticorpos um mês após a vacinação, ou seja: tomar a Sputnik V seria praticamente uma garantia de imunização.

(Parênteses: sempre que escrevo sobre a pandemia, que é o tema insuperável do nosso tempo, faço a ressalva de que não sou médico nem cientista. Fico assombrado com a quantidade de leigos sabichões que têm na ponta da língua a solução para acabar com a disseminação do vírus, sem falar nos adeptos de teorias da conspiração que negam a existência da Covid 19, debocham do uso de máscara e têm a convicção de que a pandemia é apenas uma invenção da mídia. Fecho parênteses).

Feita a ressalva acima, o raciocínio lógico me leva a visualizar três explicações possíveis para o caso do presidente da Argentina:

- Fernández pode ser apenas um azarado e estar na faixa de 1,9% da população para quem tomar a vacina é inútil. Sim, eu sei que nenhuma vacina tem 100% de eficácia. Sim, eu sei que a vacina pode evitar formas mais graves da doença. Tomara que seja este o caso. É, de longe, a melhor das hipóteses;

- A segunda explicação é mais complicada. Devo dizer aqui que vou tomar correndo a vacina, assim que chegar minha vez, mas sempre evitei participar do coro dos otimistas que acham que a vacinação é a bala de prata que erradicará a Covid da face da Terra no curto prazo. Cético por temperamento, acredito que vamos ter que aprender a conviver com esse vírus e suas variantes, da mesma maneira que convivemos desde sempre com o vírus da gripe.

Em um horizonte que pode ir de muitos meses a alguns anos, uma combinação de imunização de rebanho com o efeito acumulado de diversas vacinas parcialmente eficazes (umas imunizando mais, mas por menos tempo que outras, e vice-versa), levará a um ponto de equilíbrio que permitirá o retorno das pessoas à “normalidade”. Talvez o efeito combinado das vacinas reduza a níveis aceitáveis o desenvolvimento de casos graves, de fato – embora isso ainda também careça de comprovação. Até lá a Covid vai continuar matando muito.

Ou seja, a segunda hipótese é que tomar a vacina, por urgente e necessário que seja, não representa uma garantia de imunização, e Alberto Fernández é a prova disso. “Ah, mas isso é óbvio!” Não é. O tom da cobertura da grande mídia sugere – a meu ver, de forma irresponsável – que a vacina acaba com o problema. Não acaba. O vírus continuará evoluindo e sofrendo mutações, e a vacinação, apesar de indispensável, não faz milagres, como aliás escrevi no meu último artigo;

- A terceira hipótese é a pior. Mais de um ano depois do início da pandemia, muitas questões cruciais ainda permanecem sem resposta. Não vi nenhum estudo demonstrar categoricamente, por exemplo, quais são as chances de recontágio: até que ponto quem já teve Covid pode se sentir seguro? Acho que no fundo ninguém sabe, apesar de todos os esforços dos cientistas, até aqui. Da mesma forma, só o tempo vai dizer por quanto tempo cada vacina disponibilizada imuniza. Em uma visão pessimista, é possível que Alberto Fernández tenha pegado Covid porque a vacina Sputnik só o imunizou por dois ou três meses. Neste caso, será necessário tomar a vacina a cada três meses? Novas versões de um vírus tão fáceis de pegar quanto o da gripe continuarão circulando indefinidamente? Será possível voltar à normalidade em um cenário assim?

Atenção! Espero, sinceramente, estar enganado e ter escrito diversas bobagens nos parágrafos acima. Espero que daqui a seis meses todos estejam vacinados e de volta à vida normal, sem medo de abraços e do transporte público. Minha pretensão aqui foi apenas levantar hipóteses que façam sentido: e, com as informações disponíveis hoje, especialmente no que diz respeito ao surgimento de novas e mais letais cepas do vírus, não consigo imaginar uma quarta explicação, que seja ao mesmo tempo convincente e otimista.

Cada morte por Covid sinaliza o prolongamento do sofrimento causado pela pandemia – e cada cura representa, pelo menos, uma esperança de que estamos no caminho certo, ainda que em um ritmo lento

Mas, voltando ao título e ao início do artigo:

No Brasil, virou algo aceitável desejar a morte do presidente (por facada, Covid ou outra causa qualquer). Um colunista de um grande jornal chegou a publicar, no ano passado, um artigo intitulado “Por que desejo que Bolsonaro morra”. A galera “do bem” apoiou e achou bonito. Na semana passada outro jornalista defendeu abertamente um golpe militar. Não se ouviu um protesto da turma que diz defender a democracia. Acharam normal.

Como se sabe, a Argentina atravessa tempos sombrios, e não apenas em função da pandemia: 42% da população vivem hoje abaixo da linha da pobreza, sendo que 10,5% estão em situação de indigência total; a contração da economia argentina em 2020 foi a mais elevada da América Latina, muito pior que a do Brasil. Todos os indicadores econômicos – desemprego, inflação etc. – são  alarmantes. Mesmo no combate à pandemia, depois de um começo com números que pareciam alvissareiros em função de um severo lockdown, os casos e mortes explodiram.

Parte desse fracasso é indissociável do receituário intervencionista e estatizante do governo peronista de Alberto Fernández e sua vice Cristina Kirchner. Um receituário, aliás, já reprovado em incontáveis ocasiões no teste da realidade: as consequências desse modelo foram sempre miséria, sofrimento e morte em doses cavalares. Em termos de desempenho econômico e bem-estar da população, o governo de Fernández é uma tragédia. Mas nem por isso desejo que ele morra de Covid-19. Por quê?

Primeiro porque somente psicopatas desejam a morte de adversários políticos. O vírus não tem ideologia: mata igualmente pessoas de esquerda ou de direita, conservadores e progressistas. Fazer um uso político da pandemia a ponto de achar natural desejar a morte de um governante democraticamente eleito – ou mesmo festejar e debochar da morte de um senador, como aconteceu com o Major Olímpio – é sintoma de uma personalidade autoritária e perversa. É caso de tratamento.

Segundo, porque cada morte por Covid sinaliza o prolongamento do sofrimento causado pela pandemia – e cada cura representa, pelo menos, uma esperança de que estamos no caminho certo, ainda que em um ritmo lento.

Terceiro e mais fundamentalmente: porque aprendi desde sempre, ainda que não seja fácil colocar isso em prática o tempo inteiro, que se deve responder ao mal com o bem, ao ódio com a tolerância. Mesmo quando aqueles que são maus e odeiam se disfarçam de almas bondosas e tolerantes, como se tornou comum no Brasil.

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