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Quem está se deixando contagiar pelo frisson em torno do Metaverso de Mark Zuckerbeg certamente não lembra que, no início dos anos 2000, uma plataforma de conceito muito parecido prometia revolucionar a internet, chegando a ser apontada como “o futuro da web”. Mas, depois de muita propaganda e um início que parecia promissor, o Second Life (“Segunda vida”) caiu no esquecimento em poucos anos.
Como o Metaverso, o Second Life também era um ambiente virtual interativo em formato 3D, focado nas interações sociais entre os usuários. Ou seja, também como o Metaverso, era um mundo de mentirinha, que, imagino, só pode parecer interessante para quem tem uma vida muito chata, é desocupado e tem tempo de sobra para gastar.
Criada pela Linden Lab, a plataforma, aliás, ainda existe, com poucos milhares de usuários teimosos – no pico, o Second Life chegou a ter 600.000 pessoas conectadas simultaneamente, a população de uma cidade brasileira de médio porte.
De qualquer forma, bastante avançada para a época (inclusive na interface gráfica), a plataforma trazia como principal novidade a criação de uma economia virtual, paralela, que podia ser convertida em dinheiro de verdade (ou em dívidas – como se não bastasse fracassar financeiramente na vida real, você também se endividava no mundo paralelo).
Além de lojas virtuais, onde os usuários comuns gastavam dinheiro real, grandes empresas – incluindo, no Brasil, a estatal Petrobras – chegaram a investir milhões no Second Life, comprando “terrenos” dentro do jogo, um exemplo de como os departamentos de marketing costumam ser responsáveis com dinheiro.
Anos depois, surgiram diversas explicações para o fracasso do Second Life. Vale a pena recapitular os motivos do colapso, até para analisar de que forma o Metaverso pode enfrentar os mesmos problemas.
Repertório limitado de atividades
Em um primeiro momento, pode parecer interessante passear por shopping centers virtuais e interagir com avatares de corpos perfeitos (sempre muito mais atraentes, seguramente, que as pessoas reais por trás deles). Participar de festas e reuniões virtuais também tem seu charme. Mas as pessoas normais tendem a se cansar rapidamente do repertório inevitavelmente limitado de experiências de uma plataforma virtual. Foi o que aconteceu com o Second Life – e pode perfeitamente acontecer com o Metaverso.
Restrições ao uso por adolescentes
Por envolver o uso de dinheiro de verdade e por não contar com um sistema de moderação muito sofisticado, o Second Life era proibido para menores de idade. Outro problema que afastou o público muito jovem foi o fenômeno de erotização da plataforma por usuários em busca de pegação virtual, o que assustou muitos pais e pessoas não interessadas nesse tipo de interação.
Ora, nenhum projeto ambicioso desse porte pode se dar ao luxo de dispensar o público adolescente, o que cria um impasse de difícil solução: se houver um excesso de controle, serão os adultos que se afastarão da plataforma. O episódio da denúncia de assédio sexual que comentei no artigo passado é um exemplo de como usuários emocionalmente carentes e amorosamente frustrados em busca de uma ilusão de sucesso podem invadir o Metaverso – e de lá serem sumariamente escorraçados.
Desilusão dos investidores
Tem muita gente comparando o Metaverso às criptomoedas em termos de oportunidade de enriquecimento para os primeiros entrantes. De fato, há que tenha enriquecido com moedas virtuais, o que não impede que essa bolha exploda a qualquer momento.
A verdade é que, como no mundo real, no mundo virtual convém desconfiar de promessas de dinheiro fácil. No Second Life, muita gente que comprou “terrenos” (como a Petrobras) na expectativa de enriquecer rapidamente logo se deu conta de que jogou dinheiro fora, já que o preço dos “terrenos” não demorou a despencar – emulando, como farsa, a crise da bolha imobiliária no mundo real.
Como as moedas virtuais, os terrenos virtuais só valem alguma coisa enquanto tiver muita gente acreditando neles. Se muita gente deixar de acreditar, o valor desaparece.
Gente maluca e episódios bizarros
A liberdade dos usuários do Second Life atraiu muita gente maluca, inclusive pessoas doentes interessadas em zoofilia. Eram proibidos jogos de azar, injúria e difamação, mas eram liberadas, por exemplo, “salas de sexo entre humanos e animais” (oi?), frequentadas, por exemplo, por “Lolitas-lobisomem” e Minotauros sarados. Também ficaram célebres episódios de gravidez e parto virtuais, o que é realmente algo muito esquisito.
O crescimento das redes sociais
Mas a pá-de-cal no Second Life foi, justamente, o crescimento meteórico do Facebook, do Twitter, do Instagram e outras redes sociais – que, mal ou bem, se referenciam na vida real, ainda que sejam plataformas virtuais. A socialização com pessoas reais, ainda que mediada virtualmente, é sempre muito mais interessante que a encenação da socialização com avatares, em um mundo de ficção.
Basta dizer que o Facebook já chegou a mais de 500 milhões de logins diários, em sua fase mais popular, número a anos-luz de distância do Second Life em seu auge. Mas vale lembrar que a censura cada vez mais explícita, ainda que travestida de sistema de moderação, já está afastando muita gente da rede de Mark Zuckerberg. Daí, talvez, seu investimento no Metaverso.
Conclusão: da mesma forma que a “segunda vida” demonstrou ser tão chata e problemática quanto a primeira, o Metaverso pode rapidamente desiludir quem está animado com a oportunidade de viver na plataforma uma vida menos ordinária que a do mundo real.