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Luciano Trigo

Luciano Trigo

Quem se lembra do Vioxx?

(Foto: Divulgação)

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No dia 30 de setembro de 2004, o Vioxx, nome comercial do anti-inflamatório Rofecoxib, foi retirado de circulação em 80 países pelo seu fabricante, o laboratório Merck, após ficar comprovado que seu uso continuado dobrava o risco de infarto e AVC.

Estima-se que mais de 80 milhões de pessoas consumiram o medicamento, indicado para casos de artrite reumatoide, cólicas menstruais e enxaqueca – e aprovado em 1999 pela FDA (US Food and Drug Administration, a agência que cuida da aprovação de remédios e vacinas nos Estados Unidos).

A receita global obtida pela Merck com a venda do Vioxx apenas no ano de 2003 foi superior a 2,5 bilhões de dólares. No Brasil, o Vioxx chegou a liderar a lista dos anti-inflamatórios mais vendidos.

No dia do recall do medicamento, as ações da Merck despencaram 27%. A farmacêutica foi processada em dezenas de países e teve que pagar quase 5 bilhões de dólares em indenizações relacionadas a 50 mil processos judiciais, além de ser multada pelo governo americano em mais 950 milhões de dólares.

Em 2006, um estudo comandado pela cientista canadense Linda Levesque revelou que 25% das pessoas do grupo de estudo tiveram um infarto duas semanas após tomarem o Vioxx pela primeira vez. No ano seguinte, outro estudo, encomendado pelo governo americano, concluiu que o medicamento pode ter provocado 140.000 infartos fatais somente nos Estados Unidos. Uma terceira pesquisa, coordenada pelo medico David Graham, chegou a conclusões semelhantes: 8.143 usuários do grupo estudado tiveram alguma cardiopatia grave, que foi mortal em 27% dos casos.

O Vioxx não foi um episódio isolado. No final dos anos 50 e começo dos anos 60, como efeito do uso da Talidomida por gestantes que sofriam de enjoo, dezenas de milhares de bebês nasceram com malformações. Só no Brasil foram registrados cerca de 1.500 casos.

Outros escândalos recentes envolveram a indústria farmacêutica:

- Em 2001, o laboratório Bayer retirou de circulação o medicamento Lipobay, usado para redução do colesterol, depois que a FDA associou dezenas de mortes ao uso do medicamento. A Bayer fechou acordos extrajudiciais com 500 usuários, pagando um total de 140 milhões de euros em indenizações.

- Em 2007, o laboratório Purdue pagou multa de 600 milhões de dólares por divulgação de informações enganosas sobre o analgésico Oxycontin, que apresentava risco de criar dependência semelhante ao da heroína. Foram registrados casos de morte por overdose – incluindo, possivelmente, a do ator Heath Ledger;

- Em 2009, a Pfizer foi condenada a pagar um total de 2,3 bilhões de dólares em multas. A acusação: fraude e promoção ilegal de quatro medicamentos: o anti-inflamatório Bextra, o antipsicótico Geodon, o antibiótico Zyvox e o medicamento antiepilético Lyrica;

- Em 2010, a AstraZeneca concordou em pagar 520 milhões de dólares para arquivar a investigação sobre o medicamento Seroquel, receitado no tratamento de esquizofrenia e transtorno bipolar, sem segurança e eficácia comprovadas;

- Em 2012, a farmacêutica Abbott foi condenada por promover o medicamento Depakote para o tratamento da esquizofrenia, sem autorização da FDA, e foi multada em 1,5 bilhão de dólares;

- No mesmo ano, o laboratório Glaxo Smith Kline foi multado em 3 bilhões de dólares, acusado de pagar comissão a médicos que receitassem seus medicamentos e omitir efeitos colaterais graves de um remédio para diabetes;

- Em 2013, a Johnson & Johnson fechou um acordo de 2,2 bilhões de dólares para arquivar processos por promoção ilegal de medicamentos.

Etc.

O fato de um laboratório ser movido pela maximização dos lucros leva à necessidade de não comprar pelo valor de face tudo que ele divulga

Imagino que, nesta altura do artigo, a maior parte dos leitores já formou duas opiniões diametralmente opostas: a opinião de que se trata de um texto negacionista, que tenta associar de forma sub-reptícia o Vioxx e outros medicamentos retirados de circulação às vacinas contra a Covid-19; ou opinião a de que se trata, ao contrário, de um artigo que demonstra que não se deve subestimar os riscos, ainda não totalmente dimensionados, da vacinação. Raros serão os leitores neutros, não contaminados por convicções prévias em relação ao tema.

Nem uma coisa nem outra (mas, por via das dúvidas, é bom deixar claro que eu me vacinei). Lembrei o caso do Vioxx e outros escândalos envolvendo a indústria farmacêutica apenas para lembrar que, mesmo em tempos normais, sem a pressão de uma pandemia planetária, cientistas, médicos, laboratórios, órgãos do governo e governos propriamente ditos erram.

Erros são inevitáveis quando tudo é feito da forma certinha, somente com boas intenções e com o máximo rigor científico. Erros se tornam mais frequentes se levarmos em conta que a saúde das pessoas e o bem da humanidade não são as únicas e desinteressadas motivações de revistas científicas e laboratórios - e dos políticos em busca de financiamento. Por óbvio, onde quer que circulem fortunas em dinheiro público, o risco de existir corrupção, favorecimento e troca de benefícios é real.

Também convém lembrar que os laboratórios farmacêuticos são movidos por interesses econômicos. Eles estão ganhando literalmente bilhões de dólares com as vacinas – em julho passado, a previsão da Pfizer era faturar 33,5 bilhões de dólares somente em 2021. Esses laboratórios não podem sequer ser processados por eventuais efeitos colaterais adversos das vacinas, ainda que fatais, porque isso faz parte dos contratos assinados com os governos compradores.

O fato de uma grande farmacêutica ser movida pela maximização dos seus lucros é legítimo, mas também leva à necessidade de não comprar pelo valor de face tudo que ela divulga – até porque elas se contradizem muito. Nesses dias mesmo a Pfizer tirou do ar, um vídeo em que o executivo – da própria Pfizer – Albert Bourla afirma, em relação à eventual proteção conferida por duas doses da vacina contra a variante Omicron: “Sabemos que as duas doses da vacina oferecem uma proteção muito limitada, se houver” [grifo meu].

As consequências de erros na área de saúde pública podem ser nefastas – e podem demorar anos para aparecer. Queira Deus que daqui a alguns anos não apareça nenhum escândalo relacionado a efeitos imprevistos das vacinas contra a Covid-19.

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