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Existem aspectos da vida nos quais a defesa da igualdade deve ser incondicional: por exemplo, a defesa da igualdade de todos perante a lei. Ou a defesa da igualdade de oportunidades de acesso a condições dignas de existência, por meio da educação e do trabalho – condições que devem ser garantidas, ou no mínimo permanentemente perseguidas, pelo Estado.
O compromisso de se empenhar para garantir essas formas de igualdade deve ser um compromisso de Estado, não o compromisso de um governo e muito menos o compromisso de um partido. Esse compromisso não pode depender da orientação ideológica de quem vence uma eleição.
Mas existem outros aspectos nos quais cada indivíduo é inevitavelmente diferente de todos os demais – incluindo, naturalmente, os seus méritos.
O próprio Aristóteles entendeu, lá atrás, que seres humanos não são como formigas e abelhas, programadas, por um instinto político natural, para se organizar em determinadas estruturas sociais repetitivas (formigueiros e colmeias).
No mundo real, fora do cercadinho ideológico no qual muitos escolheram viver, mesmo pessoas criadas em condições socioeconômicas e culturais idênticas, mesmo irmãos gêmeos que recebem rigorosamente a mesma formação, têm visões diferentes de como o mundo funciona, fazem escolhas de vida diferentes e sofrem as consequências, boas e más, dessas escolhas. E é bom que seja assim.
Cada um é livre para acreditar naquilo que quiser, mas a História demonstra que, sempre que um Estado agigantado tenta promover a eqüidade e a igualdade substantiva (isto é, a igualdade de resultados, não de oportunidades); sempre que se consideram apenas as características comuns a todos os homens e se ignoram aquelas que tornam cada homem diferente dos demais, o resultado é um desastre.
Todas as experiências do socialismo real do século 20 comprovam isso. "Ah, mas isso aconteceu porque o socialismo real nunca realizou as potencialidades do verdadeiro socialismo". Certo. Mas o mesmo pode ser dito do capitalismo, não? Especialmente no Brasil. Ora, o debate político não pode se estabelecer ignorando as lições da História e da vida real, ou comparando um modelo abstrato com uma realidade concreta.
Até porque, em sua formas abstratas ideais, todos os sistemas funcionam à perfeição, justamente porque são... ideais. As utopias igualitárias são perfeitas na teoria – e é por isso mesmo que se chamam utopias, etimologicamente “não-lugares”, lugares que não existem. Mas toda tentativa de submeter a realidade concreta a um projeto utópico resultou em tragédia e teve um custo incalculável em privação da liberdade, sofrimento e vidas humanas.
Nenhuma sociedade sobrevive tentando esmagar as diferenças entre os homens, porque os dons e potenciais, as escolhas e ambições, as disposições e predisposições de cada um são diferentes. Em algum momento da vida, todo indivíduo se depara com questões como:
- Quanto estou disposto a me esforçar ou me sacrificar para atingir minhas metas?
- O que representam a felicidade e a realização pessoal para mim?
- Quanto tempo e energia estou disposto a investir para ser feliz?
Ainda que não reflita racionalmente sobre essas questões, na prática cada um de nós fez e faz suas escolhas, diariamente, com base em um trade-off simbólico de custos e recompensas, e as respostas de cada um serão diferentes. Eu tenho direito de fazer escolhas diferentes das suas: negar esse direito é negar a própria natureza humana. Ruim é não ter escolhas a fazer.
Quando se eliminam incentivos, todos empobrecem, e o igualitarismo se realiza na socialização da pobreza e da precariedade
A História também demonstra que nenhuma economia cresce nem se desenvolve sem o estímulo à competição. Sem prêmios e incentivos para o esforço e o talento não existe inovação. A economia criativa se desenvolveu ao longo dos séculos com base na premissa de que a criação individual será reconhecida e recompensada.
Parece evidente que, sem inovação, não existe crescimento. Menos óbvia, no Brasil de hoje, é a noção de que, sem o estímulo à meritocracia, tampouco existirá crescimento. Porque mérito é, por definição, um conceito que não se encaixa no tipo de igualitarismo que se prega hoje, baseado na tal da eqüidade, e não na igualdade.
Sem incentivo, sem recompensas diferentes para esforços e talentos diferentes, ninguém sequer se levanta do sofá, porque o resultado será o mesmo e já está garantido. Isso vale para os indivíduos e vale para as nações.
Basta citar como exemplo o caso das duas Coreias – um par de nações que compartilham a mesma formação histórica, a mesma composição étnica e os mesmos traços culturais.
A partir de um determinado momento, em uma dessas nações adotou-se o incentivo à competição e ao mercado como caminho para o desenvolvimento e a prosperidade; na outra, optou-se pela economia planifificada e pela burocracia estatal, em nome da luta pela igualdade.
Uma fotografia recente de satélite mostra as duas Coreias à noite: a do Sul iluminada em toda a sua extensão territorial; a do Norte literalmente mergulhada nas trevas. A imagem dispensa legendas. Não há ideologia que ilumine regiões onde a energia elétrica ainda não chegou.
A conclusão objetiva, que não tem nada a ver com a superioridade moral de uma ideologia sobre outra, mas com resultados objetivos, é que os incentivos contam. Quando se eliminam incentivos, todos empobrecem, e o igualitarismo se realiza na socialização da pobreza e da precariedade.
A pior treva é a treva mental na qual muitos escolhem viver.