O primeiro debate do segundo turno da eleição para presidente foi surpreendente em mais de um aspecto. Não que tenha sido um evento propositivo ou particularmente qualificado em termos de discussão de propostas, o que já seria pedir demais. Mas, até pelo formato mais flexível, foi, isto sim, um debate que explicitou de forma muito clara as diferenças entre os dois candidatos, o que pode influenciar o voto do eleitor indeciso.
A primeira surpresa foi na atitude. Lula começou o primeiro bloco demonstrando maior agressividade, enquanto Bolsonaro mantinha uma serenidade olímpica, evitando claramente partir para o bate-boca. Na defensiva, o candidato à reeleição perdeu com isso algumas oportunidades de responder com mais ênfase às acusações do adversário.
Por outro lado, Lula, parecendo agitado e nervoso, esfregava as mãos em demasia e voltava repetidas vezes ao púlpito para consultar papeis ou beber água, o que não pegou bem. Além disso, seu tom de permanente auto-exaltação descambou em mais de um momento para o deboche e a arrogância, o que também não costuma render votos.
O aspecto curioso aqui é que, embora Lula possa ter levado alguma vantagem nesse primeiro bloco, basicamente dominado pela discussão sobre a pandemia sem maiores surpresas, parecia que era ele quem precisava correr atrás de uma virada, e não Bolsonaro, que traçou uma estratégia mais consistente – e se manteve aferrado a ela até o fim. Deu certo.
No segundo bloco, uma pergunta sobre o STF ensejou o primeiro momento realmente inspirado de Bolsonaro, quando este lembrou a Lula que ele só está disputando a eleição por causa da decisão de um ministro do Supremo que, no passado, já declarou que “tinha lado” e fez campanha para a candidatura de Dilma Rousseff à presidência, como está registrado neste vídeo.
Lula sentiu o golpe e pediu direito de resposta, o que não foi concedido. Bolsonaro também acertou ao se antecipar ao tema da última fake news, lançando mão de uma decisão do próprio ministro Alexandre de Moraes para expor o baixo nível da campanha do adversário.
Bolsonaro reafirmou com clareza o que deseja para o país, enquanto Lula apelou para a cervejinha e o churrasquinho como argumento para convencer o eleitor
No terceiro bloco, quando os candidatos tiveram novamente liberdade para administrar seu tempo, Lula se perdeu completamente.
Sem prestar atenção no relógio, ele saltava de um assunto para o outro, alternando entre elogios à própria gestão e ataques previsíveis ao adversário – a quem chamou repetidas vezes de mentiroso e cara-de-pau, sempre em tom de desprezo e deboche raivoso, quando não de ressentimento e ameaça de retaliações futuras. Não é uma atitude adequada para quem se apresenta ao eleitor indeciso como o candidato do amor e da conciliação.
Bolsonaro, por sua vez, estava tão à vontade que chegou a dar tapinhas no ombro do candidato do PT em pleno debate, como que tentando chamar a razão alguém perdido em suas próprias fantasias de grandeza.
Deixou Lula falar à vontade, no máximo respondendo com apartes curtos, que desmontavam a narrativa sobre o desmatamento da Amazônia, por exemplo, ou sobre a irrespondível corrupção na Petrobras. Inebriado com a própria vaidade, encantado por si mesmo, Lula gastou minutos preciosos lembrando com nostalgia como era bom o Brasil da época em que ele era presidente.
Tempo esgotado. Bolsonaro ficou com mais de 5 minutos para falar sozinho – e parecia preparado para isso. Sem perder a linha, teve seu momento de “discurso do rei”: com competência e poder de síntese, atacou Lula nas mais variadas frentes – a defesa de ditaduras, os ataques à liberdade de expressão, o histórico de corrupção, a incompetência na gestão, o descompromisso com os valores da família. Lula não se encontrou mais.
Nas mensagens finais, Bolsonaro reafirmou com clareza o que deseja para o país, enquanto Lula apelou para uma suposta volta da cervejinha e do churrasquinho no final de semana como argumento final para convencer o eleitor a votar nele.
É claro que todas essa sutilezas não fazem a menor diferença para os eleitores já consolidados dos dois candidatos.
Contudo, para o eleitor indeciso que não simpatiza com nenhum dos dois, pode ter ficado a seguinte impressão: de um lado, um candidato agressivo, vaidoso, cansado e um pouco melancólico, com momentos de mal disfarçada arrogância e ressentimento, que aposta todas as suas fichas na narrativa da volta de um passado de glórias no qual reinavam o amor e a justiça social; de outro, um candidato sereno, seguro, pragmático e transparente nas suas propostas, ainda que inábil com as palavras e cheio de defeitos e limitações.
Para onde irá o voto desse eleitor?
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