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Luciano Trigo

Luciano Trigo

Tenebrosas transações

(Foto: Reprodução Instagram)

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Em um texto profético, o cronista Sérgio Porto, aka Stanislaw Ponte Preta, escreveu o seguinte: “No Brasil as coisas acontecem, mas depois, com um simples desmentido, deixam de acontecer”. Não poderia ser mais atual.

Por exemplo, durante a campanha eleitoral inteira o orçamento secreto foi um tema recorrente, chegando a ser descrito como o maior escândalo de corrupção da história do planeta – não somente por políticos da oposição, mas também por jornalistas, preocupados que estavam com as ameaças ao Estado de Direito.

Vi até algumas pessoas justificarem seu voto com o argumento da indignação diante do orçamento secreto. Mas hoje, os mesmos políticos e jornalistas que enchiam a boca para denunciar a prática fazem de conta que não foi bem assim.

Eles já admitem até que as emendas do relator – o nome mais simpático que passaram a adotar para se referir ao orçamento secreto – podem ser aprimoradas e preservadas, principalmente se for do interesse do STF e do governo eleito. Orçamento secreto? Nunca critiquei.

Como dizia uma velha canção de Jair Rodrigues: ”Deixa que digam, que pensem, que falem, deixa isso pra lá, vem pra cá, o que que tem?” “Isso”, no caso, é o orçamento secreto.

Ou seja, se for em defesa da democracia, digam ao povo que o orçamento secreto fica. Ou melhor, as emendas do relator.

Ontem, aliás, começou a votação sobre o tema na Suprema Corte. O primeiro e extenso voto, muito bem fundamentado, foi de uma ministra que apontou a inconstitucionalidade do orçamento secreto. Mas ainda faltam dez votos, e a percepção de muita gente é a seguinte:

O julgamento no STF é apenas uma peça no jogo que envolve a aprovação da PEC do Rombo na Câmara dos Deputados. Se for conveniente, é fácil visualizar a reversão do placar. Mas, pelo menos a julgar pelo noticiário, não está claro que decisão seria a mais conveniente, neste momento.

Como o tempo para aprovação da PEC ainda nesta legislatura é bastante curto, curtíssimo, o poder de barganha de uma parte envolvida aumenta, bem como a disposição para ceder da outra parte. Já estariam sendo usados como moeda de troca, segundo alguns jornalistas, 150 cargos e até o Ministério da Saúde.

Ocorre que, por outro lado, seria bom para o governo eleito que o STF determinasse logo o fim do orçamento secreto, para assumir já livre desse abacaxi e sem ter que se mexer para cumprir uma promessa de campanha. Mas, se isso acontecer, o humor e a boa vontade da Câmara podem mudar, emperrando a aprovação da PEC.

Neste xadrez, disputado ao mesmo tempo em mais e um tabuleiro, está todo mundo aguardando o movimento do outro para decidir o que fazer. Mas uma coisa é certa: seja qual for o desenlace, a motivação para as decisões tomadas não será o interesse do povo brasileiro.

O povo, contudo, não está mais dormindo nem distraído: ele percebe que pode estar sendo subtraído em tenebrosas transações.

“No Brasil as coisas acontecem, mas depois, com um simples desmentido, deixam de acontecer”

Sérgio Porto

Voltando á frase de Sérgio Porto: se, antigamente, narrativas eram criadas para interpretar os fatos e dar sentido à realidade, hoje elas simplesmente substituem os fatos e a realidade.

Narrativas têm essa vantagem sobre o mundo real: como são maleáveis, podem ser corrigidas diariamente, ao sabor dos ventos da necessidade e do interesse.

E as pessoas acreditam no que elas querem, não no que elas veem. Ninguém está interessado em submeter suas crenças ao teste dos fatos concretos.

O que é a realidade, afinal de contas? Uma construção cultural, cujo objetivo é a reprodução de relações de poder opressoras, não é mesmo? Então eu posso negar a realidade à vontade, direito meu.

E assim aquilo que, poucas décadas atrás, seria percebido como um disparate – por exemplo, a negação do sexo biológico – se transformou em um direito.

Por sua vez, a guerra cultural em curso no planeta (não apenas no Brasil) fez com que os direitos deixassem de ser individuais e universais e se tornassem direitos à la carte de grupos particulares.

Hoje seus direitos como cidadão variam, dependendo de como você define a sua identidade, do grupo ao qual você pertence e até mesmo de sua orientação ideológica.

Esqueça as liberdades individuais, sobretudo a liberdade de expressão. Esqueça, também, aquela parte da Constituição que diz que todos são iguais perante a lei, até porque o Direito também é uma construção cultural.

Outra consequência desse novo paradigma é a flexibilização da verdade e da mentira – e, por extensão, do conceito de fake news.

Fake news, hoje, é aquilo que determinado grupo quer que seja, especialmente quando puder prejudicar outro grupo. É um coringa, que está sempre à minha disposição quando quero calar alguém que fala o que não me agrada.

É sabido que, desde o colapso do comunismo real, com a queda do Muro de Berlim e a dissolução da União Soviética, o eixo do projeto político da esquerda vem se deslocando do campo econômico para o cultural – justamente porque, na cultura, os laços entre as convicções e a realidade são mais tênues que na economia.

O problema é que a realidade econômica, com sua dinâmica e sua lógica, teima em continuar existindo e impondo limitações inescapáveis à política. Decisões econômicas equivocadas podem ter um impacto devastador na vida de milhões de pessoas, começando por aquelas que vivem em condições mais precárias.

Pode demorar um pouco, mas a economia, mais uma vez, acabará determinando os rumos da nossa política.

Conteúdo editado por: Jônatas Dias Lima

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