Os cadáveres das vítimas do terrorismo nem tinham esfriado, e a preocupação de muita gente – nas redes sociais, nas colunas dos jornais, nos noticiários da TV e nas salas de aula – já era relativizar o massacre. A mensagem, subliminar ou explícita, era: a culpa é de Israel, eles mereceram.
Centenas de civis executados – entre eles, pelo menos três brasileiros; mulheres estupradas a céu aberto; crianças e idosos assassinados sem piedade. Um terrorista do Hamas filmou ele próprio a execução de uma idosa e postou no Facebook, orgulhoso da valentia. Correu a notícia de que os terroristas tinham cortado a cabeça de bebês. O Hamas tentou desmentir. O governo de Israel mostrou as imagens.
O próprio presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, afirmou que teve acesso a imagens confirmadas que mostram extremistas do Hamas decapitando crianças.
Mas, para professores universitários inteligentinhos das federais ou da PUC; para militantes aguerridos disfarçados de jornalistas; e para analistas de política internacional de fala mansa, a culpa é das vítimas.
Israel mereceu. É esta a mensagem (de novo, subliminar ou explícita) de qualquer análise baseada no mal disfarçado esforço para equiparar moralmente os lados em disputa e justificar a selvageria dos “combatentes”; é esta a mensagem de qualquer crítica protocolar aos ataques que venha seguida de um “mas...”.
Mas é o que mais tem por aí. Chegamos a uma nova etapa da decadência moral da civilização: o terrorismo do bem. É assustador.
Para as pessoas comuns, que ainda são capazes de se horrorizar com o terror, algumas perguntas ficam no ar: em quê os ataques terroristas contribuem para a causa palestina? O Hamas acha que vai conquistar apoio internacional executando 240 jovens em uma rave, estuprando mulheres e assassinando crianças?
Ou o objetivo é outro? Sabotar os acordos de paz em curso entre Israel e diversos países árabes, talvez?
E ainda: o Hamas não se preocupou com as consequências previsíveis deste ataque para a população civil da Faixa de Gaza? Ou ingenuamente acreditou que Israel não reagiria ao terror, com custos elevados em sofrimento e vidas humanas de civis palestinos?
Ou o Hamas sabia qual seria a reação, mas considerou essas vidas descartáveis, por cálculo político, para explorar mais tarde a crise humanitária que o próprio grupo provocou com seus ataques?
O objetivo final do Hamas é claro, está explicitado com todas as letras em seu Estatuto, publicado em 1988: a retomada total da Palestina e a extinção de Israel.
É oficial: o Hamas não reconhece o direito à existência do Estado judeu e considera que todos os meios são válidos para varrer Israel do mapa.
“Não há solução para o problema palestino a não ser pela Jihad (“guerra santa”): iniciativas de paz, propostas e conferências internacionais são perda de tempo e uma farsa”, diz um trecho do documento. “Israel existirá e continuará existindo até que o Islã o faça desaparecer”, diz outro.
Uma notícia deveria fazer refletir quem acredita que existe equivalência moral entre Israel e o Hamas: há poucas horas as Forças Armadas israelenses ordenaram aos civis da cidade de Gaza que deixem suas casas em direção ao sul. “Os terroristas do Hamas estão escondidos dentro de túneis debaixo de casas e dentro de edifícios habitados por civis inocentes de Gaza”, diz o comunicado.
Ao horror do terrorismo se soma o horror da justificativa moral do massacre de civis, do estupro de mulheres e da decapitação de bebês. É tudo muito triste.
Mesmo na guerra existem regras: Israel está avisando que vai atacar e está dando tempo para que a população civil seja evacuada; ou seja, mesmo após um ataque inominável, Israel diferencia terroristas de palestinos inocentes.
O Hamas fez algo parecido? Ou atacou covardemente, de surpresa, sem dar a civis – incluindo bebês, mulheres e idosos – qualquer chance de defesa ou evasão?
A pergunta agora é: o Hamas vai deixar civis palestinos saírem de Gaza? Ou pretende usá-los como escudos humanos, da mesma forma que faz com os mais de 100 reféns israelenses que estão hoje em seu poder?
No caso das mulheres, imaginem o que essas reféns estão passando. Uma pequena mostra foi o desfile abjeto de terroristas do Hamas com Shani Louk, uma jovem judia-alemã machucada e seminua na caçamba de uma caminhonete, que aparece no vídeo abaixo.
Um terrorista cospe na jovem, que talvez já estivesse morta. Não se ouviu, contudo, uma palavra de protesto de grupos feministas sobre o uso do estupro como arma do terror.
Neste capítulo, aliás, vejamos o que diz o Estatuto do Hamas sobre o papel das mulheres:
“Art. 18: a mulher no lar e na família jihadista, seja mãe ou irmã, tem a função principal de cuidar da casa, educando as crianças de acordo com as ideias morais e valores inspirados pelo Islã, ensinando-as a cumprir com os deveres religiosos na preparação para a jihad (guerra santa) que as espera. (...) As meninas devem receber adequados conhecimentos para compreenderem os cuidados com as tarefas domésticas; a economia e como evitar desperdícios nas despesas domésticas são requisitos para se capacitarem a um comportamento adequado nas atuais difíceis circunstâncias.”
A função principal da mulher é cuidar da casa? Mas não é só isso. Segundo este artigo, na Faixa de Gaza, governada desde 2007 pelo Hamas, as mulheres...
“...são consideradas propriedade, cidadãs de segunda categoria. Desde que assumiram a Faixa de Gaza, os direitos civis femininos entraram em declínio e a vida é recheada de violências física, sexual, psicológica, econômica. Há restrições para trabalhar, estudar, de liberdade de expressão e de circulação. São proibidas de andar de moto, fumar em público. Desencorajadas a qualquer atividade de lazer ou mesmo a denunciar incesto. São mortas, acusadas de crimes contra honra. É um dos lugares no Oriente Médio que mais se destaca pelo número de casamentos infantis. O testemunho de uma mulher vale menos do que de um homem. Desigualdade de gênero é a norma.”
De novo, onde estão os grupos feministas que não protestam? É este o tipo de governo que eles apoiam? É indignação seletiva que chama?
E os militantes dos direitos LGBT? Eles sabem que o que acontece com homossexuais na Faixa de Gaza? Segundo esta reportagem,
“Em 2016 o Hamas executou Mahmoud Ishtiwi, um dos seus principais comandantes militares, de 34 anos, por ser considerado culpado de ‘torpeza moral’, referência velada à homossexualidade. Ishtiwi, que foi morto com três tiros no peito, estaria vivo e em segurança se ele fosse um cidadão israelense.”
Ao horror do terrorismo se soma o horror da justificativa moral do massacre de civis, do estupro de mulheres e da decapitação de bebês. Só a psicopatia ou uma lavagem cerebral muito forte explicam. É tudo muito triste. E vai piorar.