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Se as pesquisas estiverem certas, o candidato de extrema-esquerda Pedro Castillo, do partido “Perú Libre”, será o próximo presidente do Peru. Todas as sondagens indicam que ele está muito à frente da candidata de direita Keiko Fujimori nas intenções de voto do segundo turno das eleições presidenciais, marcadas para o dia 6 de junho.
Ao lado do Brasil, o Peru é um dos países mais atingidos pela pandemia de Covid-19 na América Latina. Com 1,8 milhão de casos e mais de 60 mil mortes, a situação é dramática. A vacinação avança lentamente, e o número de novos infectados vem quebrando recordes a cada semana.
Além disso, a crise econômica no país é medonha: a contração do PIB em 2020 foi de 11,4% (a título de comparação, no Brasil a queda foi de 4,1%), o que fez a miséria e o desemprego aumentarem de forma dramática – bem como as greves e protestos violentos.
A correlação entre o caos da pandemia e o favoritismo da esquerda no Peru me parece óbvia. Da mesma forma, acho razoável afirmar que a tragédia da Covid-19 foi um cabo eleitoral decisivo do Partido Democrata nas últimas eleições americanas (o outro foi a onda de indignação e violência disparada pelo assassinato de George Floyd). O fato é que o coronavírus e um policial truculento fizeram com que Donald Trump passasse de barbada a candidato derrotado em 2020.
Desde sempre, a esquerda faz da tragédia, da destruição, da bagunça e do acirramento das desigualdades seu alimento e combustível. Do ponto de vista eleitoral, estes são os ingredientes de uma receita historicamente muito bem sucedida: a narrativa de quem explora o drama e o sofrimento dos pobres e oprimidos e se apresenta como a salvação da lavoura costuma render muitos votos.
É o que está acontecendo no Peru. Um analista político de esquerda não se constrangeu em afirmar, na semana passada, ao comentar o cenário eleitoral: “A pandemia mostrou os limites do modelo capitalista no Peru, os limites da capacidade de produção, a crise de regulação do Estado e a debilidade do setor privado para resolver, através dos seus instrumentos, problemas sociais complexos”. Aham. Deve ser por isso que na Venezuela e em outros países socialistas a pandemia foi totalmente controlada. (Ops! Só que não.)
Há vários riscos envolvidos aí. Por trás das promessas de sempre de combate à corrupção e redução da desigualdade, o discurso do candidato do “Perú Libre” repete o receituário que levou a Venezuela ao desastre: ojeriza ao mercado, encampamento de empresas privadas, perseguição de adversários e aliança com Cuba .
O líder do partido, Vladimir Cerrón, médico marxista-leninista formado em Havana, é publicamente apontado como um agente cubano. Em um seminário recente sobre Che Guevara, Cerrón afirmou que a esquerda peruana deve conquistar o poder “para ficar”. De novo, Venezuela feelings...
Segue um trecho do programa do partido Perú Libre, vinculado ao Foro de São Paulo, que aliás inclui um capítulo intitulado “A mulher socialista”, entre outros de inspiração marxista explícita:
“Com o neoliberalismo, nossas empresas estatais foram privatizadas; a liberdade de mercado, a liberdade de negócios, a liberdade de indústria e a liberdade de finanças quebraram nossa incipiente indústria nacional pública e privada; as perdas foram socializadas e os lucros privatizados; a exclusividade do monopólio foi concedida a empresas estrangeiras; com a flexibilidade trabalhista, autorizou-se maior exploração legal do trabalhador; aumentou o fosso da desigualdade no país, o homem foi reduzido a meio de produção ou simples mercadoria; e eles nos levaram a uma condição de neocolônia. Em outras palavras, eles impuseram liberdade para os ricos e coerção para os pobres." [grifo meu]
Ou seja, paradoxalmente, o partido chamado “Perú Libre” é contra a liberdade. Não chega a surpreender: as contradições nunca foram um problema para a esquerda, ao contrário. A dialética orwelliana é seu ambiente natural.
Evidentemente é questão de tempo para essa fórmula conduzir ao colapso da economia e à venezualização do Peru. O país tem tudo para se transformar, assim, em mais um foco de instabilidade política do continente, ao lado de Cuba, Venezuela, Bolívia e Nicarágua.
Mas não é só isso. A expectativa de analistas de direita é que, sob um eventual governo de Castillo, o grupo terrorisra Sendero Luminoso voltará a ganhar força no país, com apoio das FARC, do ELN e até mesmo do Hezbollah. Segundo o jornalista peruano José María Gato, a escolha no dia 6 de junho será “entre uma tirania controlada por Cuba e um sistema democrático”.
Um desafio interessante para os historiadores do futuro será examinar os impactos político-eleitorais da pandemia de Covid-19 nos países da América Latina. Pelo jeito como as coisas caminham, é possível que um dia a esquerda faça uma estátua em homenagem ao companheiro coronavírus. Seria um reconhecimento merecido.