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Luciano Trigo

Luciano Trigo

Um livro contra a censura e a cultura do cancelamento

(Foto: Reprodução Instagram)

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Felizmente já aparecem sinais de que, aos poucos, a escalada de insanidade “woke” que tomou conta do planeta começa a arrefecer – ou, pelo menos, a despertar reações vigorosas. Enfrentando a espiral do silêncio que intimida, constrange, amedronta e cala as pessoas, a escritora francesa Caroline Fourest decidiu se manifestar contra a onda de vitimização, o ódio do bem e o fascismo identitário que se tornaram a razão de viver das novas gerações.

No livro “Génération offensée – De la police de la culture à la police de la pensée” (“Geração ofendida – Da política da cultura à polícia do pensamento”), ainda inédito no Brasil, Caroline faz um diagnóstico preciso dos excessos, contradições e perigos desse fenômeno social e de seu corolário, a chamada cultura do cancelamento.

Resumirei a seguir os principais argumentos da autora:

Em primeiro lugar, é evidente que o combate a todas as formas de discriminação e preconceito é positivo e necessário; o problema é que esse combate se tornou pretexto e justificativa para episódios diários de censura, perseguições e linchamento.

Hoje os tribunais de justiça sumária da internet se apressam a julgar, condenar e esfolar qualquer pessoa que tenha ousado contar uma piada considerada “blasfema”, ou que tenha cometido qualquer ato potencialmente acusável de “apropriação cultural”. Para se ter uma ideia do grau de absurdo a que isso pode chegar, já há quem afirme, por exemplo, que mulheres brancas não podem fazer feijoada.

Caroline Fourest argumenta que, embora (em sua maioria) os membros da geração woke se acreditem honestamente virtuosos, anti-homofóbicos, anti-machistas, anti-racistas, anti-fascistas etc, na prática as bandeiras identitárias estão legitimando práticas preconceituosas e sectárias: dessa forma, feministas ocidentais estão proibidas de falar sobre o uso obrigatório do véu pelas mulheres nos países de cultura islâmica, porque não têm lugar de fala; o jazz só pode ser tocado por músicos negros; e personagens de filmes e peças de teatro só podem ser interpretados por atores que tenham exatamente a mesma etnia e a mesma orientação sexual das pessoas reais que os inspiraram.

Sempre segundo a autora, esse total descontrole da agenda identitária é potencializado pelo poder que as redes sociais conferiram a qualquer grupo organizado, por ínfimo que seja, de intimidar e fazer barulho. Dessa maneira, episódios insignificantes acabam se transformando em grandes controvérsias, pelo simples fato de ferirem a sensibilidade de tal ou qual membro de uma minoria.

Isso tem provocado rituais diários de expiação de celebridades que, por medo de boicotes, se sentem coagidas a se ajoelhar no milho e pedir desculpas porque usaram a roupa errada, ou empregaram a palavra errada, ou fizeram a piada errada.

Quatro exemplos recentes de famosos que pagaram pedágio para a lacração, por medo do cancelamento:

- A cantora Kate Perry se viu forçada a pedir desculpas por, sendo branca, usar tranças no estilo afro em um videoclipe: é apropriação cultural, crime hediondo e pecado imperdoável;

- O cantor Phaerrell Williams foi criticado por, sendo negro, posar para a capa de uma revista usando um penteado indígena: idem;

- O cineasta Spike Lee foi asperamente criticado pelo rapper Chance por ter abordado, no longa “Chi-Raq”, a violência racista em Chicago: mesmo sendo negro, Spike Lee não tem lugar de fala para falar sobre o tema, porque é de Nova York: somente cineastas negros de Chicago podem dirigir filmes sobre o racismo em Chicago;

Peter Dinklage, um ator anão no papel de outro anão: cancelado!

- O caso mais insólito: o ator anão Peter Dinklage, famoso por interpretar o personagem Tyrion Lannister na série “Game of Thrones” foi escolhido para interpretar outro ator (também anão), Hervé Villechaize, celebrizado como o personagem Tatu na série “Ilha da Fantasia” ( Dinklage aparece caracterizado na foto acima). Porque não bastou ser anão (além de excelente ator): Dinklage não podia ter sido escolhido por não ter os traços orientais de Villechaize.

O mimimi não pode parar.

“Nós vivemos uma época que cultiva a vitimização”, Caroline escreve. “A melhor maneira de chamar a atenção é se declarar ofendido.” Ela tem toda razão. Ser vítima passou a gerar dividendos e virou um bom negócio.

Mesmo sendo homossexual e reconhecida como intelectual feminista, Caroline Fourest corre o sério risco de ser ela própria cancelada pelos militantes identitários

Clássicos da literatura estão sendo banidos das universidades por ofenderem determinados estudantes. Em uma cidade canadense, uma escola de yoga teve que fechar as portas porque estava se “apropriando” da cultura indiana. No carnaval carioca, já tentaram banir os cocares e outros adereços de fantasias de índio, porque “não é legal”.

O mais irônico é que, mesmo sendo homossexual e reconhecida como intelectual feminista, Caroline Fourest corre o sério risco de ser ela própria cancelada pelos militantes identitários. Porque qualquer um que coloque em questão as práticas de censura e cancelamento é percebido como uma ameaça por esses grupos. Na prática, não há debate possível, a única posição aceitável é o consenso em torno das bandeiras que eles defendem. Quem discordar vai direto para o paredão. E dizem defender a tolerância...

Como lembra a autora, em 1968 a juventude sonhava com um mundo em que era “proibido proibir”. Os jovens de hoje, por sua vez, sentem um prazer quase sexual em censurar e ditar regras sobre o que pode e não pode ser dito, mostrado ou até pensado. É o sectarismo raivoso e autoritário elevado ao status de virtude. É uma aberração.

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