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Luciano Trigo

Luciano Trigo

Um passo a passo para perverter a democracia

(Foto: Reprodução Instagram)

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No futuro, o filósofo, linguista e ativista político americano Noam Chomsky, hoje com 93 anos, talvez seja lembrado pelo mapeamento que fez das estratégias de perversão da democracia pelas elites, em livros como “A manipulação do público”, “Visões alternativas” e “Controle da mídia”.

O filósofo escrevia do ponto de vista de um esquerdista contra o “sistema” capitalista que burlava as regras do jogo democrático. Mas basta inverter alguns sinais para perceber que o conjunto de práticas que Chomsky analisou e atribuiu à direita foi assimilado e aprimorado de forma muito sofisticada pela nova esquerda, no Brasil e no mundo.

Até porque as elites – a elite social, a elite econômica, a elite intelectual e acadêmica, a elite política – mudaram de lado: hoje todas se declaram de esquerda, vejam só, e por vezes até financiam a esquerda - que retribui paparicando seus novos companheiros, de George Soros ao banqueiro sensível às causas sociais e à bilionária do varejo que sempre foi socialista. Na época de Lênin e Stálin, os três receberiam um bilhete só de ida para a Sibéria.

Mas este é um paradoxo apenas aparente, já que a esquerda jogou no lixo a bandeira da luta de classes e se associou ao grande capital, com o objetivo de conquistar e se perpetuar no poder. O inimigo agora é outro.

Para essa inusitada dobradinha (esquerda e grande capital) ter êxito, é imperativo moldar a opinião pública por meio de mecanismos variados, que submetem a população de forma cotidiana e implacável a uma verdadeira fábrica de consensos artificiais.

A missão dessa fábrica - da qual hoje fazem parte a grande mídia, o poder Judiciário, a universidade etc - é falsear a representação da realidade de forma a conquistar o consentimento e a complacência da opinião pública frente à implantação de uma determinada agenda.

Por exemplo, é notório que na grande mídia todas as questões ligadas a valores e comportamento – aborto, drogas, ideologia de gênero nas escolas, atletas trans competindo com mulheres, identitarismo, pronomes neutros, vitimização dos bandidos, cultura do cancelamento etc (a lista é longa) – não são tratadas como temas controversos que merecem debate, mas como temas consensuais.

Só que o consenso foi imposto por decreto a uma sociedade cada vez mais atordoada. E ai de quem for contra: aquele que discordar da fábrica de consensos só tem o direito de calar a boca – ou arcar com as consequências.

As elites mudaram de lado: hoje todas se declaram de esquerda, vejam só, e por vezes até financiam seus antigos inimigos

Em uma de suas muitas frases de efeito, Chomsky afirmou que "a propaganda representa para a democracia aquilo que o cassetete significa para o Estado totalitário".

O mapeamento que Chomsky fez das estratégias utilizadas pelos donos do poder – que não são necessariamente os vencedores das eleições – para perverter a democracia com base na manipulação da sociedade pela mídia permanece atualíssimo. Vamos a elas:

1 – Distração / desvio de foco:

“Um dos principais componentes do controle da opinião pública é a estratégia da distração, fundamentada em duas frentes: primeiro, desviar a atenção do público daquilo que é realmente importante oferecendo uma avalanche de informações secundárias e inócuas, que como uma cortina de fumaça esconde os reais focos de incêndio. Em segundo, distrair o público dos temas significativos e impactantes (...) Quanto mais distraído estiver o público menos tempo ele terá para aprender (...) e/ou para pensar.”

Comentário:

Desviar o foco – ou “mudar de assunto” – é uma estratégia usada exaustivamente pelo campo progressista sempre que a conversa envereda por um caminho difícil. Repare que, diante de qualquer acusação, o militante nunca reage negando o mérito da acusação, mas desqualificando quem acusa ou apontando o dedo para outro caso que não tem nada a ver com o assunto original.

Outra artimanha recoorrente é atribuir ao interlocutor algo que ele não disse para, em seguida, desqualificá-lo em tom debochado e superior – por aquilo que aquilo que ele não disse. Assim, por exemplo, durante a pandemia, a qualquer questionamento sobre os riscos da vacina ou a eficácia do lockdown o militante reagia: “Ah, quer dizer que você é daqueles que defendem o genocídio?”

2 – Gradação:

“É uma estratégia de aplicação de medidas impopulares de forma gradativa e quase imperceptível.”

Comentário:

Chomsky se refere à implantação gradual de medidas na direção do Estado mínimo pelos governos liberais, mas a estratégia também é usada no sentido inverso, na implantação do Estado máximo – lembrando que o Estado máximo é um elemento historicamente definidor do Fascismo (“Tudo pelo Estado, nada contra o Estado, nada fora do Estado” era o lema da Itália de Mussolini).

A estratégia da gradação é perceptível no acúmulo de pequenas regras que aumentam a intervenção do Estado não apenas no funcionamento dos mercados como também em diferentes aspectos da vida privada. Trata-se de um fator fundamental na consolidação de uma nova hegemonia: além de interferir de forma desmedida no cotidiano da população, o Estado máximo segue a velha fórmula: criar dificuldades para vender facilidades.

Busca-se, por meio da gradação, alcançar a transformação do Estado e da sociedade aos poucos, de forma a tornar naturais e aceitáveis medidas que seriam consideradas absurdas, se implantadas de uma só vez.

3 – Discurso para crianças:

“Emprego de um discurso infantilizado, valendo-se de argumentos, personagens, linguagens, estratégias, etc. como que dirigido a um público formado exclusivamente por crianças ou por pessoas muito ingênuas. Quando um adulto é tratado de forma afetuosa como se ele ainda fosse criança observa-se uma tendência de uma resposta igualmente infantil.”

Comentário:

O líder de esquerda adota frequentemente essa prática, ao se dirigir aos seus eleitores com ideias simplistas, raciocínios rudimentares e uma linguagem rasteira. É a velha postura paternalista de se apresentar como “pai dos pobres”, como se os brasileiros fossem incapazes e precisassem de um pai atencioso, e não de educação de qualidade e oportunidades de trabalho e crescimento pelos próprios méritos.

(Continua)

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