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Luciano Trigo

Luciano Trigo

22 semanas

Um pouco mais de honestidade, por favor

(Foto: Pixabay)

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Por ignorância ou má-fé das partes envolvidas, o debate sobre o PL 1904/24 está sendo travado de maneira completamente torta – e a grande mídia, os formadores de opinião e a militância progressista têm responsabilidade nisso.

Começando pelo básico: não está em questão a legalidade ou ilegalidade do aborto. Até segunda ordem, o aborto continuará sendo crime no Brasil, exceto em três casos: anencefalia, estupro ou risco de morte para a mãe. Nestas ocorrências, exclusivamente, o aborto é legal. Aprovado ou rejeitado o PL, continuará sendo assim.

Então, objetivamente, qual é a mudança introduzida pelo PL 1904 no Decreto-Lei 2848/1940 do Código Penal Brasileiro - legislação que ainda rege o tema no país? Basicamente, o projeto de lei estabelece a viabilidade fetal como critério e limite temporal para a realização do aborto legal, nos três casos previstos.

Com base nesse conceito, o PL estabelece uma pena severa para quem praticar aborto após as 22 semanas de gestação, equiparando o crime ao homicídio simples. Mas também prevê a possibilidade de o juiz “mitigar a pena, conforme exigirem as circunstâncias individuais de cada caso” ou “até mesmo deixar de aplicá-la “. De resto, nada muda em relação à legislação atual.

Ou seja, é inútil e desonesto transformar o debate sobre o PL 1904 numa disputa entre aqueles que defendem o aborto e aqueles que são contra o aborto; ou entre aqueles que acham que as penas atuais para estupradores são brandas e aqueles que acham que são duras demais. Não é disso que o PL trata.

Pior ainda é usarem o slogan “Criança não é mãe!” como argumento que tenta reduzir o debate a uma disputa entre o bem e o mal. Ora, é óbvio que crianças não devem ser mães; aliás, por definição, crianças que engravidam são vítimas do crime de estupro, ou seja, têm autorização para abortar. Também por definição, crianças não são puníveis criminalmente. Apelar para slogans assim é apenas uma narrativa que confunde, um truque que não agrega nada à discussão sobre o tema.

O debate que o PL propõe é outro: deve haver um prazo para a realização do aborto, nos casos em que ele é permitido? Ou o aborto deve poder ser feito a qualquer tempo, até o final do nono mês de gravidez?

A pergunta que todas as partes envolvidas devem responder com honestidade é: deve ou não ser estabelecido um limite de tempo de gestação para se praticar o aborto legal?

É aqui que entra o conceito de viabilidade fetal, que não vem recebendo a devida atenção – e desconfio que muita gente ignora o seu significado. Viabilidade fetal é o estágio em que o feto já tem condições de sobreviver fora do útero materno, o que ocorre por volta da vigésima-segunda semana da gravidez.

Ao contrário do que querem fazer crer muitos jornalistas e formadores de opinião, o PL 1904 não obriga nenhuma mulher a gerar o filho de um estuprador. Ele só determina que o aborto – legal, neste caso – deve ser realizado até o final do quinto mês de gestação. É algo tão absurdo assim? Ou que merece reflexão e debate?

Pois bem, há registro de diversos de bebês que nascem prematuros, com 22 semanas, e sobrevivem. O site “Tua Saúde” descreve assim as características do feto nesse estágio de desenvolvimento:

“Na 22ª semana de gestação, o desenvolvimento do bebê é marcado pelo desenvolvimento das papilas gustativas, que serão responsáveis pelo paladar do bebê depois do nascimento. O sistema límbico no cérebro responsável pelos sentimentos e emoções também está se desenvolvendo.

Nesta fase da gestação, o bebê já reconhece a luz e a escuridão, pois seus olhos já estão bem formados, apesar de ainda estarem cobertos pelas pálpebras. 

Na 22ª semana da gestação, os principais marcos do desenvolvimento do bebê são:

Os olhos do bebê já estão bem formados, mas a íris, que dá cor aos olhos, continuará se desenvolvendo até o nascimento;

As sobrancelhas já estão formadas e a visão está mais desenvolvida, permitindo ao bebê perceber melhor a luz e a escuridão, mesmo com as pálpebras ainda cobrindo os olhos;

As papilas gustativas do bebê também estão se desenvolvendo e a alimentação da mulher pode influenciar no paladar do bebê;

O bebê está crescendo rapidamente e consumindo mais cálcio para um desenvolvimento saudável, especialmente dos ossos e dos dentes;

O cérebro continua a se desenvolver formando redes complexas de neurônios e o sistema límbico, responsável pelo controle das emoções e sentimentos, está em pleno desenvolvimento.

Nesta fase da gestação, bebê se movimenta cada vez mais e segura o cordão umbilical com mais força, pois tem o sentido do toque mais desenvolvido, e seus movimentos são cada vez mais sentidos pela mulher.

O tamanho do bebê com 22 semanas de gestação é de cerca de 25 centímetros, medidos da cabeça aos pés, e cerca de 19,2 centímetros da cabeça ao bumbum, sendo equivalente ao tamanho de um mamão papaia.

O peso do bebê nessa semana é cerca de 400 gramas.”

Ora, basta uma pesquisa simples no Google para encontrar imagens de fetos de 22 semanas. Mesmo quem defende o aborto não pode, em sã consciência, equipará-los a um “amontoado de células”.

Considerando tudo isso, independente de ser contra ou a favor do aborto, a pergunta que todas as partes envolvidas devem se fazer e responder com honestidade é: deve ou não ser estabelecido um limite de tempo de gestação para se praticar o aborto legal?

Porque, objetivamente, é isso que o PL 1904 coloca em questão, e é isso que os representantes eleitos pelo povo devem debater – e aprovar ou rejeitar, sem açodamento e sem espetacularização. Se e quando a maioria dos deputados e senadores eleitos achar que deve haver um limite, a discussão passa a ser sobre a pena, e é razoável julgar excessiva a equiparação ao homicídio prevista no PL, o que pode ser alterado.

Outro ponto importante é exigir da Justiça a agilidade necessária para autorizar o aborto em prazo hábil, nos casos previstos. O que acontece hoje é que muitas mulheres vítimas de estupro só obtêm autorização para abortar em estágios adiantados da gestação.  

Mas o debate tem ser feito de forma sensata, não na base da gritaria, da paixão e da mentira. Repare, aliás, o leitor, que em nenhum momento eu dei minha opinião particular sobre o tema. Até porque um dos objetivos deste artigo foi demonstrar que faz parte do problema o fato de as pessoas se apressarem em dar opiniões apaixonadas sobre questões que não entendem direito.

É aqui que entra a responsabilidade da grande mídia, que hoje parece movida pelo impulso de ostentar virtude e repetir slogans lacradores – que só servem para dividir e manipular as pessoas, em vez de esclarecê-las. Um pouco mais de honestidade, por favor.

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