Como era previsível, diante do absurdo veto do ditador genocida à distribuição gratuita de absorventes íntimos, a grande mídia se apressou a pedir a opinião de especialistas em orçamento e gestão pública: as celebridades.
Famosos que exploram a empregada doméstica e nem “bom dia” dão para o porteiro – nem soltam um tostão para ajudar os pobres, porque caridade boa é aquela feita com chapéu alheio (o chapéu do dinheiro público, no caso) – ficaram em polvorosa diante de mais essa barbaridade na escalada da ditadura. Onde já se viu?
Uma atriz respondeu postando um vídeo em que aparece chorando e chamando o presidente de crápula; uma cantora se declarou chocada com o discurso do “monstro”; um youtuber afirmou, compungido, que os direitos humanos estão em risco no nosso país. Uma digital influencer entregou nos pontos: “Viver no Brasil não está fácil”.
Pois é, viver no Brasil pode estar difícil, mas nunca foi tão fácil ficar com a consciência limpinha. Cumprido o dever cívico de exibir a própria virtude, os guerreiros da justiça social podem passar o fim de semana em Noronha para aproveitar o feriadão; ou gastar em uma única balada dinheiro suficiente para resolver por um ano inteiro o problema da “pobreza menstrual” de centenas de mulheres em situação de vulnerabilidade.
Muitos desses heróis da resistência podem até ter a sincera convicção de estar fazendo a coisa certa. Acredito. Afinal de contas, eles aprenderam que dinheiro público é algo que dá em árvore ou cai do céu, e que o Estado tem obrigação de dar tudo de graça para as pessoas, inclusive artigos de higiene, porque elas têm direito. "Mas quem paga?" Cala a boca, fascista, a economia a gente deixa pra depois!
Décadas de descaso com a educação levaram a isso, à total ignorância dos princípios mais rudimentares de funcionamento da economia e da administração pública. Como escreveu Darcy Ribeiro, a crise da educação no Brasil não é uma crise, é um projeto. A julgar pelo que se lê no Instagram e no Twitter, o projeto foi bem-sucedido.
Infelizmente, como resumiu Margaret Thatcher, não existe dinheiro público, mas apenas dinheiro dos pagadores de impostos. Não serão os deputados lacradores, nem as celebridades, nem o Papai Noel, mas o povo que acorda cedo e trabalha, quem irá pagar pelos absorventes produzidos (com material sustentável) para compra e distribuição “gratuita”. Simples assim.
Matemática e responsabilidade fiscal são coisa de fascista: é claro que ninguém quis ler nem entender a fundamentação do veto, o que importa é ganhar biscoito e tacar pedra na Geni
Como observaram alguns leitores na seção de comentários do meu artigo de ontem, o veto à farra dos absorventes foi fundamentado: o projeto de lei não explicou – ou explicou de forma vaga e preguiçosa – de onde sairia o dinheiro. A regra é clara: um presidente não pode criar, majorar ou estender qualquer benefício – muito menos uma despesa obrigatória de caráter continuado – sem especificar a fonte de custeio. Se Bolsonaro sancionasse a medida, estaria apenas violando a Constituição e cometendo crime de responsabilidade.
Não basta dizer vagamente que o dinheiro “vem do SUS”: como o orçamento não é um poço sem fundo, qualquer proposta de criação de despesa tem que explicar direitinho qual rubrica será cortada – no caso, qual medicamento deixará de ser comprado, qual serviço de manutenção dos hospitais deixará de ser feito – para que sobre dinheiro para a nova despesa criada.
Mas matemática e responsabilidade fiscal são coisa de fascista. É claro que ninguém quis ler nem entender a fundamentação do veto: o que interessa é tacar pedra na Geni e ganhar biscoito nas redes sociais.
É até compreensível que os famosos agarrem de forma feroz qualquer oportunidade de aparecer e ganhar likes gritando contra o monstro genocida, porque, por definição, celebridades precisam de exposição. Elas não estão interessadas em entender e analisar o assunto, apenas supõem que atacar o presidente pega bem. (Mas podem estar bastante enganados...)
Já os políticos da oposição entenderam perfeitamente o veto e sabem que o momento não é para demagogia – mas apostam na demagogia mesmo assim. Eles não estão preocupados com as estudantes carentes, nem com as mulheres em situação de vulnerabilidade, nem com as presidiárias; estão interessados apenas em atrapalhar e sabotar o governo – porque preferem ver o país destruído a ver o país dar certo com outro grupo no poder. Mas não é apenas isso.
Jogar nos ombros do Estado o dever de arcar com a compra e distribuição gratuita de absorventes pode beneficiar mulheres pobres; mas beneficiará muito mais alguns homens ricos
Uma coisa é certa: jogar nos ombros do Estado a responsabilidade de arcar com a compra e distribuição gratuita de absorventes poderia beneficiar as mulheres pobres; mas beneficiaria ainda mais determinados homens ricos.
A ação “gratuita” custaria, em uma estimativa modesta, R$ 120 milhões por ano aos cofres públicos, provavelmente muito mais. Para alegria de quem? Dos fornecedores, é claro, empresas multinacionais que fechariam contratos milionários com o governo, e que já estavam comemorando abertamente os lucros que viriam da aprovação da medida, em posts que fingiam celebrar o combate à "pobreza menstrual".
Como dizia Millôr Fernandes, desconfiem do idealista que lucra com seu ideal.
Esqueçam o discurso lacrador e os dedos em riste de parlamentares indignados com a falta de sensibilidade social do presidente. No fundo, o veto à proposta de gastar milhões em dinheiro público na compra e distribuição de absorventes provoca escândalo porque vai na contramão do estranho modelo de capitalismo que fincou raízes no Brasil: de um lado, capitalistas poderosos viciados em dinheiro público; de outro um Estado inchado e, frequentemente, corrompido; neste modelo, o papel que cabe ao governo é de mero atravessador.
Se você tem alguma dúvida, leia o excelente artigo “O sangramento coletivo e a pobreza mental”, que merece ser emoldurado. A autora traz diversas revelações interessantes sobre o tema, como nos trechos transcritos abaixo:
“(...) é um exemplo perfeito do nosso sistema vigente, essa deformidade ideológica que consegue reunir o pior de dois mundos: uma corporatocracia que inventa problemas e soluções em massa (como no comunismo), para o favorecimento de um grupo restrito de amigos (como no capitalismo de compadrio). É provavelmente por essa razão que a deputada (...) quer obrigar você, eu e todos nós a pagar pela distribuição de absorvente –porque existe um grupo de bilionários que pode se beneficiar enormemente dessa “caridade”.
“Uma dessas empresas é a Procter & Gamble, dona da Always, que no último relatório aos investidores declarou uma arrecadação de US$ 78 bilhões – é dinheiro que dá e sobra para financiar campanhas políticas no mundo inteiro. Aliás, olha que coincidência: a P&G está por trás de uma ONG criada explicitamente com a finalidade de resolver esse problema que até anteontem nem existia, e que agora tem até nome, graças a agências de publicidade e relações públicas. Aqui nesta página é possível ver as empresas que consideram isso uma prioridade: Caterpillar, Google, AT&T, Booz Allen Hamilton, Intel, Lenov...
Ou seja, tem muito dinheiro rolando por trás dessa bondade toda. E ainda tem gente acreditando que é só por empatia, altruísmo e preocupação desinteressada com as mulheres carentes que surgiu essa onda da "pobreza menstrual". Bobinhos.
A autora continua:
“Não duvido que existam pessoas bem-intencionadas (...) que acreditem que absorvente higiênico deve ser prioridade em um país onde crianças morrem de difteria, e onde metade da população não tem nem esgoto (...). Mas se essas pessoas realmente acreditam que absorvente menstrual deveria ser um direito, por que não entregar o dinheiro diretamente nas mãos das favorecidas, ou das mães dessas meninas?"
Ela inclui no artigo um link com fotos e reportagens sobre um encontro de um suposto patrocinador de campanhas políticas com o bilionário Scott Cook, diretor da Procter & Gamble.
E conta que perguntou à empresa citada:
"Vocês vão ser uma das empresas contempladas com dinheiro público para essa estranha prioridade? E qual o aumento de faturamento vendendo milhões de absorventes para um só cliente?”.
Conta, por fim, que perguntou a uma deputada defensora do projeto (a mesma que postou “Bolsonaro, me deixe menstruar!”):
“Você vai receber financiamento de campanha de alguma empresa envolvida?”
Segundo a autora do artigo, nem a empresa nem a deputada responderam.
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