A lei é igual para todos? Nem sempre. A Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) – que estabelece prioridades e impõe limites de gastos aos poderes da União – fixa em R$ 700 o valor máximo para diárias de viagem. Quase todos cumprem, mas o Ministério Público da União (MPU) decidiu continuar aplicando as regras da Lei Complementar 75/1993, que dispõe sobre as sua organização, atribuições e vantagens. As diárias pagas aos procuradores federais chegam a R$ 1,1 mil – o que excede em 60% o limite da LDO.
O valor pode parecer pequeno, mas o Ministério Público Federal (MPF) já gastou R$ 7,3 milhões com diárias até maio. O valor máximo, pago nos deslocamentos do procurador-geral da República, chega a R$ 1.125. Subprocuradores da República recebem R$ 1.069. As diárias internacionais são ainda maiores, mas não estão limitadas pela LDO.
Os valores são semelhantes no Ministério Público do Distrito Federal e dos Territórios (MPDFT) e no Ministério Público do Trabalho (MPT), que também integram do MPU. Mas os gastos totais desses órgãos são bem menores – R$ 864 mil no MPT e R$ 86 mil no MPDFT.
O teto para as diárias foi aprovado em 2015 para a LDO do ano seguinte. Diante da crise financeira que o país atravessa, com seguidos déficits fiscais, o limite vem sendo mantido. A LDO de 2018 (Lei 13.473/2017) reafirma o valor máximo de R$ 700 para viagens no país, incluído o montante pago para deslocamentos ao local de trabalho ou de hospedagem.
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A lei deixa claro que o teto aplica-se a qualquer agente público, servidor ou membro dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, do Ministério Público da União e da Defensoria Pública da União. Mas deixa uma brecha ao dispor que o valor é válido “até que lei disponha sobre valores e critérios de concessão de diárias e auxílio deslocamento”.
“Trata-se de um valor diferenciado”
O MPF afirma que o pagamento de diárias a membros do Ministério Público é disciplinado pelo artigo 227 da Lei Complementar 75/93, que dispõe sobre a organização, as atribuições e o estatuto do MPU. Esse artigo prevê, no inciso II, o pagamento de “diárias, por serviço eventual fora da sede, de valor mínimo equivalente a 1 trinta avos dos vencimentos, para atender às despesas de locomoção, alimentação e pousada”.
Assim, entende que os seus membros não recebem com base na LDO. A assessoria do MPF procura justificar a decisão: “Por que não se aplica a LDO? Porque a LDO é uma lei ordinária, e a Lei 73/93 é uma lei complementar. Na hierarquia das leis, a lei complementar vem antes. Ela pode mais do que a lei ordinária”.
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O MPDFT segue na mesma linha: “O valor da diária paga pelo Ministério Público da União é regulado pela Lei complementar nº 75/1993, e não pela Lei nº. 13.472/2017. Sendo assim, trata-se de um valor diferenciado que, no caso do MPU, é superior à quantia de R$ 700. Não é correta, portanto, a afirmação de que o MPDFT contraria a LDO no pagamento de diárias. Portanto, não há irregularidade nos valores pagos pelo MPDFT”.
Na interpretação do MPT, “o limite para diárias imposto pela LDO de 2018 está sendo aplicado pelo Ministério Público do Trabalho. Todavia, alcança apenas os servidores. As diárias dos procuradores do MPT são regidas pela LC 75/1993, Inciso II , Art. 227”.
Hierarquia entre leis discutida no STF
Consultores da Comissão Mista de Orçamento e auditores do Tribunal de Constas da União (TCU) ouvidos pela reportagem avaliam que o MPU deveria obedecer aos limites impostos pela LDO, válidos para todos os órgãos públicos federais nos três poderes. Entendem que a LDO revogou tacitamente o artigo 227, II, da Lei Complementar 75/93. Argumentam ainda que uma lei ordinária pode alterar parte de uma lei complementar.
Sobre a questão da hierarquia entre as leis, destacaram trecho do relatório do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes no Recurso Extraordinário 377.457/2007: “É tradicional a jurisprudência dessa Corte na proclamação de inexistência de hierarquia constitucional entre lei complementar e lei ordinária, espécies normativas formalmente distintas exclusivamente tendo em vista a matéria eventualmente reservada àquela (lei complementar) pela própria Carta”. Ele citou decisões que fortalecem essa tese relatadas pelos ministros Celso de Mello, Néri da Silveira e Maurício Corrêa.
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O Tribunal de Contas da União (TCU), que fiscaliza os gastos públicos, foi questionado sobre a decisão do MPU de seguir a LC 75/93, em vez de acatar a LDO/2018. A assessoria do tribunal respondeu que não localizou nenhum processo que tenha analisado esse caso específico. O TCU e o STF respeitam o limite estabelecido pela LDO no pagamento de diárias.
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