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Ministros do governo Lula estão viajando para casa nos finais de semana em jatinhos da FAB, em alguns casos sem agenda oficial no estado. Em outros, a agenda tem caráter político. A maioria alega questões de segurança para solicitar a aeronave oficial, principalmente após a invasão e depredação dos prédios do Congresso e do Supremo Tribunal Federal (STF). Um dos ministros fez deslocamentos sozinho na aeronave.
O ministro da Secretaria-Geral da Presidência da República, Márcio Macedo, fez uma viagem com várias paradas. Ele viajou com a ministra da Cultura, Margareth Menezes, até Salvador, no dia 6, uma sexta-feira à tarde. Dali, rumou para Aracaju, onde tem residência fixa, como único passageiro do jatinho oficial, como se estivesse num “Uber” Aéreo. Na capital de Sergipe, o ministro e deputado licenciado (PT/SE), teve reunião com o prefeito Edvaldo Nogueira, presidente da Frente Nacional de Prefeitos, para "preparar a pauta de um futuro despacho" do prefeito com o presidente Lula.
No domingo, Macedo voou para Maceió novamente em voo solo. Ali, pegou carona com o presidente da Câmara, Arthur Lira, até Brasília Deputado. A assessoria do ministro disse que, no domingo, após os “episódios de terrorismo ocorridos em Brasília”, com a invasão do Palácio do Planalto, onde funciona a Secretaria-Geral, e diante da urgência em voltar à capital federal, Macêdo “novamente pegou carona em avião solicitado por outra autoridade”.
A assessoria afirmou ainda que as duas viagens realizadas pelo ministro Macêdo em aviões da FAB "estão relacionadas a compromissos de trabalho. Além disso, os dois voos citados são trechos complementares de viagens que tiveram origem (6/1) e destino (8/1) em Brasília, feitas em regime de compartilhamento do trecho principal com outras autoridades que haviam solicitado aeronave à FAB".
Dino e Haddad justificam voos
Pelas normas legais, os ministros de Estado podem utilizar as aeronaves da FAB por motivo de serviço, emergência médica ou de segurança. Mas o Decreto 10.267/2020 diz que “presume-se motivo de segurança” o deslocamento de aeronaves ao local de residência permanente dos presidentes da Câmara, do Senado e o Supremo Tribunal Federal (STF).
O ministro da Justiça, Flávio Dino, voou para São Luís em jatinho da FAB, na sexta-feira (13), sem agenda oficial, e retornou na segunda-feira (16). O Ministério da Justiça afirmou que a viagem do ministro Flávio Dino a São Luís cumpriu o Decreto 10.267. Foi realizada por motivo de segurança, “em face dos constantes e recentes ataques antidemocráticos, inclusive contra o Sr. Ministro”. O decreto autoriza a viagem por meio de justificativa que fundamente a necessidade de segurança.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, viajou a São Paulo no dia 6, sexta-feira, às 17h25. A sua agenda era uma reunião de "despachos internos" no gabinete da Fazenda em São Paulo, com o seu chefe de gabinete, Laio Moraes, das 20 às 21h. O Ministério da Fazenda afirmou que Haddad, despachou na sexta-feira no Gabinete do Ministério da Fazenda em São Paulo, “oportunidade em que visitou pela primeira vez o escritório”. E acrescentou que o ministro retornou na segunda-feira no voo da FAB “em virtude dos atos terroristas ocorridos em Brasília no dia 8 de janeiro. As viagens seguiram as regras estabelecidas pelo Decreto nº 10.267 atendendo aos critérios de segurança e serviço”.
Visitas paroquiais
Algumas viagens de jatinhos podem até cumprir o decreto presidencial, mas revelam ações como interesses paroquiais. O ministro das Comunicações, Juscelino Filho, viajou para São Luís para cumprir agenda oficial no dia 18, quinta-feira. Deputado federal licenciado (União Brasil/MA), ele fez visita ao Escritório da Anatel na capital do estado, prestigiou a posse do presidente da Federação dos Municípios Maranhenses e teve audiência com o governador Carlos Brandão. Na segunda-feira, concedeu entrevistas a emissoras de rádio e televisão e teve reunião com o prefeito de São Luís, Eduardo Braide.
O ministro das Cidades, Jader Filho, filho do senador Jader Barbalho e irmão do governador Elder Barbalho, viajou a Belém no dia 6 em jatinho da FAB. Ele teve reunião com o prefeito Edmilson Rodrigues para tratar do andamento das obras de unidades habitacionais e de saneamento e urbanização em Belém. O ministério afirmou que o ministro tinha bilhete para um voo comercial, mas a reunião ministerial em Brasília atrasou a partida, sendo necessário o uso do jatinho oficial. Ele retornou a Brasília em avião de carreira.
A ministra de Cultura, Margareth Menezes, voou para Salvador no dia 6, sexta-feira, em aeronave da FAB, e retornou na segunda. O blog questionou o ministério se ela cumpriu agenda oficial da capital baiana, mas não houve resposta até a publicação da reportagem. O Ministro do Trabalho, Luís Marinho, viajou para São Paulo no dia 13 e retornou no dia 16. O blog questionou o ministério se o ministro cumpriu agenda oficial em São Paulo no final de semana. Não houve resposta.
O histórico das mordomias
A viagem de ministros para casa em jatinhos da FAB era liberada nos governos petistas. Pela legislação da época, ministros podiam utilizar as aeronaves em viagens a serviço, por motivo de segurança e emergência médica e também nos deslocamentos para o local de residência permanente, como previa o Decreto 4.244/2002. Muitos ministros marcavam compromissos oficiais e políticos nos seus redutos eleitorais nos finais de semana para legitimar o uso dos jatinhos oficiais.
O então ministro das Relações Institucionais, José Múcio (PTB), foi, proporcionalmente, quem mais voou para casa em jatinhos da FAB. Dos seus deslocamentos durante 22 meses, em 2008 e 2009, 71 voos foram para a sua casa, no Recife. Ele agora é ministro da Defesa no terceiro governo Lula.
Entre 2010 e 2011, o então ministro da Educação, Fernando Haddad, fez 97 voos entre Brasília e São Paulo acompanhado da mulher e da filha menor, além de outras autoridades. Ele fez 130 deslocamentos em aeronaves oficiais naquele período, sendo 46 voos exclusivos para São Paulo. Em 2012, Haddad disse que não houve irregularidade no seu transporte em aeronaves oficiais. “É um direito meu ir para casa. O que interessa é a legalidade”.
Os dados sobre os voos em jatinhos da FAB nos governos petistas foram obtidos pelo deputado Rubens Bueno (PPS-PR), em 2012, por meio de requerimento de informação apresentado à Aeronáutica. Naquela época, a Lei de Acesso à Informação ainda não estava em vigor. As informações foram publicadas no jornal Folha de S. Paulo, em reportagem de minha autoria.
A partir de 2015, decreto da presidente Dilma Rousseff (8.432/15) vetou a utilização de aeronaves da FAB em deslocamento para o local de domicílio dos ministros de Estado. Em janeiro de 2020, o então presidente Jair Bolsonaro baixou o Decreto 10.267, que regulamenta o uso de aeronaves oficiais. Manteve a proibição de voos para casa nos finais de semana, mas deixou brechas que permitem essas viagens por motivos de segurança. Mas sempre tem um jeitinho. Como mostrou o blog, em pelo menos 30 vezes, de janeiro de 2019 a março de 2020, ministros do núcleo político do governo Bolsonaro deram um “jeitinho” de usar as aeronaves oficiais para se deslocar ao estado de origem em finais de semana ou para retornar ao trabalho na segunda-feira.