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Os saques em dinheiro com cartões corporativos à disposição da Presidência República totalizaram R$ 27 milhões em 20 anos. O maior volume de saques ocorreu nos governos Lula, de 2003 a 2010: um total de R$ 22 milhões – média de R$ 2,7 milhões por ano (em valores atualizados). Apenas nos dois primeiros anos de governo petista (2003 e 2004), os saques somaram R$ 14 milhões. No governo Bolsonaro, os saques somaram R$ 2,5 milhões – média anual de R$ 634 mil.
Os dados foram obtidos pela Agência Fiquem Sabendo, especializada na Lei de Acesso à Informação. Foram contabilizados todos os saques dos cartões corporativos da Presidência disponíveis para vários servidores, incluindo servidores da Abin e GSI cedidos à Presidência. Não são apenas cartões pessoais dos presidentes. Os números citados na reportagem foram atualizados pela inflação do período com base no índice IPCA (IBGE).
Os saques em dinheiro vivo da Presidência com cartões corporativos tiveram início com valores baixos no governo Bolsonaro, mas foram aumentando a cada ano. Foram R$ 317 mil em 2019, R$ 650 mil em 2020, R$ 784 mil em 2021 e R$ 785 mil em R$ 2022. No segundo mandato de Lula, de 2007 a 2010, os saques com cartões tiveram menor valor do que no primeiro mandato: R$ 937 mil em 2007, R$ 716 mil em 2008, R$ 958 mil em 2009 e R$ 801 mil em 2010 – média anual de R$ 853 mil. Em cinco anos de mandados completos, Dilma Rousseff fez menos gastos do que Lula com saques de cartões corporativos. Foram R$ 2,8 milhões, com média anual de R$ 557 mil.
O governo Lula afirma que os saques eram necessários devido à baixa aceitação dos cartões naquela época. Além disso, ainda não havia contrato, por meio de licitação, para prestação de serviços com pagamento de aluguéis de veículos nos deslocamentos em viagens presidenciais (Veja nota no pé da reportagem).
Hotéis e aluguel de veículos no cartão
As hospedagens pagas em dinheiro vivo somaram R$ 994 mil em 2003 e 2004. Em 22 de abril de 2004, Lula inaugurou as instalações de uma usina de processamento de gás natural em Urucu (AM). Nos registros de pagamentos com saque em dinheiro, consta uma despesa de R$ 37 mil (em valores atualizados) no hotel Cia Tropical Hotéis Amazônia.
Em dezembro de 2004, ficou registrada uma hospedagem no Hotel Thermas no valor de R$ 51 mil, pagos em espécie. Não há registros de agenda do presidente naquele dia. Em 3 de novembro de 2003, uma hospedagem de R$ 56 mil foi paga em dinheiro no Giros Tour Viagem e Turismo. Naquele dia, o presidente estava em viagem a São Tomé e Príncipe. As hospedagens são para o presidente e também para assessores e seguranças.
As locações de veículos e combustível para escolta de Lula custaram R$ 2,9 milhões em 2003 e 2004, anos das maiores despesas do presidente Lula. Em 20 anos, somaram R$ 3,3 milhões. Um fretamento na Renaro Locadora, em julho de 2004, custou R$ 128 mil, pagos com saque em dinheiro. Em junho daquele ano, outra locação na mesma empresa ficou por R$ 92 mil.
“Aumento apreciável“, diz TCU
Em novembro de 2004, o Tribunal de Contas da União (TCU) realizou inspeção na Secretaria de Administração da Casa Civil para examinar o uso do cartão de crédito corporativo e a contabilização dos gastos efetuados, atendendo a representação dos deputados Augusto Carvalho (PPS-DF) e Alberto Goldman (PSDB). O Acórdão 1738/2004 cita um ponto levantado nas representações: a expansão dos gastos com cartão corporativo. Foram avaliados os dados de todo o governo, não apenas os gastos dos presidentes.
O ministro relator, Marcos Vilaça, concluiu: “Realmente, as despesas pagas por esse meio sofreram um aumento apreciável a partir de 2002. Naquele ano, as faturas pagas somaram R$ 8,2 milhões. Em 2003, o valor passou a R$ 12 milhões. Em 2004, até agosto, o governo já tinha pago R$ 11,8 milhões à BBCartões”.
O relator acrescentou que naqueles valores não estavam incluídos os saques efetuados por servidores. “As despesas totais, englobando pagamento de faturas e saques, totalizaram, em 2003, R$ 29 milhões. Em 2024, até agosto, o montante alcançava R$ 27 milhões”. Mas o ministro concluiu que o cartão corporativo não implicou em aumento nas despesas com suprimento de fundos (verbas para despesas eventuais): “A explicação para o aumento de gastos com cartão de crédito é a menor utilização das contas bancárias para concessão dos fundos”. Disse, ainda, que o cartão de crédito trouxe “ganhos de transparência, parcialmente eliminados pelo grande volume de saques em espécie, é verdade”.
O plenário do TCU considerou a representação “parcialmente procedente”. Entre as recomendações, determinou à Casa Civil que “atente para o caráter excepcional da realização de saques de recursos da Conta Única”.
Cartões não eram bem aceitos
O blog perguntou ao governo Lula por que houve tantos saques em dinheiro em 2003 e 2004. A Secretaria de Comunicação da Presidência afirmou que, de 2003 a 2006 “ainda não havia contrato, por meio de licitação, para prestação de serviços com pagamento de aluguéis de veículos nos deslocamentos em viagens presidenciais em território nacional”.
A Secom acrescentou que o cartão de pagamento do governo federal “ainda estava em implementação e, dessa forma, a modalidade ainda era pouco aceita pelos estabelecimentos, sendo necessário o saque para pagamento. Adiciona também a baixa aceitação do cartão de crédito do Banco do Brasil em alguns países naquela época”.
O blog lembrou que, em 2005 e em 2006, os gastos com cartões foram mais baixos do que nos anos anteriores, mas ainda assim muito acima da média dos saques realizados nos governos seguintes. E perguntou o motivo da manutenção dos saques. A Presidência respondeu: “Trata-se de evolução tecnológica da solução e massificação do cartão como prática mercadológica e seu nível de eficiência”.
A Secom acrescentou que, até 2002, se utilizava Conta do Tipo B, com saques e pagamentos mediante cheque. “Em 2002, o percentual de saque foi de 83% do suprimento de fundos. A partir de 2003, utilizando-se do Cartão de Pagamentos, o percentual de saque baixou para 45% em 2003, 40% em 2004, 16% em 2005, 12% em 2006, 8,7% em 2007, até chegarmos à 2023 próximo de 1% do montante de gastos de suprimento de fundos utilizados a partir da modalidade saque”.
“Ou seja, houve expressiva redução da modalidade saque pela maturação desta política pública, melhor aceitação do mercado e por contratações por licitação de alguns gastos antes realizados por suprimentos, como aluguéis de veículos nos mais diversos municípios brasileiros. Portanto, a mudança de valores não significa aumento desse tipo de gasto, mas uma alteração de como os pagamentos são feitos, com uso maior pelo cartão e não mais por cheque ou saque”, concluiu a Secom.