As indenizações pagas a 2.829 militares anistiados e familiares somam 476 milhões por ano, com valor médio de R$ 13 mil – duas vezes o teto do INSS. Mas um grupo de 194 beneficiados tem renda acima de R$ 20 mil. A maior indenização mensal chega a R$ 34 mil – salário de general de exército. Mais de um terço da verba (38,8%) é paga a dependentes de militares anistiados falecidos. Ou seja, a indenização não cessa com a morte anistiado.
Entre os beneficiados estão os dependentes do general Argemiro de Assis Brasil, que foi chefe do gabinete militar de João Goulart e deixou pensão de R$ 33,5 mil. Ele fez articulações no meio militar para tentar evitar o golpe militar de 1964. O coronel Jefferson Cardim Osório, guerrilheiro que entrou no Brasil por Livramento (RS) e atravessou o estado de táxi, com 23 homens, em março de 1965, recebeu indenização de R$ 133 mil em parcela única.
As indenizações contemplam anistiados políticos atingidos por regimes totalitários de 1946 a 1988, principalmente durante a Ditadura Militar de 1964. Os 2.829 militares anistiados recebem um total de R$ 36,6 milhões por mês. A maior parte – R$ 22,4 milhões – é paga aos próprios anistiados, mas R$ 14,2 milhões são depositados na conta de dependentes – um total de R$ 184 milhões por ano. Como não se trata de uma pensão, pode ser considerada como uma herança. Em alguns casos, dividida entre dois ou três familiares.
Na divisão do bolo por comandos militares, a Aeronáutica fica com a maior parte – R$ 23,3 milhões a cada mês, com o valor médio de R$ 11,9 mil. Os anistiados da Marinha recebem um total de R$ 10,4 milhões – média de 14,2 mil. Os maiores valores individuais são pagos aos militares do Exército: R$ 21,7 mil por mês – mais de três vezes o teto do INSS. Mas são apenas 54 anistiados.
Quem recebe mais
A maior indenização mensal é paga atualmente a dependentes do almirante José Luiz de Araújo Goyano – R$ 34 mil. Quase a remuneração básica bruta do comandante da Marinha, o almirante de esquadra Almir Garnier Santos – R$ 34,7 mil. Mas o comandante recebe líquido R$ 30 mil. O contra-almirante Ney de Souza e Silva deixou a indenização de anistiado, no valor de R$ 33 mil, para familiares.
Os anistiados ficam livres de qualquer desconto. A Lei da Anistia estabelece que as indenizações não são objeto de contribuição ao INSS, fundos de pensão ou previdência. E determina que os valores pagos são isentos do Imposto de Renda. No caso de falecimento do anistiado político, o direito à reparação econômica transfere-se aos seus dependentes.
No Exército, a maior indenização foi deixada pelo ex-chefe de gabinete militar de Jango, o general de brigada Assis Brasil – R$ 33,5 mil. Um pouco menos que a remuneração do comandante do Exército, general de exército Sérgio Nogueira de Oliveira – R$ 34,7 mil. Mas o comandante paga R$ 7,4 mil de imposto de renda.
O major do Exército Renato da Costa Braga deixou para dependentes indenização de R$ 31,3 mil. O tenente-coronel Miguel Alfredo Arraes de Alencar deixou indenização mensal no mesmo valor. Trata-se de um homônimo do ex-governador Miguel Arraes, que recebe indenização como civil, como informou ao blog o Ministério da Defesa. O militar serviu como 2º tenente da Força Expedicionária Brasileira (FEB), na Itália. Depois, teve promoções por merecimento. Em 1964, foi reformado e respondeu inquérito policial militar (IPM) por incitação à rebelião.
Promoções elevam renda
Alguns militares foram promovidos há poucos anos. Em janeiro de 2015, por exemplo, Lacordaire Mosqueira foi promovido ao posto de coronel do Exército na condição de anistiado político. Ele mesmo tem hoje renda de R$ 31 mil.
A anistia não beneficiou apenas oficiais de alto escalão. Maurício de Seixas Ferreira foi reformado como 2º sargento do Exército em 1969. Em agosto de 2002, a Comissão de Anistia reconheceu a sua condição de anistiado político e assegurou-lhe a promoção à capitão, com soldo de major. Ele recebe hoje indenização de R$ 29,2 mil por mês.
A “pensão” deixada por Sesostres de Souza Moreira, 1º tenente do Exército, é de R$ 29,9 mil. Antonino Sérgio Guimarães, preso e reformado como 1º tenente da Aeronáutica, deixou indenização de R$ 30 mil, correspondente ao posto de coronel aviador.
Na Aeronáutica, a maior indenização foi deixada a dependentes pelo capitão aviador Márcio de Lima Araújo – R$ 31 mil. Logo aparece o major aviador Sérgio Cavallari, que teria sido ligado ao núcleo do Partido Comunista do Brasil (PCB) nas Forças Armadas. Ele deixou indenização mensal de R$ 30,7 mil para familiares.
General tentou evitar golpe
Os militares que participam das atividades políticas hoje são quase que totalmente conservadores, alinhados à “direita”. Na década de 1960, havia muitos militares alinhados à “esquerda”, alguns ligados ao Partido Comunista. Eles se articularam para tentar evitar o Golpe Militar de 1964 e depois combateram o governo militar, que se estendeu por 20 anos. Foram reformados, perseguidos, cassados, presos. Por isso, recebem hoje indenização como anistiados.
O general Assis Brasil entrou na primeira lista de cassados, divulgada em 10 de abril de 1964, ao lado de Jango, Leonel Brizola e Miguel Arraes. Ele tentou evitar o golpe de 64. Na noite de 31 de março, acionou por telefone o comandante da 2ª Divisão de Infantaria em Caçapava (SP), Euryale Zerbin. O chefe do Gabinete Militar tentava enfrentar as tropas sob comando do general Olímpio Mourão Filho, em marcha rumo ao Rio de Janeiro, a partir de Juiz de Fora (MG), para derrubar o governo de João Goulart. Não houve apoio no meio militar para evitar o golpe.
Na noite do dia 1º de abril de 1964, Assis Brasil voou para Porto Alegre junto com João Goulart, para tentar o apoio do 3º Exército. Mas o cargo de presidente foi declarado vago pelo presidente do Senado, e os militares assumiram o poder. Goulart não quis o choque militar e se exilou no Uruguai, acompanhado de Assis Brasil. O general foi transferido para a reserva e teve os direitos políticos suspensos por 10 anos.
O contra-almirante José Luiz Goyano também tentou evitar o golpe. Militar nacionalista, mantinha ligações com políticos e militares de esquerda, com sindicalistas e praças. Diretor do Lloyd Brasileiro, foi acusado de permitir que se realizassem reuniões subversivas nas instalações da companhia naval. Teria também distribuído fuzis do Corpo de Fuzileiros a bombeiros “optantes” em 31 de março de 1964, como consta em Inquérito Policial Militar de 1964.
Guerrilha de táxi na fronteira
O coronel Jefferson Osório era diretor-técnico do Lloyd Brasileiro, em Montevidéu, quando ocorreu o golpe militar de 1964. Teve seus direitos políticos suspensos por 10 anos. Em depoimento ao CPDoc da Fundação Getúlio Vargas, afirmou que apresentou a João Goulart e ao ex-governador Leonel Brizola planos de luta armada para alavancar um levante popular contra o novo governo.
Osório atravessou a fronteira do Brasil com o Uruguai em Livramento (RS), com apenas 23 homens e armamento precário, em março de 1965. Seguiram para o norte do estado de táxi. Chegaram ao Paraná no final daquele mês. Foram cercados e capturados por tropas do Exército nas proximidades de Capitão Leônidas Marques. Preso em Curitiba, fugiu e asilou-se na embaixada do México, para onde seguiu. Mais tarde esteve em Cuba e na Argélia.
Preso no Uruguai, em 1970, foi levado para o Centro de Informações e Segurança da Aeronáutica, o temido CISA, onde foi torturado. Passou por alguns presídios. Beneficiado pela Lei da Anistia de 1979, foi readmitido na reserva remunerada do Exército. Morreu no Rio de Janeiro em janeiro de 1995.
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