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A pronta resposta do ministro da Defesa a ataques do STF, no final de abril, demonstra que o presidente Bolsonaro tem as Forças Armadas sob controle. Esse apoio é resultado de privilégios e regalias proporcionados aos militares. Eles tiveram perdas mínimas na reforma da Previdência, conseguiram aumento salarial, ganharam milhares de empregos no governo, alguns acumulados com aposentadoria, sem abate-teto, e ainda percorrem o país em jatinhos da FAB em intermináveis festividades nos quarteis.
O número de voos dos ministros e comandantes militares é muito mais elevado do que nos governos petistas, quando tinha até “van” aérea para o Rio. No ano passado, os comandantes da Marinha, Exército e Aeronáutica fizeram 104 voos pela Força Aérea Brasileira (FAB). Considerando também os voos de ministros da Defesa, foram 175 viagens. Em 2019, ocorreram 118 deslocamentos dos comandantes militares, ou 222 contando com os voos do ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva.
Em 2014, no governo Dilma Rousseff, os comandantes militares fizeram apenas 67 viagens. Não ficaria adequado contabilizar os voos do ministro da Defesa, Celso Amorim, por não se tratava de um militar, mas sim um embaixador. Não houve ministros da Defesa militares durante os governos petistas.
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A fartura no atual governo
No atual governo, chega a ocorrer “engarrafamento” de jatinhos em algumas festividades, como formaturas de oficiais e sargentos, como o blog já mostrou algumas vezes. Em agosto, o ministro da Defesa, general Braga Netto, o comandante do Exército, general Paulo Sérgio, e o presidente Jair Bolsonaro estiveram na entrega de espadins a cadetes em Resende (RJ), cada um no seu avião. O mesmo aconteceu na formatura de sargentos em Guaratinguetá (SP), em novembro.
No dia 21 de julho de 2014, os comandantes da Marinha, Exército e Aeronáutica se acomodaram com mais 18 passageiros num jatinho da FAB de Brasília para o Rio de Janeiro, no início da tarde. Era quase uma “van” aérea. Às 9 da noite, os comandantes do Exército e Aeronáutica retornaram a Brasília no mesmo avião. No dia 11 do mesmo mês, o ministro da Defesa e o comandante da Marinha já haviam voado para o Rio juntos, na manhã de uma sexta-feira.
O Comando do Exército afirmou ao blog que, “sempre que possível, busca viabilizar o compartilhamento de voos destinados ao atendimento das necessidades funcionais de deslocamento aéreo. Em algumas ocasiões, o compartilhamento se torna inviável em função da incompatibilidade de agendas e destinos subsequentes”.
“É irresponsável, ofensa grave”, diz Defesa
No dia 24 de abril, o ministro do STF Luís Roberto Barroso afirmou que as Forças Armadas “estão sendo orientadas a atacar e desacreditar” o processo eleitoral. “Ataque infundados e fraudulentos ao processo eleitoral. Desde 1996 não tem nenhum episódio de fraude. E agora se vai pretender usar as Forças Armadas para atacar”, disse o ministro, referindo-se a Bolsonaro.
O ministro da Defesa, Paulo Sérgio, respondeu prontamente. “Afirmar que as Forças Armadas foram orientadas a atacar o sistema eleitoral, ainda mais sem a apresentação de qualquer prova ou evidência, é irresponsável e constitui-se em ofensa grave a essas Instituições Nacionais Permanentes do Estado Brasileiro. Além disso, afeta a ética, a harmonia e o respeito entre as instituições”.
O apoio firme dos militares é uma resposta aos agrados de Bolsonaro, que já vem desde o primeiro ano de governo. Em vez da reforma da Previdência dura aprovada para servidores civis e trabalhadores da iniciativa privada, no final de 2019, os militares mantiveram privilégios históricos e ainda foram agraciados com o plano de reestruturação da carreira militar e do seu generoso sistema de proteção social.
Integralidade, paridade, sem contribuição
O maior privilégio dos militares não foi sequer discutido: eles não pagam contribuição previdenciária para financiar a própria aposentadoria. A remuneração dos militares ativos e inativos é encargo financeiro do Tesouro Nacional. Na prática, quem banca a remuneração dos militares da reserva ou reformados são os contribuintes.
Outro benefício mantido foi a “integralidade”. Isso significa que o valor da pensão militar continua igual à última remuneração recebida na ativa, ou seja, antes de ser reformado. A “paridade” também foi mantida – os inativos terão os mesmos reajustes salariais dos militares da ativa, independentemente da patente. São benefícios não disponíveis aos servidores civis.
A reforma da Previdência manteve mais um privilégio – não há exigência de idade mínima para o ingresso na inatividade. Para os civis, agora, a idade mínima é de 65 anos para homens e 62 para mulheres. Em contrapartida, os militares poderão passar para a reserva somente após 35 anos de serviço – antes eram 30 anos.
A reforma da Previdência manteve ainda as pensionistas filhas “solteiras” dos militares, com um privilégio não disponível aos civis: as filhas maiores dos militares podem ser solteiras, casadas, divorciadas ou em união estável. São quase 90 mil – a maioria delas com mais de 60 anos, algumas centenárias. Essas pensionistas custam R$ 6 bilhões por ano. Para assegurar a pensão dessas filhas, os militares que estavam na carreira em 2001 optaram por descontar mais 1,5% da sua renda.
Adicionais para compensar as “perdas”
Além de manter os principais benefícios, os militares foram agraciados com os adicionais de “habilitação” e de “disponibilidade”, supostamente para compensar as “perdas” com a reforma. O primeiro resultará da realização de cursos de especialização e aperfeiçoamento. Poderá chegar a 73% do soldo, a partir de junho de 2023, no caso de generais e coronéis.
O segundo adicional resulta da “disponibilidade permanente e à dedicação exclusiva”, e será de 41% para generais a partir de janeiro de 2020. Na prática, os "adicionais" resultam em aumento da renda mensal. Mas os percentuais dos dois novos adicionais diminuem à medida que cai o posto militar. No caso de terceiro sargento, praticamente não houve aumento. Para finalizar, foi dobrado o valor da “ajuda de custo”, paras despesas com mudança.
Milhares de empregos e extra-teto
Auditoria feita pelo Tribunal de Contas da União (TCU) em 2020 mostrou que o governo Bolsonaro emprega 6,1 mil militares em atividades civis. A maior parte – 2.643 – ocupa cargos comissionados. Na Saúde, foram contratados 1.249 militares. Outros 1.969 foram classificados no processo seletivo para contratação por tempo determinado para trabalharem no Instituto Nacional de Seguro Social (INSS). Havia ainda 179 professores e 37 em cargos temporários.
Mas as maiores regalias foram reservadas aos generais e ao presidente Jair Bolsonaro. Uma portaria do Ministério da Economia (4.975), publicada em 30 de abril de 2021, determinou que o cálculo do teto remuneratório dos servidores (R$ 39,3 mil) passou a incidir isoladamente sobre cada um dos vínculos, nas hipóteses de acumulação admitidas constitucionalmente. Assim, nas acumulações entre vínculo de militar inativo com cargo em comissão ou cargo eletivo, o limite remuneratório incide isoladamente em cada um dos vínculos.
Entre os beneficiados pelo extra-teto, estão as maiores autoridades do atual governo. O presidente Bolsonaro, capitão reformado, tem renda bruta de R$ 42 mil. O vice-presidente, Hamilton Mourão, general da reserva, recebe um total de R$ 65 mil. A remuneração do ministro de Minas e Energia, almirante Bento Albuquerque, chega a R$ 69 mil. Na campanha eleitoral, Bolsonaro prometeu acabar com os privilégios no serviço público.