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Lúcio Vaz

Lúcio Vaz

O blog que fiscaliza o gasto público e vigia o poder em Brasília

Valores sob sigilo

Aposentadorias e pensões de militares estão em sigilo há um ano

(Foto: Alan Santos)

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Há um ano, o governo Bolsonaro descumpre parcialmente a decisão do Tribunal de Contas da União (TCU) que prevê a divulgação dos valores pagos a seus aposentados e pensionistas. Os dados dos servidores civis foram divulgados em janeiro de 2020, mas as informações relativas a militares e servidores do Banco Central continuam em sigilo. Durante a Constituinte de 1988, o Serviço Nacional de Informação (SNI) tentou, sem sucesso, limitar o direito de acesso a informações de órgãos públicos. Agora, o governo nega, na prática, a divulgação das aposentadorias e pensões de militares.

O TCU tomou a decisão em 11 de setembro de 2019 (Acórdão 2154/2019), ao julgar procedente denúncia por descumprimento da Lei de Acesso à Informação (LAI) apresentada pela Fiquem Sabendo – agência de dados independente especializada na LAI –, que defendia o direito de acesso do cidadão à remuneração de servidores aposentados e pensionistas da União. O tribunal deu prazo até janeiro de 2020 para o cumprimento da decisão.

Mas agora não há para quem reclamar. Em 9 de dezembro do ano passado, o TCU aprovou a Resolução 323/2020, que determina a não aceitação de denúncias ou representações documentos que requeiram a atuação do tribunal para assegurar a transparência de informações de órgãos fiscalizados, além de outros casos, como irregularidades em processos eleitorais ou descumprimento de decisão judicial. Entre os motivos dessa decisão, o TCU apontou o déficit de auditores e a concentração de denúncia e representação nas secretarias de controle externo.

Divulgação só para militares “na ativa”

Em 14 de janeiro de 2020, o Comando do Exército argumentava que o Decreto 7.724/2012 e uma portaria interministerial previam a divulgação da remuneração de quem estivesse “na ativa”. “Desta forma, não está prevista a publicação dos proventos de servidores inativos, militares da reserva ou reformados e pensionistas”, afirmou o Exército ao blog.

Mas o relator do processo no TCU, ministro Walton Alencar, entendeu que não há impedimento legal à publicação das informações sobre remuneração de inativos e pensionistas. “Ademais, os Poderes Legislativo, Judiciário, o TCU, o MPU e diversos executivos estaduais, em consonância com a LAI, já divulgam dados individualizados sobre os aposentados e pensionistas, por meio de seus sítios na internet”, disse o relator.

Os dados relativos aos servidores civil, divulgados pelo Ministério da Economia, revelaram que as pensionistas da União receberam um total de R$ 468 bilhões, em valores brutos, desde 1995 até 2020. O líquido chegou a R$ 384 bilhões. Só as pensionistas “filhas solteiras” de servidores da União já receberam um total de R$ 94 bilhões nos últimos 25 anos.

O pacote tem ainda filhas casadas, viúvas, divorciadas, além de irmãs e netas solteiras, viúva, mãe, pai, irmãos, sobrinhos, enteados, tutelados, mais os dependentes de anistiados políticos. Filhas solteiras de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e dependentes de anistiados acumularam valores milionários em pensões.

Bolsonaro disse que mandou abrir

Em 13 de janeiro de 2020, pelo Twitter, Bolsonaro afirmou que havia determinado a publicação da remuneração dos aposentados e pensionistas: “Tenho determinado aos meus ministros, em especial à CGU, que fortaleçam a transparência em defesa do interesse público e combate à corrupção. Por esse motivo, publicamos, em dados abertos, a remuneração dos servidores aposentados e pagamentos aos pensionistas do Poder Executivo”. Mas os dados estavam incompletos.

Três dias mais tarde, no dia 16, o blog revelou a omissão dos dados de aposentadorias e pensões de militares. Analisando a base de dados divulgada pelo Ministério da Economia, o blog observou que os pagamentos feitos às pensionistas filhas maiores somaram apenas R$ 30 milhões em dezembro de 2019. Considerando apenas o Exército, foram R$ 10 milhões em pensão a filhas de militares.

No final de 2017, porém, o Exército havia informado ao blog, por meio da LAI, que as 67 mil pensões de filhas maiores do comando somavam R$ 377 milhões por mês. Somando com as filhas maiores da Marinha e Aeronáutica, a despesa chegava a R$ 6 bilhões por ano.

Empurra-empurra de um ano

Questionado pelo blog sobre o atraso na divulgação dos dados pelo Ministério da Defesa e pelo Banco Central, o Ministério da Economia afirmou, na sexta-feira (5), que publicou dados de aposentadorias e pensões de servidores civis do Poder Executivo Federal. Mas acrescentou: “No caso do Bacen e das Forças Armadas, cabe a obrigação de publicação por parte de cada um desses órgãos, visto que armazenam esses dados em sistemas próprio”.

O Ministério da Defesa afirmou que, atualmente, a remuneração dos militares "da ativa" das Forças Armadas já é publicada, mensalmente, no Portal da Transparência do Governo Federal e, "da mesma forma, serão publicados os proventos dos militares inativos e as pensões militares percebidas pelos pensionistas das Forças Armadas".

Acrescentou que, "cabe à CGU disponibilizar os dados remuneratórios e de pensão no Portal da Transparência do Poder Executivo. Ressaltamos que o MD se encontra em permanente diálogo com a CGU, visando contribuir para o pleno cumprimento do referido Acórdão. Assim, qualquer previsão de data e atualizações no acesso às informações em questão só podem ser fornecidas pela CGU, órgão responsável pela manutenção do Portal da Transparência do Governo Federal". Esse jogo de empurra entre órgãos do Poder Executivo se estende por um ano.

O Banco Central afirmou ao blog que, desde agosto de 2020, "envia mensalmente à CGU as informações sobre remuneração de aposentados e de pensionistas para publicação, nos termos da legislação em vigor". Questionada sobre o atraso, a CGU não se manifestou. Costuma afirmar que vai divulgar os dados no mês seguinte.

Militares tentaram barrar acesso a dados sobre aposentadorias e pensões

Documentos guardados no Arquivo Nacional mostram que o Serviço Nacional de Informação (SNI) monitorava e procurava interferir nos trabalhos da Constituinte de 1988. Relatório de 23 de agosto daquele ano, quando estava para começar o segundo turno de votação no plenário, mostra que o SNI tentava impor ressalvas aos dispositivos que permitiam o acesso a informações de órgãos públicos.

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O relatório apontava uma prioridade para o segundo turno. “Particularmente, deve-se alertar as lideranças do governo para que dispositivos que nos são caros, como a ressalva do Inciso XXXIV, do Art. 59 º, não sejam sacrificados”. Esse dispositivo dizia: “Todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de interesse particular, coletivo ou geral, que serão prestados no prazo da lei, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado”. No texto final da Constituição, virou o inciso XXXIII do art. 5º, sem as alterações propostas pelos militares.

O documento mostra a posição do órgão: “Não obstante os esforços dispendidos por parlamentares dotados de perfil ideológico despido de demagogia, ainda apresenta alguns problemas para os interesses deste órgão. O principal deles é a permanência do instituto do habeas-data. Este dispositivo, no entanto, não deve ser analisado isoladamente, mas em conjunto com o que assegura o direito de receber informações dos órgãos públicos”.

Os militares estudavam alternativas de ação. “Poder-se-ia tentar aprovação de emenda que arguisse contradição entre os dois incisos – enquanto um concede sem restrições, outro ressalva a segurança da sociedade e do Estado. Mas esta tentativa apresenta risco: o de destacar emenda suprimindo a ressalva existente, que certa mente a esquerda apresentará”. O SNI já previa a derrota e defendia a ação do Poder Executivo: “A simples supressão do habeas-data, por outro lado, a menos que o Poder Executivo exerça pressões intensas junto aos parlamentares que o apoiam, não tem qualquer possibilidade de êxito”.

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