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O presidente Jair Bolsonaro afirmou que R$ 300 é o valor máximo possível de ajuda emergencial até o final do ano, mas o programa Bolsa Família paga benefícios acima desse valor para a 1,86 milhão de famílias. Nesse grupo, 229 mil beneficiários recebem acima de meio salário mínimo. Os 853 mais aquinhoados têm renda acima do salário mínimo, um deles chegando a R$ 2,2 mil – sete vezes a ajuda proposta pelo presidente. As maiores rendas ocorrem em famílias com até 20 integrantes.
O benefício de valor mais elevado não é pago no Nordeste nem no Norte, onde os índices de extrema pobreza são maiores. É pago em São Gonçalo (RJ), cidade industrial na região metropolitana do Rio de Janeiro, mas com bolsões de miséria. Layana Pereira Ferreira recebe R$ 2.226. Na mesma cidade, 89 famílias têm renda maior que o salário mínimo. Um grupo bem mais amplo, de 5,5 mil famílias, tem benefícios acima de R$ 300.
No outro extremo do país, em Boca do Acre, no Sudoeste do Amazonas, município com Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de 0,588, Cristine Marques dos Santos e Tarcila Melo Oliveira recebem R$ 1.782 pelo Bolsa Família – seis veze a nova ajuda emergencial. Naquele município, 10 beneficiários recebem R$ 1,4 mil em média. Ali, um total de 1.088 famílias tem renda acima dos R$ 300. Considerando todo o estado, são 93 mil pessoas.
Em Tarauacá (AC), segundo município do estado que mais concentra terras indígenas, Rosália Ferreira do Santos recebe R$ 1.226 do programa. O município é ainda mais pobre, com IDH de 0,539. As 10 maiores rendas ficam em R$ 1,2 mil em média. No município, 3,8 mil famílias recebem benefícios acima de R$ 300.
Famílias grandes
Todos esses pagamentos foram feitos dentro das regras do Bolsa Família, sem qualquer ilegalidade. Nos casos em que o benefício chega a cinco ou sete vezes o valor da ajuda emergencial, as famílias possuem entre 15 e 20 integrantes, segundo informou ao blog o Ministério da Cidadania.
Mas como os pagamentos chegam a valores 10 vezes acima da média nacional? Isso ocorre porque, depois da concessão do benefício básico (R$ 89) e dos benefícios variáveis, vinculados a crianças, adolescentes, gestantes e nutrizes, essas famílias continuam com renda até R$ 89 por pessoa. Recebem, então, o benefício para “superação da extrema pobreza”, chegando a valores próximos a R$ 2 mil.
Os beneficiários do Bolsa Família têm direito ao Auxílio Emergencial. Quando o valor do benefício do Bolsa Família é menor do que o valor da ajuda emergencial, o beneficiário recebe o emergencial. Nesse caso, seu benefício do Bolsa Família fica suspenso pelo Ministério da Cidadania. Se o valor do Bolsa Família é maior do que o valor do Auxílio Emergencial, a família continua recebendo o benefício de renda mínima e não recebe o auxílio.
Os maiores pagamentos do Bolsa Família por estados
Em números absolutos, a Bahia é o estado que tem o maior número de benefícios do Bolsa Família acima de R$ 300 – 239 mil. Isso representa 13% do total de pagamentos no estado. O Maranhão vem em segundo lugar, com 183 mil benefícios nesses valores, chegando a 19% do total no estado. Em todo o país, são 14,3 milhões de famílias atendidas pelo programa.
Proporcionalmente, o Acre tem um contingente maior de beneficiários com renda acima de R$ 300. São 30 mil, o que representa um terço dos pagamentos feitos no estado, sendo que 61 contemplados pelo programa recebem além do salário mínimo. No Amazonas, são 93 mil beneficiários com renda maior que a nova ajuda emergencial – 23% do total. No Maranhão e Bahia, são 11 mil beneficiários nessa faixa de renda.
No Rio de Janeiro, onde está o maior valor pago, 111 mil beneficiários têm renda acima de R$ 300 – cerca de 12% do total de pagamentos do estado. Em São Paulo, são R$ 153 mil famílias. Em todo o país, 12,8% dos atendidos pelo Bolsa Família têm renda acima dos R$ 300. Veja quadro com os pagamentos por estado)
Auxílio Emergencial pode ter valor dobrado
O Auxílio Emergencial pode ser concedido para até duas pessoas da mesma família. A mulher sem marido ou companheiro, que mora com crianças ou adolescentes, recebe o auxílio em dobro, mesmo que haja outro trabalhador elegível na família. Nos primeiros meses da pandemia, o valor acumulado chegava a R$ 1.200. Com a alteração proposta pelo governo, o valor dobrado será de R$ 600.
O blog também apurou o número de beneficiários que recebe acima de R$ 600 pelo Bolsa Família. São 96 mil em todo o país. Os maiores números acontecem em estados do Nordeste, que apresentam índices de pobreza elevados e maior população do que nos estados da região Norte. Na Bahia, são 11,2 mil famílias recebendo acima de R$ 600. No Maranhão, mais 11 mil.
Mas os números são proporcionalmente maiores no Norte. O Amazonas, com 410 mil registrados no programa, tem 9,7 mil pagamentos acima de R$ 600 pelo Bolsa Família. Com 91 mil inscritos no programa, o Acre tem 4,4 mil benefícios acima dos R$ 600.
Os valores citados na reportagem foram extraídos do Portal da Transparência da Presidência da República, relativos aos pagamentos do Bolsa Família previstos para o mês de junho. O Ministério da Cidadania informou ao blog que esses são os dados da folha de pagamentos que o ministério encaminha mensalmente à Controladoria-Geral da União (CGU) para atualização do Portal da Transparência.
“Eles contêm as informações de todas as famílias que são atualmente beneficiárias do Programa, independente do pagamento dos valores deste benefício estar suspenso em decorrência do pagamento do Auxílio Emergencial. Ou seja, os valores seguem sendo gerados na folha, porque as famílias continuam sendo beneficiárias do Bolsa Família, mas não são carregados no sistema de pagamentos e, portanto, não são transferidos aos beneficiários”, diz nota enviada ao blog.
Quanto valem os benefícios do Bolsa Família
O Bolsa Família tem 14,3 milhões de beneficiários. O benefício básico é de R$ 89, pago a famílias extremamente pobres, com renda mensal por pessoa até R$ 89. São pagos até cinco benefícios variáveis por família com renda mensal até R$ 178 por pessoa, no valor de R$ 41. No benefício variável vinculado à criança ou ao adolescente, é exigida a frequência escolar das crianças e adolescentes entre 6 a 15 anos.
O benefício variável vinculado à gestante é concedido às famílias que tenham grávidas em sua composição. São repassadas nove parcelas mensais. O benefício variável vinculado à nutriz é pago às famílias reforçar a alimentação do bebê, mesmo nos casos em que o bebê não more com a mãe. São seis parcelas mensais.
O benefício vinculado ao adolescente tem o valor um pouco maior: R$ 48,00, no limite de dois por família. É concedido às famílias com renda mensal de até R$ 178 por pessoa e que tenham adolescentes entre 16 e 17. É exigida frequência escolar dos adolescentes.
O benefício para superação da extrema pobreza é calculado individualmente para cada família. O Ministério da Cidadania esclareceu ao blog que famílias muito numerosas e com renda per capita baixíssima ou inexistente, mesmo após receber os outros benefícios do programa, permanecem com renda menor ou igual a R$ 89 por pessoa. Nesses casos, as famílias recebem o benefício para superação da extrema pobreza para que o valor ultrapasse o R$ 89 por pessoa.