O cadastro do Bolsa Família tem beneficiários com carrões que valem mais de R$ 100 mil e chegam a somar R$ 500 mil numa só família, revelam fiscalizações da Controladoria-Geral da União. São camionetes Hilux, Frontier, Land Rover, Toro, e caminhões Volvo e Mercedes Benz. A fraude acontece também na concessão do Seguro Defeso.
Centenas de famílias têm o seu carrão na garagem. Num único município, é possível encontrar 20 beneficiários com veículos com valor acima de R$ 60 mil. Um simples cruzamento do cadastro do programa com o Renavan identifica essas irregularidades, mas o benefício muitas vezes é pago durante anos.
Em Nossa Senhora do Socorro (SE), uma família beneficiada pelo programa tinha seis veículos no valor total de R$ 122 mil – o mais caro um VW/Golf avaliado em R$ 35 mil. A filha da beneficiária confirmou a propriedade de três veículos, que seriam da mãe, dela mesma e do irmão. Disse não lembrar dos dois veículos em nome do pai. Todos os veículos eram financiados.
Criado no governo Luiz Inácio Lula da Silva, em outubro de 2003, o programa Bolsa Família sempre teve um forte retorno eleitoral, principalmente nas regiões mais pobres do país, como mostrou reportagem do blog. Com investimento anual de R$ 15 bilhões pelo governo federal, o programa beneficia hoje 14,2 milhões de famílias, com renda média de R$ 190. Históricas desde a criação do programa, as fraudes continuam no governo Jair Bolsonaro, que agora quer ampliar em 60% o valor do benefício – de olho na reeleição em 2020.
Carrões, loja, salão de beleza
Ainda em Nossa Senhora do Socorro, constavam dois caminhões, dois carros e uma moto, avaliados em R$ 546 mil, em nome do marido da titular do benefício. A titular afirmou que não recebia mais o benefício há alguns meses e por isso não quis prestar informações sobre a propriedade dos diversos veículos. Mas continuava recebendo um benefício de R$ 178. No local funcionam uma loja de materiais de construção e um pequeno salão de beleza. Entre os veículos estavam um caminhão Volvo avaliado em R$ 279 mil e um Mercedes Benz avaliado em R$ 143 mil.
Em outra família, havia quatro carros em nome da titular e do marido, no valor total de R$ 118 mil. O mais caro era uma Saveiro (R$ 50 mil). A família admitiu a propriedade de dois veículos e informou que tinha renda de um salário mínimo com a venda de galinhas. Sobre o financiamento dos carros, disse que um tinha uma prestação de R$ 640 e o outra de cerca de R$ 600.
A titular de um benefício de R$ 89 é também beneficiária do Benefício de Prestação Continuada (BPC), no valor de um salário mínimo. Constava em seu nome uma caminhonete Land Rover Freelander, ano 2012, avaliada em R$ 108 mil, financiada. A titular informou que o veículo pertence ao filho, que foi excluído do cadastro familiar, mas não soube informar que renda apresentou para obter o financiamento.
Os trabalhos de campo da CGU foram realizados no período de 4 a 15 de fevereiro de 2019. Na época, 25,8 mil famílias estavam recebendo os benefícios do Bolsa Família no município, com valor médio anual de R$ 1,6 mil por família.
Foram identificadas no município 260 famílias beneficiárias com algum integrante proprietário de um ou mais de um veículo com valor total acima de R$ 20 mil. Havia registros de propriedade de uma Ford Ranger avaliada em R$ 47 mil, uma caminhonete Toyota Hilux de R$ 61 mil (havia três na lista do município), uma Chevrolet S10 de R$ 75 mil, um caminhão Mercedes Benz de R$ 83 mil e um caminhão Scania de R$ 164 mil.
Toro, Hilux e S10 na garagem
Situação semelhante foi encontrada pela CGU em Coremas (PB), em agosto de 2019. Em outubro daquele ano, 2,9 mil famílias estavam recebendo o Bolsa Família no município, o que representava uma cobertura de 60% da população estimada de 15 mil habitantes. Uma beneficiária que declarou renda de R$ 900 como pescadora tinha dois veículos em seu nome, sendo um deles uma caminhonete S10 com valor de mercado de R$ 101 mil.
Outra beneficiária, que recebia paralelamente o Seguro Defeso, declarou possuir imóvel próprio e confirmou também o registro de um veículo em seu nome: uma caminhonete Chevrolet S10 avaliada em R$ 89 mil. Mais uma família que morava em imóvel próprio, com renda mensal de R$ 1 mil, também beneficiária do Seguro Defeso, confirmou a existência de uma caminhonete S10, modelo 2015, em nome do seu marido, no valor de R$ 87 mil.
Uma titular de benefício declarou renda de R$ 800 pela venda de pescado, mais R$ 200 pelo aluguel de uma loja no andar térreo da residência de dois pavimentos, um imóvel de padrão elevado. Ela declarou ter recebido o Seguro Defeso e confirmou a existência do veículo Fiat Toro Freedom, modelo 2018, avaliado em R$ 71 mil.
A titular de um benefício de R$ 180 contava ainda com R$ 400 do aluguel de uma loja e com a aposentadoria de R$ 998 do companheiro. Ela confirmou a existência de uma Hilux prata em seu nome. A titular do benefício acrescentou que a última parcela do financiamento do veículo, no valor de R$ 970, ocorreria nos próximos dias.
Uma família possuía quatro membros cadastrados: a titular, o marido e dois filhos. Vinham recebendo o Seguro Defeso. Consta no Renavam que o cônjuge é proprietário de sete motocicletas. A titular confirmou a existência de um Hyundai Sonata modelo 2012, avaliado em R$ 53 mil, em nome de um dos filhos. Constatou-se, também, a existência de dois veículos registrados em nome do outro filho cadastrado: um GM/Onix, modelo 2015, e outro GM/Onix, modelo 2014, ambos avaliados em R$ 30 mil.
Em São José dos Pinhais (PR), município que recebia R$ 1,3 milhão do Bolsa Família em 2019, foram encontrados 31 beneficiários que eram proprietários de veículos. Numa residência, foi encontrada uma Hyundai Tucson. Na casa de outros beneficiários foram encontrados veículos Hyundai HB, Ford EcoEsport, GM/Meriva, GM Agile, Sandero, CrossFox, Renault Duster, Fiat Strada, Fiat Doblo e Honda Fit.
Pescador em casa de alto padrão
Relatório de Fiscalização realizada em agosto de 2019 e publicado em abril deste ano (2021) mostra fraudes semelhantes no Seguro Defeso. Foram encontrados no município de Coremas (PB) 19 beneficiários proprietários ou integrantes de famílias proprietárias de veículos com valores acima de R$ 20 mil.
Família que residia numa casa de padrão razoável no centro da cidade tinha um beneficiário que era proprietário de dois veículos, um caminhão Merdedez Bens 2011 e um Hyundai HB 2014, avaliados num total de R$ 91 mil. Outra família que morava no centro da cidade era proprietária de uma caminhonete S10, ano 2015, e de um Ford Fiesta, ano 2007, avaliados no valor total de R$ 115 mil. Mais uma família residente em casa de bom padrão era proprietária de uma S10 avaliada em R$ 87 mil.
Casal residente num imóvel de alto padrão no centro da cidade era proprietário de uma caminhonete Fiat Toro, ano 2018, avaliada em R$ 71 mil. Foi encontrado mais uma caminhonete Hilux com valor de mercado de R$ 71 mil.
Constatou-se o pagamento indevido do Seguro Defeso a 116 beneficiários que não exerceriam a pesca artesanal, ininterrupta, para fins exclusivamente comerciais e como única fonte de renda, o que teria causado um prejuízo de R$ 347 mil aos cofres públicos no período de janeiro a dezembro de 2019.
O blog relatou ao Ministério da Cidadania as fraudes registradas pela CGU e perguntou por que o ministério não faz o cruzamento do cadastro do Bolsa Família com o Renavam, o que identificaria muitas fraudes e evitaria o pagamento do benefício a pessoas que não estão enquadradas nos critérios do programa. Solicitou ainda um levantamento da soma de recursos públicos investidos no programa desde 2003. Não houve resposta até a publicação da reportagem.
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