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Nos primeiros sete meses da pandemia de Covid-19, enquanto os brasileiros mais cuidadosos se recolhiam, o presidente Jair Bolsonaro fez 23 viagens pelo país, promovendo aglomerações, muitas vezes sem usar máscara de proteção. Além dos riscos de contaminação, os deslocamentos deixaram uma despesa de R$ 1,9 milhão para o contribuinte. O blog teve acesso aos custos de cada uma dessas viagens – algumas em redutos petistas.
As mais caras custaram R$ 173 mil, para Mossoró (RN), e R$ 285 mil, para o Rio de Janeiro. O blog já havia informado que os gastos sigilosos do presidente com cartões corporativos somaram R$ 2,1 milhões em agosto e setembro, após quatro meses com despesas médias de R$ 200 mil. A gastança coincide com o período mais intenso de viagens do presidente pelo país para visitar obras de infraestrutura, habitação e reforma agrária – todas com grande apelo eleitoral. Os cartões também cobrem despesas pessoais do presidente e de seus familiares.
Mas as viagens começaram mais cedo. A visita a Natal e Mossoró (RN), de 8 a 12 de março, foi adiada, mas já havia gerado uma despesa de R$ 57,8 mil com o escalão avançado. Em vídeo no Twitter, no dia 12 daquele mês, o ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, que seria anfitrião do evento, afirmou que o cancelamento ocorreu por razões de segurança do presidente Bolsonaro: “A decretação da Organização Mundial da Saúde de uma pandemia mundial nos obriga a ter uma maior segurança com a figura do presidente da República e com as pessoas que estão no seu entorno".
“Gripezinha” não impediu eventos de Bolsonaro
No dia 20 de março, o presidente soltaria a frase que marcou o seu negacionismo em relação à gravidade do novo coronavírus: “Não vai ser uma gripezinha que vai me derrubar!”. Na saída do Palácio da Alvorada, dia 28 de abril, ao ser questionado sobre o aumento no número de casos, Bolsonaro respondeu: “e daí? Lamento, quer que eu faça o quê? Eu sou Messias, mas não faço milagre".
Dois dias depois, o presidente foi recebido com panelaços em Porto Alegre, onde foi participar da cerimônia de transmissão de cargo de comandante do Comando Militar do Sul. Ele foi aguardado por cerca de 50 apoiadores, que permaneceram aglomerados. A viagem custou R$ 60 mil.
Em 6 de junho, num sábado, Bolsonaro esteve em Formosa, distante 60 km de Brasília, onde visitou o Comando de Artilharia do Exército. Sem máscara, assistiu a diversos tiros e foi convidado a disparar um foguete no campo de tiro. Chegou às 9h, de helicóptero, no posto da Polícia Rodoviária, na BR-20. Tirou fotos com policiais e acenou para motoristas. A Presidência da República afirma que a viagem foi “sem custos”. Mas a hora de voo de um helicóptero não sai de graça.
O presidente foi ao Rio de Janeiro no dia 21 de junho, para o velório do soldado Pedro Lucas Ferreira Chaves, que faleceu no dia anterior, num treinamento em que o paraquedas não abriu corretamente. O presidente foi membro da Brigada de Infantaria Paraquedista. O deslocamento custou R$ 16 mil, segundo dados oficiais.
Inaugurações incluem até obra de Lula
Escoltado por deputados do Centrão, aqueles da “velha política”, Bolsonaro esteve no Nordeste, em 26 de junho, para inaugurar parte da obra de transposição das águas do Rio São Francisco, empreendimento de R$ 12 bilhões iniciado em 2007, no governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Passou por Salgueiro (PE), Juazeiro do Norte e Penaforte, na região do Cariri, sul do Ceará. Acompanhado da comitiva de ministros, o presidente estava de máscara, mas retirou a proteção ao se aproximar de apoiadores. A despesa do périplo ficou em R$ 157 mil.
Em Araguari (MG), em 27 de junho, mais um sábado, Bolsonaro teve um compromisso privado, fora da agenda oficial. Era obrigatório o uso de máscaras no estado, mas o presidente cumprimentou apoiadores e tirou fotos com crianças sem proteção. Transmitiu pelas redes sociais o seu passeio entre os seus seguidores, desrespeitando as orientações de distanciamento social. Mesmo privada, a viagem custou R$ 50 mil aos cofres públicos.
Em 30 de julho, visitou os sítios arqueológicos do Parque Nacional da Serra da Capivara, em São Raimundo Nonato (PI). Depois de visitar o Museu da Natureza e o sítio arqueológico do Boqueirão da Pedra Furada, seguiu para o aeroporto da São Raimundo e retornou a Brasília. Uma vez mais foi acompanhado por ministros, parlamentares e prefeitos da região. Ao lado do senador Ciro Nogueira (PP-PI), o ministro do Turismo, Marcelo Álvaro, anunciou dinheiro para o parque, pavimentação de ruas e reestruturação do aeroporto local. Segundo a Presidência, a viagem custou R$ 65 mil.
Em São Vicente (SP), visitou as obras de recuperação da ponte A Tribuna, que teria recebido investimentos de R$ 11 milhões do governo federal. Após passear pela ponte, desceu do carro para cumprimentar cerca de 200 apoiadores, promovendo nova aglomeração. Além de lideranças políticas locais, lá também estava um irmão do presidente, Renato Bolsonaro. As despesas com a comitiva ficaram em R$ 85 mil.
Bolsonaro avança sobre reduto petista
O presidente esteve no Rio de Janeiro, em 15 de agosto, num sábado para acompanhar a formatura de paraquedistas na Vila Militar da Zona Oeste da cidade. Esteve acompanhado dos ministros Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo), Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional) e Fernando Azevedo e Silva (Defesa). Só os dois escalões avançados custaram R$ 148 mil. Com mais as despesas feitas no dia, a conta fechou em R$ 285 mil. A conta do contribuinte.
Dois dias após, o presidente esteve na inauguração da Termoelétrica da Centrais Elétricas de Sergipe, em Barra dos Coqueiros, e visitou a fábrica de Fertilizantes Nitrogenado, em Laranjeiras. Mais um avanço de Bolsonaro sobre o eleitorado petista, que tem no Nordeste um dos principais redutos. As despesas somaram R$ 97 mil.
Em 19 de agosto, numa visita rápida a Corumbá (MT), para a inauguração de um radar, Bolsonaro provocou o ex-ministro Srgio Moro, afirmando que aumentou a apreensão de drogas e armamentos depois que o ex-aliado deixou o Ministério da Justiça. Moro denunciou tentativas do presidente de interferir na direção da Polícia Federal. A visita a Corumbá custou R$ 70 mil.
O presidente participou de inauguração de moradias populares e obras contra a seca em Ipanguaçu e Mossoró (RN), na companhia do ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, em 21 de agosto. No palanque, anunciou que o auxílio emergencial para trabalhadores informais e desempregados seria estendido até dezembro. A viagem custou R$ 173 mil.
Lançamento de pedra fundamental
Bolsonaro esteve na cerimônia de retomada do Alto-Forno 1 da Usina da Usiminas, em Ipatinga (MG), em 26 de agosto. Mais R$ 123 mil na conta dos pagadores de impostos.
No dia seguinte, fez “visita técnica” às obras de ampliação do Aeroporto de Foz de Iguaçu (PR), participou do lançamento da pedra fundamental para a duplicação da BR-469 e fez mais uma “visita técnica” à Itaipu Binacional – tudo por apenas R$ 96 mil. O lançamento da pedra fundamental permite dividendos políticos antes mesmo no início da obra – algo muito próprio da velha política.
No dia 3 de setembro, em Piraquera-Açu, no Vale da Ribeira (SP), houve o lançamento do projeto de uma ponte no município. A visita do presidente provocou aglomeração num evento com cerca de 2 mil pessoas. Dois dias depois, faria visita à obra da pista de pouso e decolagem do Aeroporto Congonhas (SP), em companhia do ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas. No mesmo roteiro, passou por Curitiba. As despesas chegaram a R$ 138 mil.
O presidente visitou na Bahia outra obra inacabada deixada por Lula. No dia 10 de setembro, chegou a Barreiras e São Desidério, mais uma vez acompanhado pelo ministro Tarcísio, para visitar as obras da Ferrovia de Integração Oeste Leste, que será interligada à Ferrovia Norte-Sul – outra obra de governos petistas. O evento, com muita aglomeração e apertos de mão, custou R$ 99 mil.
O sertão, o agronegócio e os “maricas”
No dia 17 de setembro, Bolsonaro participou da inauguração do Complexo Solar Coremas, uma usina solar fotovoltaica, no sertão da Paraíba. O deslocamento da comitiva custou R$ 105 mil. Esteve em Sinop (MT), no dia seguinte, para visita à usina de etanol Inpasa e para o lançamento do plantio de soja, além da entrega de títulos fundiários. As despesas da viagem de agrado ao agronegócio somaram R$ 153 mil.
Nos dias 23 e 24 de setembro, pernoitou na Academia Militar das Agulhas Negras, onde fez uma palestra. Participou da formatura matinal dos cadetes, cerimônia em que os militares ficam perfilados para prestar continência às autoridades. Lá estavam também os ministros da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, e da Casa Civil, Braga Netto. Na “formatura”, não usaram máscaras de proteção. O custo do deslocamento ficou em R$ 68 mil.
As viagens pelo país deverão continuar, segundo indicam declarações recentes do presidente. Em 10 de novembro, diante dos indícios de que estaria chegando uma segunda onda da pandemia, Bolsonaro afirmou que o país tem que deixar de ser um “país de maricas” e enfrentar a doença.
“Todos nós vamos morrer um dia, aqui todo mundo vai morrer. Não adianta fugir da realidade. Tem que deixar de ser um país de maricas”, disse em cerimônia no Palácio do Planalto. “Começam a amedrontar povo brasileiro com segunda onda. Tem que enfrentar, é a vida", afirmou o presidente.