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Lúcio Vaz

Lúcio Vaz

O blog que fiscaliza o gasto público e vigia o poder em Brasília

Bolsonaro intensifica viagens no auge da CPI da Covid e gasto com cartões chega R$ 1 milhão

Bolsonaro falou para milhares de seguidores aglomerados em evento para anunciar obra (Foto: Clauber Caetano/PR)

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No auge da CPI da Covid, com o cerco fechado sobre Bolsonaro, o presidente intensificou as viagens pelo país – chegou a visitar duas cidades por dia – e gastou R$ 1 milhão com cartões corporativos só em setembro. Naquele mês, Bolsonaro visitou 11 cidades em oito estados, além de viajar para Nova Iorque. A média de mortes por dia ainda estava em 600. Em cada cidade, havia aglomerações e um palanque montado para o presidente se defender dos ataques da oposição.

Em ritmo de pré-campanha eleitoral, o presidente visitou ou inaugurou obras. Onde não há obras em andamento, faz cerimônias de “lançamento de edital”, assinatura de contrato, sanção de projeto de lei, “início de obras” e lançamento de "pedra fundamental". Foi assim no anúncio de obra no Amapá, dia 29 de setembro. "Hoje, nós lançamos a pedra fundamental, para construir um linhão Manaus-Boa Vista. Roraima, em menos de 3 anos, ficará ligada à rede elétrica de todo o nosso Brasil", anunciou o presidente, diante de pessoas amontoadas num cercadinho sem qualquer cuidado sanitário.

Em 17 de setembro, esteve em Arinos (MG) pela manhã, para o lançamento do projeto Pró-Águas Urucuia, mas retornou a Brasília antes do almoço. Voou para Mara Rosa (GO) à tarde, para a cerimônia do “início das obras” da Ferrovia de Integração Centro-Oeste (FICO), e voltou para Brasília às 16h30. Neste mês, visitou mais 10 cidades em oito estado até ontem (27).

Bolsonaro anunciando o "início das obras" da Ferrovia FICO. Mais uma aglomeração. Foto: Clauber Caetano/PR

Bolsonaro não esqueceu as cerimônias militares e os eventos evangélicos, com compõem a sua principal base de apoio político. Esteve na passagem do Comando Militar do Nordeste, em Recife; na entrega da Medalha Mérito Desportivo Militar, no Rio de Janeiro; e visitou navios da Marinha no Rio. Esteve no culto em comemoração aos 106 anos da Assembleia de Deus, em Boa Vista, e na consagração pública de pastores do Amazonas, em Manaus. O blog mostrou que o presidente já gastou R$ 8 milhões com visitas a militares e evengélicos.

Os cartões corporativos pagam parte das despesas nas viagens do presidente da República. Entre as maiores estão as taxas aeroportuárias e a hospedagem principalmente das equipes precursoras, além de alimentação e serviços de telecomunicações. Mas os cartões também pagam despesas do presidente e familiares no Palácio da Alvorada, onde moram. Quando ocorrem mais viagens, os cartões “estouram”. Os gastos de setembro foram pagos em outubro. Em agosto e julho as despesas ficaram em R$ 864 mil e R$ 555 mil, respectivamente.

“Não acharam corrupção”, diz Bolsonaro

Nos seus discursos nas tendas e palanques montados país afora, o presidente voltou a defender o tratamento precoce da Covid e criticou o isolamento social e a obrigatoriedade das vacinas. Sobre a CPI, afirmou, em Russas (CE): “Nada produziram, a não ser o ódio e o rancor. Não temos culpa de nada. Fizemos a coisa certa desde o primeiro momento”.

Na inauguração do Ramal do Agreste, em Sertânia (PE), há uma semana, o presidente perguntou, indignado: “Para que está servindo essa CPI instalada em Brasília? Não acharam um só vestígio de corrupção em nosso governo, apenas atacam o tempo todo. E quem diria, hoje em dia, Renan Calheiros pauta a imprensa brasileira. Um senador que nada fez sequer pelo seu estado, quem (sic) dirá para o Brasil. E aquele cara, aquele cara, vem dizendo que quer o Renan Calheiros presidindo o Senado, com a eleição dele a presidente da república”.

Em várias cidades reuniu milhares de seguidores em áreas cobertas, quase todos sem usar máscaras de proteção. Abraçou crianças indígenas e até um bebê na Expointer. O presidente também não usou máscara nesses locais. Reuniu centenas de milhares de pessoas nas cerimônias do dia 7 de setembro, em Brasília e na Avenida Paulista. Nesses eventos, fez ameaças a ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), mas depois recuou, retirou as ofensas e pediu desculpas, num momento de rara humildade.

O presidente Bolsonaro faz selfies com seguidores em Sertânia. "Não acharam corrupção", disse. Foto: Isac Nóbrega/PR (Foto: Isac Nóbrega/PR)

O presidente Jair Bolsonaro foi indiciado pela CPI de provocar epidemia com resultado de morte, infração de medida sanitária preventiva, charlatanismo, incitação ao crime, falsificação de documento particular, emprego irregular de verbas públicas, prevaricação, crimes contra a humanidade, nas modalidades extermínio, perseguição e outros atos desumanos e outros crimes mais leves.

“Prepare-se para a guerra”

No dia 1º de setembro, em cerimônia de entrega de medalhas a militares, no Rio de Janeiro, afirmou, laconicamente: “Quer paz, prepare-se para a guerra”. Ele se preparava para os atos de 7 de setembro. Em Vitória da Conquista (BA), dia 3, ainda fazia ameaças: “Nós não precisamos sair das quatro linhas da Constituição. Mas, se alguém quiser jogar fora dessas quatro linhas, nós mostraremos o que poderemos fazer e também valer a vontade e a força do povo”.

Em 7 de setembro, Bolsonaro chamou o ministro do STF Alexandre de Moraes de “canalha” e ameaçou descumprir ordens judiciais das quais das quais discordasse. Parecia estar próxima uma ruptura institucional. Dois dias depois, o presidente recuou e publicou carta com pedido de desculpas escrita com a ajuda do ex-presidente Michel Temer. Disse que suas palavras decorreram “do calor do momento”.

Na Avenida Paulista, Bolsonaro chamou ministro do STF de canalha, depois pediu desculpas. Foto: Isac Nóbrega/PR

Quatro dias após o 7 de setembro, na Expointer, exposição agropecuária, em Esteio (RS), bem mais calmo, tentou justificar suas posições em relação à pandemia. “Desde o primeiro momento, não defendemos o 'fique em casa', economia a gente vê depois. Nunca apoiamos lockdowns, medidas restritivas, como toque de recolher. A população tinha que trabalhar. Contudo, na ponta da linha, a decisão sempre coube a governadores e prefeitos”. E fez mais uma afirmação falsa: “Até a OMS foi favorável a esta proposta nossa”.

Sobre o dia 7, comentou: “Fui apenas um na multidão. Senti os reais motivos pelos quais o povo foi às ruas: foi para dizer que não aceita retrocesso. O povo quer respeito à Constituição acima de tudo. Sabem que não podem deixar de lado a defesa e a luta pela nossa liberdade, o bem maior que o país pode ter”.

“600 anos de pandemia”

No discurso de abertura da Assembleia Geral das Nações Unidas, em 21 de setembro, Bolsonaro reafirmou as suas posições sobre o combate ao coronavírus: “Apoiamos a vacinação, contudo, o nosso governo tem se posicionado contrário ao passaporte sanitário ou a qualquer obrigação relacionada a vacina”. E, falando para todo o mundo, voltou a defender o tratamento precoce: “Desde o início da pandemia, apoiamos a autonomia do médico na busca do tratamento precoce, seguindo recomendação do nosso Conselho Federal de Medicina”.

De volta ao Brasil, em Teixeira de Freitas (BA), dia 28 de setembro, culpou a pandemia que ele minimizou (uma “gripezinha”) pela inflação. “Às vezes me pergunto como chegamos até aqui, como estamos sobrevivendo? Como consequência, temos uma inflação alta e em especial nos gêneros alimentícios, isso no mundo todo”. E também culpou a seca e a geada: “Enfrentamos uma das maiores secas da história do Brasil, refletindo diretamente no preço da energia, enfrentamos também uma geada ímpar, que atacou e prejudicou a nossa agricultura”.

A crise é tanta que o presidente exagerou numa inauguração em Roraima, dia 29: “Estamos completando mil anos de governo. Mil anos de governo, 600 anos de pandemia? Aí não, 600 dias de pandemia. A gente lamenta por todas as mortes, mas temos que enfrentar os problemas. Não podemos simplesmente dizer: ‘Fique em casa’. Sempre disse que tínhamos que enfrentar o vírus e o desemprego. O governo federal fez a sua parte. Não deixamos colapsar a nossa economia. Atendemos aos mais necessitados”.

“Quem aqui tomou cloroquina?”

Começou outubro e Bolsonaro manteve o seu discurso sobre a vacina. “Vivemos em um outro momento agora, peço a Deus, saindo da pandemia. Mas quero dizer de que, naquilo que depender do governo federal, nós não teremos passaporte da Covid. Nunca apoiamos medidas restritivas, sempre estivemos ao lado da liberdade, do direito de ir e vir, do direito ao trabalho e da liberdade religiosa. Nós demos todos os meios para combater a pandemia. Não podemos admitir que alguns protótipos de ditadores, em nome da saúde, queiram tirar a liberdade de vocês”, afirmou numa inauguração em Maringa (PR), dia 1º de outubro.

Mas o presidente reconheceu que está isolado nas suas posições: “Talvez eu tenha sido o único chefe de Estado do mundo todo que teve a coragem de se insurgir contra essa política do fica em casa, contra os fechamentos, contra o lockdown, contra medidas restritivas e atualmente também contra a vacinação obrigatória”.

Na Jornada das Águas, no lançamento do edital de construção do Ramal de Salgado, em Russas (CE), dia 20, atacou diretamente a CPI da Covid: “Como seria bom se aquela CPI tivesse fazendo algo de produtivo para o nosso Brasil. Tomaram o tempo de nosso ministro da Saúde, de servidores, de pessoas humildes e de empresários. Nada produziram, a não ser o ódio e o rancor entre alguns de nós. Mas nós sabemos que não temos culpa de absolutamente nada. Sabemos que fizemos a coisa certa desde o primeiro momento”.

Em seguida, repetiu um espetáculo que tem feito nas suas viagens, como um animador de auditório: “Se alguém tiver filmando aqui, que filme a plateia. Eu queria que levantasse a mão quem porventura foi acometida de Covid. Baixe o braço. Quem tomou cloroquina ou ivermectina levanta o braço! Obviamente, vocês foram orientados por médico. Alguns achavam, como meu ex-ministro Mandetta, que você deveria ir para casa e quando sentisse falta de ar, procurar um hospital. Procurar um hospital para que? Já tá quase morrendo”.

"Quem tomou cloroquina levanta o braço!" Pediu Bolsonaro, em Russas (CE), como um animador de auditório. Foto: Alan Santos/PR (Foto: Alan Santos/PR)

As obras inacabadas

Na sanção do projeto de lei que prevê a privatização e ampliação do Metrô de Belo Horizonte, dia 30 de setembro, o presidente falou das suas andanças visitando obras: “Os nossos ministros estão viajando pelo Brasil fazendo entrega de obras e anunciando outras. Toda semana eu viajo para algum lugar do Brasil, obras em sua grande maioria começada em governos anteriores, como por exemplo a BR 163 no Pará, iniciada ainda no governo Geisel, concluída o ano passado”.

Como mostrou reportagem do blog, em maio, Bolsonaro inaugurou, em fevereiro de 2020, os últimos 51 quilômetros da pavimentação do trecho da BR-163, que vai da divisa do Mato Grosso a Santarém (PA). A obra consumiu R$ 3,4 bilhões desde 2008. Nos governos de Dilma Rousseff e Lula, a pavimentação recebeu injeção de R$ 2,7 bilhões. Bolsonaro investiu R$ 307 milhões na obra – 9% do valor total. O levantamento foi feito pela Associação Contas Abertas.

Na inauguração do trecho final do Eixo Norte do Projeto de Transposição do Rio São Francisco, dia 21 de outubro, Bolsonaro reafirmou o seu projeto de tocar obras paralisadas: “Esta obra começou lá atrás com Dom Pedro. Passou por vários governos, mas estava parada há muito tempo. Notícia tivemos aos montões de corrupção e desvio de recursos. Nós resolvemos. A nossa prioridade é concluir obras. Até porque é mais barato. Essa obra concluída acaba gerando benefício e riqueza. Obra parada gera apenas prejuízo. Estamos aqui hoje, inaugurando mais um trecho da transposição do São Francisco”.

Como mostrou o blog, o Eixo Norte recebeu R$ 9,6 bilhões desde 2008. O maior volume de recursos foi liberado de 2013 a 2015, no governo Dilma, num total de R$ 4,2 bilhões. Bolsonaro colocou R$ 890 milhões na obra – 9% do total.

No mesmo dia 21 de outubro, presidente inaugurou o Ramal do Agreste, em Sertânia (PE). Em outubro do ano passado, o presidente já havia visitado as obras desse ramal, que vai receber águas do Rio São Francisco para atender 68 cidades. Com orçamento de R$ 1,46 bilhão, o empreendimento recebeu R$ 1,3 bilhão no atual governo. Bolsonaro retornou ao local em 19 de fevereiro deste ano para o acionamento das comportas do 1º trecho do Ramal do Agreste. Ou seja, a obra rendeu três eventos, todos com muita festa e aglomeração.

Bolsonaro comemora inauguração do Ramal do Agreste. Obra rendeu três eventos. Foto: Isac Nóbrega/PR (Foto: Marcos Correa)

Em Sertânia, há uma semana, Bolsonaro ironizou as obras petistas: “Nós pegamos muitas, mas muitas obras inacabadas. O PT realmente foi muito bom, acabou excelentes obras fora do Brasil com dinheiro nosso do BNDES. É metrô em Caracas, é porto em Cuba, aeroporto em Angola e tantas e tantas obras em países comunistas e socialistas”.

Mas a estação de bombeamento é apenas uma parte do Projeto de Integração do Rio São Francisco. Receberá águas do Eixo Leste, que contou com aportes de R$ 6,6 bilhões desde 2008, sendo R$ 2,7 bilhões no governo Lula e R$ 2,5 bilhões no governo Dilma.

As viagens de setembro e outubro

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