Antes de apresentar uma reforma da Previdência muito dura, com aumento do tempo de contribuição e redução do valor de aposentadorias e pensões, o então deputado Jair Bolsonaro reivindicou e conseguiu emplacar privilégios para militares inativos e seus pensionistas – incluindo filhas maiores de ex-combatentes – no Tribunal de Contas da União (TCU).
A postura “sindicalista” do atual presidente da República mudou pouco desde então – prova é que as Forças Armadas são a única categoria do serviço público que ficou de fora do texto principal da reforma recém-aprovada pela Câmara dos Deputados. Um projeto especial – e generoso – que trata da aposentadoria dos militares tramita em separado no Congresso.
No processo que tratou da reversão da pensão de filha de ex-combatente que faleceu em benefício das demais irmãs, o relatório de auditoria do TCU destacou que a Lei nº 4.242/1963 equiparou a situação daqueles que serviram na Segunda Guerra Mundial a dos denominados “Voluntários da Pátria” – veteranos da Guerra do Paraguai – “expressamente amparados pela nova Lei das Pensões Militares”.
Antes da vigência da Constituição de 1988, eram beneficiadas com a pensão as filhas maiores “de qualquer condição”. Isso significa que as filhas poderiam ser casadas, divorciadas, em união estável, viúvas, como previa a Lei 3.765/1960. A pensão de ex-combatente era equivalente à remuneração de 2º sargento. A partir da promulgação da nova Carta, passaram a ter direito à pensão apenas filhas e filhos solteiros menores de 21 anos. Mas o valor para novos benefícios passou a ser a remuneração de 2º tenente.
Um deputado "sindicalista”
A reivindicação foi apresentada pelo deputado Bolsonaro, que mantinha uma atividade sindical informal no Congresso, por meio da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional da Câmara. Ele defendeu a legalidade da reversão das cotas-parte da pensão no caso de morte ou renúncia de uma das pensionistas. “Na condição de deputado federal, sinto-me obrigado a procurar atender solicitações de cidadãos que buscam o que entendem ter, legalmente, de direito. Tenho recebido filhas pensionistas de ex-combatentes, amparadas pela Lei nº 4.242/63, que alegam não estarem percebendo, por reversão, as cotas-partes de suas irmãs falecidas. Entendo ser de grande valia a manifestação do TCU sobre o assunto.”
Com base em decisão do Supremo Tribunal Federal, o plenário do TCU decidiu, em 2010, que o direito ao recebimento de cota-parte de pensão paga a cada uma das filhas de ex-combatentes, em caso de morte ou de renúncia da beneficiária, transfere-se para as demais filhas. Mas o relator, Walton Alencar, acrescentou que, “tratando-se de filhas maiores sob qualquer condição, beneficiárias de pensão de ex-combatente falecido antes da Constituição de 1988, somente farão jus à pensão equivalente à deixada por 2º sargento das Forças Armadas”.
Dupla promoção para taifeiros que se aposentam
Na reforma da Previdência, o presidente Jair Bolsonaro propôs e aprovou o corte de pensões por morte, tentou reduzir o valor do BPC (benefícios para pensionistas em situação de extrema miséria) e aprovou novo cálculo do valor das aposentadorias, considerando 100% das contribuições. Como deputado militante, propôs e assegurou a dupla promoção de taifeiros da Aeronáutica no momento no ingresso na inatividade. Taifeiros são militares que executam serviços domésticos, principalmente na cozinha, nos quartéis e em residências oficiais.
De acordo com o requerimento apresentado por Bolsonaro, a partir da entrada em vigor da Lei 12.158/2009, os militares integrantes do quadro de taifeiros da Aeronáutica, com ingresso até 31 de dezembro de 1992, passaram a ter acesso às graduações superiores na forma da lei, cumulativamente com o direito de percepção da remuneração correspondente ao grau hierárquico superior, nos termos do art. 34 da Medida Provisória 2.215-10/2001, caso preenchessem os requisitos para se transferir à inatividade até 29 de dezembro de 2000.
O deputado defendeu que “os dispositivos suscitados não se excluem reciprocamente, tampouco inexiste expressa previsão de seu afastamento pela Lei 12.158/2009 dos direitos assegurados pela MP 2.215-10/2001, de forma que a lei e a razão induzem a uma interpretação que garante a aplicação de ambos os institutos”.
Bolsonaro informou, ainda, que a Consultoria Jurídica do Comando da Aeronáutica entendeu que “não é possível aplicar concomitantemente as citadas normas por beneficiar o militar com duas promoções, além de carecer de amparo legal, doutrinário ou jurisprudencial”. O fato motivou o Comando da Aeronáutica a instaurar processos administrativos com vistas à “redução dos proventos dos militares que se encontram percebendo a remuneração de grau hierárquico superior”, concluiu o requerimento.
Em março do ano passado, o plenário do TCU aprovou o voto do ministro relator Augusto Nardes, que considerou ser possível a aplicação da Lei 12.158 concomitantemente ao disposto no art. 34 da Medida Provisória 2.215-10, “por se tratarem de benefícios jurídicos diferentes, passíveis de recebimento conjunto pelos abrangidos nas mencionadas normas, bem como aos inativos nos termos do art. 110 da Lei 6.880/1980”.
Herdeiros de adicional por incapacidade
Bolsonaro também conseguiu estender aos beneficiários de pensão deixada por ex-combatente da Força Expedicionária Brasileira (FEB) reformado por incapacidade laboral absoluta o adicional de 25% dos vencimentos. Trata-se de incapacidade causada por moléstias adquiridas ou agravadas em serviço, ou por acidentes em serviço ocorridos fora da zona de combate.
O TCU recebeu requerimento de Bolsonaro aprovado na Comissão de Defesa Nacional. O deputado argumentou que o Decreto-lei nº 8.795/1946 concedeu diversas vantagens a militares da FEB que ficaram incapacitados fisicamente em consequência de ferimentos verificados ou moléstias adquiridas quando participavam de operações da Segunda Guerra Mundial. Entre os benefícios, está o adicional de 25%.
Bolsonaro lembrou que, desde então, os beneficiários desses militares, após sua morte, passaram a ser considerados como pensionistas dos mesmos, passando a perceber na integralidade a remuneração que era paga aos instituidores. A MP 2.215-10/2001 assegurou que o benefício fosse calculado sobre o soldo do posto de 2º tenente, ou, se mais benéfico, o do posto a que fizer jus na inatividade.
“Na condição de deputado federal, sinto-me obrigado a procurar atender solicitações de cidadãos que buscam o que entendem ter, legalmente, de direito. Neste contexto, tenho recebido pensionistas de ex-combatentes, que eram amparados pelo Decreto-lei nº 8.795 e que tiveram suprimido o direito à percepção do adicional de 25% previsto no mencionado diploma”, escreveu o deputado.
Ele acrescentou: “ressalte-se que a maioria vinha recebendo tal benefício há mais de 5 anos, sendo que alguns até mesmo há mais 20 anos. Há de ser considerado que o art. 54, da Lei nº 9.784/1999, estabelece que o direito da Administração de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários decai em cinco anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé. Como há interesse de segmentos de mais de uma Força, entendo ser de grande valia a manifestação do TCU sobre o assunto”. Em junho de 2010, o plenário do TCU decidiu: “os beneficiários de pensão instituída por militar, ex-combatente da FEB que tenha sido reformado por incapacidade laboral absoluta, causada por moléstias adquiridas ou agravadas em serviço, ou por acidentes em serviço ocorridos fora da zona de combate, também fazem jus ao adicional de 25% dos vencimentos, previsto no parágrafo único do art. 3º do Decreto-lei nº 8.795, de 23 de janeiro de 1946”.