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Nos quatro anos de mandato, o presidente Jair Bolsonaro já gastou R$ 42,5 milhões com cartões corporativos, pagando despesas com viagens e as mordomias do Palácio da Alvorada. Ele superou as despesas da então presidente Dilma Rousseff com cartões nos dois últimos anos, quando é possível fazer a comparação. Bolsonaro gastou R$ 22 milhões de janeiro de 2021 a agosto de 2022, enquanto Dilma ficou nos R$ 18,7 milhões de janeiro de 2013 a agosto de 2014. Nesses períodos, os dois se prepararam para a reeleição.
Os dados foram extraídos, mês a mês, do Portal da Transparência da Presidência da República. Depois, foram atualizados pela inflação do período, a cada mês, para permitir a comparação. Os dados de Dilma estão disponíveis a partir de 2013. Por isso, foram comparados o terceiro e o quarto ano do mandato de cada um dos presidentes. Não há dados disponíveis no Portal da Transparência sobre os gastos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva com cartões. Os pagamentos de cada mês são relativos às despesas do mês anterior.
Considerando apenas o ano eleitoral, as despesas foram semelhantes – R$ 9,7 milhões para o atual presidente até agosto deste ano e R$ 9,4 milhões para a ex-presidente no mesmo período em 2014, quando também disputou a reeleição. Em todo o ano de 2014, Dilma gastou R$ 14,2 mil com cartões corporativos. Ocorre que a Presidência da República paga as despesas com servidores da segurança e apoio técnico em qualquer deslocamento presidencial, inclusive para eventos eleitorais. Esta prática fica clara nos gastos com cartões corporativos nas viagens de Dilma em agosto e setembro de 2014, na sua campanha pela reeleição, como mostrou reportagem do blog.
Pandemia força redução de gastos
O presidente foi aumentando as suas despesas com cartões corporativos à medida que se aproximavam as eleições de 2022. Contando mais diárias e passagens aéreas para servidores, as viagens de Bolsonaro Em 2019, antes da pandemia da Covid-19, o presidente gastou R$ 10,1 milhões com cartões corporativos (sempre em valores atualizados). A média mensal foi de R$ 844 mil. Mas o presidente já havia começado a gastança. Nos últimos quatro meses de 2019, a média mensal chegou a R$ 1,14 milhão.
Se não tivesse ocorrido a pandemia da Covid-19, os gastos de Bolsonaro com cartões teriam superado os R$ 50 milhões. Incluindo mais as diárias e passagens aéreas para servidores, as viagens de Bolsonaro já custaram R$ 100 milhões. Mas a pandemia estancou as viagens pelo país. As despesas de março a julho de 2020 totalizaram R$ 1,4 milhão, com média mensal de apenas R$ 290 mil. Em agosto, a pandemia ainda não havia acabado, mas Bolsonaro já estava viajando pelo país em visita a obras, cerimônias militares e cultos evangélicos, gerando muitas aglomerações. Nos últimos cinco meses do ano, ele torrou R$ 6 milhões nessas andanças – média de R$ 1,2 milhão. O ano fechou com R$ 10,3 milhões em gastos com cartões.
A Covid voltou a atacar no início de 2021, com uma cepa mais letal, e o presidente reduziu muito as viagens. De fevereiro a maio daquele ano, a média de gastos com cartões caiu para R$ 746 mil. No início de abril, a média diária de mortos estava em 4 mil. Nos últimos cinco meses do ano, a pandemia não havia acabado – morriam centenas de pessoas por dia – mas Bolsonaro já retomava as suas viagens, com média mensal de gastos em R$ 1,3 milhão. O ano fechou com R$ 12,6 milhões em pagamentos de cartões.
Em 2022, os pagamentos somaram R$ 9,7 milhões até agosto – média mensal de R$ 1,2 milhões. Nos cinco últimos meses de gastos registrados, durante a pré-campanha eleitoral, as despesas com corporativos somaram R$ 6,4 milhões, com média mensal de R$ 1,3 milhão. O governo tem atrasado a divulgação das despesas com cartões. É possível que o 2º turno das eleições chegue sem que os eleitores saibam quanto o presidente gastou com viagens durante a campanha oficial.
As mordomias que os cartões pagam
Os cartões corporativos não pagam apenas despesas de viagens. Há ainda os gastos com o Palácio da Alvorada, onde moram os presidentes. Como mostrou reportagem do blog, já no primeiro ano de governo de Lula, a cozinha era farta e exótica. Um quilo de barbatana de tubarão custou R$ 3,5 mil. Um pote de caviar de 120 gramas saiu por R$ 125. O conhaque Cognac R. Matias chegou a R$ 400 a garrafa.
Em 2010, no segundo mandato de Lula, no intervalo de um mês, foram compradas 10 garrafas de cachaça Anísio Santiago, no valor unitário de R$ 472. A adega recebeu ainda 13 garrafas de vodca Absolut, por R$ 150 cada, e 36 garrafas de Johnny Walker black, por R$ 236 a unidade.
Em setembro de 2014, no governo Dilma Rousseff, foram adquiridas seis garrafas do vinho português Pêra-Manca por R$ 965 a unidade. O camarão GGG custava R$ 225 o quilo. Todos os valores da reportagem foram atualizados pela inflação.
As despesas com os presidentes pagas com cartões corporativos são divulgadas após o término dos mandatos. Na análise dos últimos quatro meses do governo Michel Temer, em 2018, o blog encontrou gastos do então presidente-eleito Bolsonaro, que estava hospedado na Grande do Torto, uma das residências oficiais da Presidência da República. As refeições eram sofisticadas – nada que lembrasse o pão com leite condensado do presidente.
A refinada mesa de Bolsonaro
Bolsonaro fez refeições no Torto no dia 4 de janeiro. O cardápio foi de filé de frango à parmegiana com farofa de cebola e bacon refogado no açafrão a pescada amarela grelhada no alho dourado. Teve também filé mignon ao molho rústico com risoto de rúcula com tomate seco. No dia seguinte, chegou reforço para a despensa: 11 kg de lombo suíno, 18 kg de filé mignon, 10 kg de salmão, 4 kg de linguiça e um espeto para churrasco.
Naquele mesmo dia, o almoço tinha lombo suíno assado ao molho cítrico de laranja com farofa crocante de cebola refogada no açafrão. No jantar, tinha picadinho de filé na ponta de faca com polenta e salmão grelhado com raspas de limão siciliano, acompanhado de batata noisette salteada na manteiga. O paladar do presidente ia ficando cada vez mais refinado.
No início de dezembro, foram adquiridos 5 kg de bacon, 6 kg de picanha, 9 kg de bacalhau, 24 kg de pescada amarela, 26 kg de filé mignon e uma garrafa de Cointreau. No dia 19 de dezembro, aconteceu um jantar para 40 pessoas na Granja do Torto. Os pratos principais foram filé mignon ao molho de vinho do Porto e pescada amarela com raspas de limão siciliano. O detalhamento dos gastos de Bolsonaro será conhecido após o final do mandato. Se ele for reeleito, somente após o termino do segundo mandato.