“No tempo do regime militar, a vida era melhor”. Quem usa esse argumento para defender uma nova intervenção das Forças Armadas no país deveria dar uma olhada nos indicadores econômicos e sociais do período da ditadura militar (1964-1985) e comparar com os de agora.
Os defensores da intervenção falam que havia desenvolvimento e bem-estar social naquela época. Mas a verdade é que os generais entregaram o poder com uma inflação de 215% ao ano e um salário mínimo que, corrigido para os tempos de hoje, corresponderia a apenas R$ 500 – menos da metade do valor de quando assumiram o governo à força. O chamado “milagre econômico” nos anos 1970 endividou o país e deixou uma dívida externa que representava mais da metade do Produto Interno Bruto (PIB).
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Os militares tomaram o governo em março de 1964 com o salário mínimo valendo o equivalente a R$ 1,2 mil. Foi mantido numa média de R$ 700 durante 20 anos, mas caiu mais até o final do regime, em 1985, quando a crise econômico-financeira foi avassaladora. Hoje, o salário mínimo previsto para 2019 se aproxima de R$ 1 mil. O porcentual de brasileiros em situação de extrema pobreza caiu de 21,7% no final da ditadura para 4,2% em 2014. Os números foram colhidos pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), órgão do governo federal.
Os governos militares obtiveram progressos na área econômica até meados da década de 1970, período que ficou conhecido como “milagre econômico”, que soube aproveitar uma conjuntura internacional favorável. O crescimento acelerado do PIB chegou a 10% ao ano. Mas a euforia durou pouco.
Crescimento legitimava a ditadura
Depois da crise do petróleo, que fez disparar o preço do barril no mercado internacional, ficou difícil sustentar o crescimento acelerado dos anos anteriores, explica o pesquisador do Ipea Paulo Mansur Levy. “Tentaram isso através do segundo Plano Nacional de Desenvolvimento (PND), com o Estado entrando pesadamente como produtor, como investidor, com empresas estatais. O Brasil chegou a ter mil empresas estatais ou mais na segunda metade dos anos 1970. Era a forma como a ditadura procurava se legitimar, através do crescimento”.
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Mas a estratégia não funcionou. “Fizeram de forma totalmente desequilibrada, num mundo já não tão favorável. Tentaram sustentar o crescimento basicamente através do endividamento, e aí é que começam a surgir os problemas. Para sustentar o investimento público pesado, as finanças públicas começam a se desequilibrar, a dívida pública – indexada – começa a crescer, os choques do petróleo levam ao aumento da inflação, que se transmitia para a frente com a indexação generalizada. Aí, vem a crise na dívida externa e a inflação elevada a partir dos anos 80, até o fim do regime militar em 1985”, complementa Levy.
A renda média dos 10% mais ricos no país era de R$ 3 mil na segunda metade da década de 70, em valores atualizados pelo Ipeadata. Na primeira metade da década seguinte, caiu para R$ 2,5 mil. Em 2014, quase 30 anos após a redemocratização, estava em R$ 4,7 mil.
“Inflação foi a marca do governo”
O pesquisador do Ipea explica como o salário mínimo foi corroído: “o senso de 1970 revelou um aumento da desigualdade na distribuição de renda. Os opositores ao regime militar atribuíam isso aos controles de salário, à repressão ao movimento sindical. Naquela época, com inflação elevada, você corrigia o salário mínimo em parte pela inflação passada e, em parte, pela inflação esperada no futuro, que era sempre subestimada. Houve realmente uma redução do mínimo. É isso que a inflação faz: corroer o valor do salário”.
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O banco de dados do Ipea mostra que a inflação estava em 92% no momento do golpe militar, em 1964. Vinha de um histórico de alta, chegando a 100% ao ano no governo de João Goulart. Caiu até 15% no auge do “milagre econômico”, em 1973, mas fechou em 215% em 1985.
“Não andou mais porque teve prefixação na época do Delfim Netto, em 1980, alguns controles artificiais e duas recessões bastante profundas, em 80 e em 83. Então, a inflação foi uma marca do governo militar, inflação crescente. Os indicadores sociais da época da ditadura eram lamentáveis. Eles deram muito pouca atenção à educação, saúde”, comenta Levy.
Dívida externa
Dados do Banco Central mostram que a dívida externa bruta estava em US$ 3,3 bilhões quando teve início a ditadura militar. Foi crescendo a partir do governo Emílio Médici e chegou a US$ 14,8 bilhões em 1973. Continuou crescendo na segunda metade da década e alcançou US$ 52 bilhões no final do governo Ernesto Geisel, em 1978. Mas quase dobrou no governo João Figueiredo, batendo em US$ 102 bilhões no final de 1984.
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As reservas internacionais, que poderiam ter proporcionado equilíbrio nos momentos de crise financeira, eram muito baixas naquele período. Começaram a crescer de forma expressiva a partir de 1970, chegando a US$ 6,4 bilhões em 1973. Mantiveram-se nesse patamar no início dos anos 80 – período da mais grave crise. No final do governo militar, estavam ainda em US$ 11,6 bilhões – o equivalente a 12% da dívida externa e a 6,3% do PIB.
Os governos eleitos do PSDB e do PT, a partir dos anos 1990, melhoraram os indicadores sociais e conseguiram controlar a dívida externa, que bateu em US$ 317 bilhões no ano passado – ou 19% do PIB. Mas deixaram como herança uma dívida bruta que chegou a R$ 5 trilhões em abril deste ano – o equivalente a 76% do PIB. Esse montante compreende as dívidas do governo federal, do INSS e dos governos estaduais e municipais. Mas há quem acredite que os militares podem resolver esse problema.
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