A miséria não está apenas nos sertões nordestinos. Pode ser encontrada também a apenas 30 km de distância de Brasília, em municípios do entorno do Distrito Federal. A primeira colocada no ranking do g100 – formado por cidades populosas com baixa receita per capita e alta vulnerabilidade socioeconômica – está Novo Gama (GO), com receita de R$ 909 por pessoa. Ali, apenas 23% dos habitantes está acima da linha da pobreza. Em oitiva lugar está Águas Lindas de Goiás (GO), uma das cidades mais violentas do entorno.
Identificado pela Frente Nacional de Prefeitos, o g100 é integrado por 108 municípios com mais de 80 mil habitantes. São 20,7 milhões de pessoas, sendo que 30% vivem em situação de pobreza ou extrema pobreza, contra apenas 13% nos demais municípios populosos. Esses municípios dispõem de menos da metade da receita per capita dos demais. Também integram o g100 os municípios de Planaltina de Goiás, Formosa, Luziânia e Valparaíso, todos colados na capital federal.
Com 106 mil habitantes, Novo Gama tem apenas um quarto das pessoas em famílias com renda per capita mensal acima de R$ 170. Quanto menor o índice, maior é a proporção de famílias carentes. O percentual de moradores atendidos exclusivamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS) chega a 94%.
Extrema pobreza
A fartura vivida por servidores públicos, políticos e magistrados que habitam Brasília – uma espécie de “ilha da fantasia” no meio de tanta pobreza – está longe dos moradores da periferia dessas cidades dormitórios. O blog esteve no Novo Gama nesta semana e conheceu a história de Rubena Rocha, de 38 anos, mãe de 10 filhos. Ela disse não ter aguentado mais pagar o aluguel de R$ 380 e invadiu uma área pública nas cercanias do bairro Lago Azul, onde construiu um barraco com laminados de madeira.
O marido trabalha com polimento de automóveis, mas está desempregado há mais de um ano. Assim, eles sobrevivem com o benefício do Bolsa Família – R$ 250 por mês – mais a ajuda de vizinhos. A renda per capita familiar é um quinto do limite da linha da pobreza. Quando acaba o gás, o marido vai para o mato ao lado do terreno e busca lenha para preparar as refeições num fogão improvisado com tijolos e uma trempe. Uma das seis meninas que moram com o casal, de apenas 11 anos, colocou um vídeo nas redes sociais para pedir ajuda. Ganharam novos laminados e até tijolo para começar uma nova casa.
A situação vivida por Rubena e sua família repete uma trágica realidade no entorno de Brasília. O desemprego e o elevado custo dos aluguéis expulsam os moradores para a periferia das cidades, onde ocorrem invasões de áreas públicas. Com o tempo, essas moradias são legalizadas pelos governos locais. As cidades crescem, a violência aumenta, não são gerados novos empregos e o ciclo se repete.
Longa caminhada para a escola
Moradora da periferia de Águas Lindas, distante 38 quilômetros de Brasília, Neuzilene Silva, de 32 anos, caminha cerca de 40 minutos todos os dias para levar a filha Radassa, de 6 anos, para escola. Ela leva mais três filhos juntos, um deles com 1 ano e 10 meses, num carrinho, porque “não tem com quem deixar”. Ao todo são cinco filhos. Como só o marido trabalho, fazendo “bicos” como pintor, a renda familiar mal chega nos R$ 600. O percentual das crianças de até 5 anos matriculadas em Águas Lindas era de apenas 26,6% em 2010.
Neuzilene recebia o Bolsa Família até alguns meses atrás, mas a verba foi suspensa. Ela não sabe informar por quê. Pelo menos, está pagando aluguel neste ano. “Estamos morando de favor”, explica. No município, 38,6% das pessoas são de famílias com renda per capita acima de R$ 170. No caso da família de Neuzilene, a renda é justamente a metade.
Recessão chega antes
O prefeito de Igarassu (PE), Mário Ricardo, vice-presidente da Frente de Prefeitos e coordenador do g100, afirma que os efeitos da recessão econômica são sentidos mais cedo nesses municípios, na forma de um aumento vertiginoso na demanda por serviços de saúde pública, decorrente da redução do número de beneficiários dos planos de saúde suplementar arrolados no aumento do desemprego. Em Águas Lindas, por exemplo, apenas 3,7% da população é atendida pela rede de saúde suplementar.
Em relação aos demais municípios populosos, o g100 não apenas mantém os níveis alarmantes de desigualdade, como tem emitido indicadores de piora. A receita corrente per capita média dos municípios do g100 foi de R$ 1.586 em 2016 (último dado disponível), o que representa pouco mais da metade dos demais municípios com mais de 80 ml habitantes. Já o conjunto de municípios na faixa de 10 mil habitantes, que reúne 12,5 milhões de pessoas, teve uma receita per capita média de R$ 3.332.
A complexidade regional do país se reflete no g100. Na parte meridional do país, os municípios são preponderantemente metropolitanos, como São Gonçalo (RJ), que é o sexto do ranking. Já na parte setentrional, são mais dispersos, sobretudo no Nordeste, reunindo pouco mais da metade dos municípios do grupo.
Mário Ricardo afirma que a reivindicação por políticas diferenciadas e favorecidas para os municípios do g100 “não deve substituir a busca por um sistema tributário e federativo mais justo. O grande fato gerador da desigualdade urbana, social e federativa foi e continua sendo o injusto sistema tributário nacional”.
Metodologia
Na elaboração do g100, a média da receita corrente per capita é determinada pela receita corrente dos municípios, deduzidas das contribuições constitucionais da saúde e da educação, de 2013 a 2015, dividida pela soma da população nos mesmos anos. Esse item tem peso de 70%. Os demais têm peso de 10% cada um.
O índice de pobreza é determinado pelo número de pessoas vivendo em famílias com renda per capita até R$ 170, cadastradas em junho de 2016, segundo informação do Ministério do Desenvolvimento e Combate à Fome. O índice de independência em relação ao SUS foi medido pelo número de pessoas atendidas pela saúde suplementar em dezembro de 2015, divulgado pela Agência Nacional de Saúde Complementar. O índice de educação foi calculado pelo número de matrículas nas redes municipais, estaduais e particulares no ensino infantil regular em 2010, divulgado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep).
Ranking do g100
Fonte: Frente Nacional de Prefeitos