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Calote ambiental: quem se beneficia do decreto que perdoa 60% das multas do Ibama

Henry Milleo/Arquivo Gazeta do Povo (Foto: )

O decreto que autoriza a conversão de multas ambientais não pagas em ações de melhoria do meio ambiente foi feito sob medida para os ruralistas, mas não serão eles os maiores beneficiados. Os setores de siderurgia e petróleo têm multas ainda maiores pendentes de pagamento, segundo levantamento do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) com os 50 maiores devedores. Além de conceder um perdão de 60% nos valores devidos, o decreto é, também, um reconhecimento de que essas multas jamais seriam pagas.

A primeira fase do programa de conversão, voltada para pessoas jurídicas e para multas mais elevadas, contempla ainda outros setores industriais, como empresas de saneamento, mineração, energia elétrica, alimentação, ferrovias e pesca, que deverão aplicar um total de R$ 4,6 bilhões em serviços de recuperação ambiental. A julgar pelo desconto de 60% que será concedido, isso significa que essas infrações somam R$ 11,5 bilhões.

Segundo a Gazeta do Povo apurou, o ruralistas tentaram emplacar uma proposta ainda mais vantajosa, que previa a aplicação dos recursos convertidos na recuperação da própria área degradada. A presidente do Ibama, Suely Araújo, confirma que houve pressão para a aprovação de uma anistia mais ampla.

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“Eu não sei identificar a origem, mas é ligada ao setor agropecuário. Isso foi debatido no ministério, mas não se confunde, de forma alguma, com esse decreto da conversão de multa. A proposta que chegou a circular, e que foi debatida em algumas reuniões técnicas, era ligada à conversão de multas especificamente da infração de desmatamento. Tinha previsão para conversão para a própria área”.

Questionada se o programa não estimula os infratores a não pagar as multas, Suely diz que o objetivo é reverter esse quadro. “O que ocorre hoje é que, com o baixo pagamento, o autuado sabe que pode ficar no processo administrativo, apresentando muitos recursos, judicializando. Isso estimula novas infrações. Nós queremos reverter esse quadro do pouco pagamento das multas. Historicamente, nós temos uma arrecadação média de apenas 5% do valor das multas não pagas”.

O estoque total dessas multas supera os R$ 35 bilhões, informa a presidente do instituto. Entre as 50 maiores autuações, o setor de siderurgia tem multas no valor total de R$ 1,2 bilhão (veja lista completa no final do texto). Já as da área do petróleo chegam a quase R$ 950 milhões.

A Petrobras e a Companhia de Saneamento do Paraná (Sanepar) foram as primeiras empresas a aderirem à conversão nesta primeira fase do programa. A dívida ambiental da primeira soma R$ 1,5 bilhão (todas as multas, incluindo as que estão fora desse recorte do Ibama). Já a Sanepar deve um total de R$ 303 milhões.

As impagáveis multas dos ruralistas

Levantamento das maiores multas no setor agropecuário feito pela Gazeta do Povo mostra que, entre as 18 autuações com valores acima de R$ 10 milhões, 14 ocorreram de 2006 a 2009. Até agora, nenhuma delas foi paga. Estão em processo administrativo no Ibama ou foram judicializadas, após esgotados todos os recursos extrajudiciais. Os maiores infratores foram autuados pelo desmatamento de áreas no total de 80,7 mil hectares no Mato Grosso, Pará e Amazonas, com multas que somam R$ 290 milhões. No filtro feito pelo Ibama dos 50 maiores devedores, o setor agropecuário responde por um total de R$ 512 milhões.

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A Agropecuária Santa Bárbara, hoje mais conhecida como AgroSB, recebeu a multa de maior valor: R$ 23,3 milhões. Foi aplicada em outubro de 2010, no município de São Félix do Xingu (PA), pelo desmatamento de uma área de 2,3 mil hectares. Já Leo Andrade Gomes, pessoa física, recebeu duas autuações que somam R$ 32,2 milhões, sendo a maior no valor de R$ 18,8 milhões. As infrações ocorreram em 2006 e 2008 e correspondem ao desmatamento de 15,2 mil hectares.

A presidente do Ibama explica por que as multas não são pagas. “As pessoas usam todos os recursos administrativos possíveis, todos os recursos judiciais, e vão postergando anos e anos esses pagamentos. Por isso temos só esses 5% de retorno. Hoje, o autuado tem o desconto de 40% se pagar à vista a multa. Mas esse desconto não tem sido atrativo”.

O novo programa

O programa de conversão de multas prevê o investimento de 40% do valor da multa em projetos ambientais previamente habilitados pelo Ibama. A conversão de multas em serviços ambientais é prevista desde 1998. Foi autorizada por lei e aplicada durante um período, mas os projetos eram pulverizados, sem foco, sem seguir uma política nacional e até ser suspensa pelo instituto em 2012. A discussão sobre a nova regulamentação foi retomada há cerca de um ano e meio.

Na segunda-feira (20), enquanto o Congresso discutia o segundo pedido de abertura de processo contra o presidente Michel Temer no Supremo Tribunal Federal (STF), o decreto presidencial foi assinado. O ministro da Agricultura, Blairo Maggi, representante direto do agronegócio no governo, chegou a afirmar publicamente que o presidente havia atendido a um pedido dos ruralistas.

O primeiro edital de conversão será para investimentos nas subbacias do Rio São Francisco, nas áreas de recarga do aquífero, e também em algumas bacias do Parnaíba. “Nós queremos plantar árvores para a água do Velho Chico voltar”, afirma a presidente do Ibama.

A conversão de multas nunca funcionou bem, como mostram os dados históricos, mas Suely afirma que agora vai dar certo. “Estamos tentando incutir a cultura da conversão. Por isso, começamos pelos maiores infratores, com o maior valor de multas acumuladas, para tentar um volume de recursos considerável já nessa primeira fase. Isso atrai os demais autuados para a utilização dessa ferramenta”.

Haverá também a conversão direta, com o próprio autuado prestando o serviço. Mas isso não poderá ser na área do dano que gerou a multa.

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