Durante a pandemia da Covid-19, faltaram leitos de UTI, respiradores e até oxigênio no Sistema Único de Saúde (SUS). As internações para tratamento de outras enfermidades também tiveram sérias restrições. Mas nada faltou aos deputados federais. Ocorre que eles não usam o SUS. De março de 2020 a julho deste ano, a Câmara dos Deputados fez reembolsos de despesas médicas, incluindo longas internações em hospitais cinco estrelas, num total de R$ 10 milhões – o equivalente a 200 mil doses de vacina.
Os dez maiores gastos somaram R$ 5,6 milhões. Considerando os 20 maiores, foram R$ 7 milhões. Teve despesa de R$ 1,96 milhão. Vinte deputados tiveram gastos acima de R$ 100 mil, com média de 360 mil. O Plano de Saúde dos parlamentares é especial: o deputado faz a internação hospitalar e apresenta a conta à Câmara. Na prática, não há limite de gastos.
No início de abril, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-A), determinou um reajuste de 170% no limite máximo para ressarcimento de despesas médicas, que subiu de R$ 50 mil para R$ 135 mil. Mas os casos excepcionais são analisados pela Mesa Diretora, que pode aprovar o pagamento acima do limite, algo que continua ocorrendo.
Pelo menos, há transparência na Câmara. Os dados estão um pouco escondidos no Fundo Rotativo da Câmara – uma espécie de orçamento extra. Mas dá para saber quanto cada deputado recebeu de reembolso por serviços médicos.
No Senado, a transparência é quase zero. São divulgados apenas os dados totais. O volume de ressarcimento com assistência médica cresceu de R$ 5 milhões em 2019 para R$ 6,9 milhões em 2020. Neste ano (2021), os gastos já somam R$ 3,4 milhões. Não há a individualização das despesas nem a identificação dos fornecedores ou prestadores dos serviços de saúde, pois seriam “informações legalmente protegidas em respeito à intimidade das pessoas”, informa o Senado. Os dados estão atualizados até abril deste ano.
Os reembolsos mais recentes
O deputado Damião Feliciano (PDT-PB) foi contaminado pelo coronavírus no início de fevereiro deste ano e foi internado no hospital Sírio Libanês, onde chegou a ser entubado. Houve complicações decorrentes da doença. Após um longo tratamento, teve alta em 3 de maio. Nesse período, ele recebeu 12 reembolsos de despesas medicas no valor total de R$ 332 mil. Só em 14 de abril foram quatro ressarcimentos no valor de R$ 150 mil.
Em 14 de abril, o deputado Moses Rodrigues (MDB-CE) foi internado no hospital Albert Einstein, em São Paulo, com quadro clínico de obstrução intestinal. Foi submetido a cirurgia – uma pequena ressecção intestinal por aderência. Anunciou a alta hospitalar pelas redes sociais em 23 de abril. Os reembolsos feitos pela Câmara em junho e julho somaram R$ 187 mil.
O deputado Lafayete Andrada (Republicanos-MG) foi internado no hospital Sírio Libanês, em São Paulo, em 25 de junho, para tratamento da Covid. Ele é filho do ex-deputado federal Bonifácio de Andrada (PSDB-MG), que morreu em janeiro deste ano, aos 90 anos, em consequência de complicações provocadas pelo coranavírus. De 27 de julho a 2 de agosto, Lafayete recebeu da Câmara reembolso por despesas médicas no valor de R$ 218 mil.
Desde que Arthur Lira impôs o seu limite flexível, já foram feitos reembolsos a deputados no valor de R$ 2 milhões, mas foram raros os pagamentos acima R$ 135 mil. Em 2021, os ressarcimentos totalizaram R$ 3,5 milhões. Teve até contratação de UTI aérea.
Contaminado pela Covid-19, o deputado Jesus Sérgio (PDT-AC) foi resgatado por um avião do governo estadual em Tarauacá (AC), distante 400 km de Rio Branco, na virada do ano. Foi internado no hospital da Unimed, em Rio Branco, por conta do plano de saúde da Câmara. Mas o caso era grave e foi contratada uma UTI aérea para transportá-lo para Brasília, ao custo de R$ 118 mil. Passou duas semanas no hospital DF Star, da Rede D'or. Todas as despesas somaram R$ 310 mil.
Em maio de 2021, o deputado Fausto Pinato (PP-SP) sofreu acidente vascular cerebral, com hemiparesia do lado esquerdo e desvio de rima labial. Ele ficou internado por quatro dias no hospital Sírio Libanês, em São Paulo. Após deixar o hospital, seguiu com tratamento médico e fisioterápico por mais 60 dias. Recebeu reembolsos no valor de R$ 137 mil.
Os maiores gastos de deputados
O deputado Sóstenes Cavalcante (DEM-RJ) defendia o uso da cloroquina e de vermífugo no combate ao coronavírus. Infectado em Teresópolis, tentou ir para o hospital Albert Einsten, em São Paulo. Temia sofrer m atentado no Rio: “O meu mandato é muito ideológico, muito de confronto à esquerda, e eu sei que a área de enfermagem é muito sindicalizada, ligada à esquerda”, relatou ao blog. Mas conseguiu vaga no hospital Copa D’or. Sobre a cloroquina, comenta: “Quando é grave, pode dar o remédio que quiser que vaia agravar. O assunto é sério. Vi a morte de perto”. Recebeu R$ 206 mil de ressarcimentos por despesas médicas.
Infectado pela Covid, o deputado Édio Lopes (PL-RR) esteve internado por 30 dias no hospital da Rede Star, em São Paulo, no final de dezembro. Recebeu ressarcimento de R$ 160 mil. Haroldo Cathedral (PSD-RR) teve várias internações e recebeu reembolsos no valor total de R$ 536 mil durante a pandemia.
Nilson Pinto (PSDB-PA) teve reembolso no valor total de R$ 735, mil, parte numa internação para tratamento da Covid-19 no hospital Sírio Libanês. O deputado afirmou ao blog que, após três infartos nos últimos sete anos, teve uma infecção por uma bactéria resistente que levou ao agravamento dos problemas cardíacos e ao risco de morte. Foi removido em UTI aérea de Belém para o Sírio Libanês em julho, ficando 35 dias internado. Em outubro, foi levado novamente para o Sírio, onde ficou internado por mais 16 dias.
Célio Moura (PT-TO) sofreu um acidente de carro grave em junho do ano passado, próximo a Araguaína. O veículo saiu da sua pista e chocou-se de frente com um caminhão. O irmão Marcilo, que dirigia o carro, morreu no local. O deputado sofreu várias fraturas e uma perfuração no pulmão. As cirurgias e o longo tratamento de recuperação custaram R$ 750 mil.
Mas a maior despesa foi feita pela deputada Tereza Nelma (PSDB-AL). Os ressarcimentos para o tratamento de saúde dela somaram R$ 1,9 milhão.
Reembolso e plano de saúde
A Câmara afirmou ao blog que os parlamentares podem solicitar o ressarcimento de despesas médico-hospitalares e odontológicas se as despesas tiverem ocorrido durante o do mandato parlamentar, ainda que apresentadas posteriormente. As regras estão previstas em atos da Mesa Diretora. O benefício não é extensivo a dependentes nem a ex-deputados.
Os deputados também podem se associar ao programa de assistência à saúde da Câmara dos Deputados (Pró-Saúde), o mesmo oferecido aos servidores da Casa, mediante contribuição mensal e quota-participação de 25% sobre o valor de toda despesa médica realizada, de acordo com a tabela adotada pelo convênio.
O Pró-Saúde é extensivo aos dependentes legais, de acordo com as regras da casa. Os ex-deputados podem continuar participando do programa mediante pagamento mensal de R$ 3.187, que suporte todas as despesas do grupo.
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