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Pensões de ex-deputados custaram R$ 3,7 bilhões à Câmara desde fevereiro de 1999, data em que foi extinto o Instituto de Previdência dos Congressistas (IPC). Foram pagos R$ 2,5 bilhões a parlamentares aposentados e R$ 1,2 bilhão a dependentes dos deputados falecidos. Na lista dos aposentados estão ex-deputados famosos como José Dirceu (PT-SP), Roberto Jefferson (PTB-SP), Geddel Vieira Lima (MDB-BA), Valdemar Costa Neto (PL-SP) e Jair Bolsonaro (PL-RJ).
Os dados foram obtidos pelo blog por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI). A Câmara enviou planilha com “os valores pagos mensalmente aos aposentados e pensionistas do extinto IPC”. Os valores foram atualizados, mês a mês, pela inflação do período. Em valores nominais, foram pagos R$ 1,3 bilhão aos deputados aposentados e R$ 670 milhões aos pensionistas – num total de R$ 1,95 bilhão em pensões.
O IPC foi extinto porque era deficitário, subsidiado com recursos públicos, e não teria como pagar futuras pensões. O instituto era generoso: permitia aposentadoria a partir de 8 anos de mandato e idade mínima de 50 anos. O IPC precisaria de R$ 522 milhões para honrar as pensões já concedidas, mas contava com reservas de apenas R$ 138 milhões. E ainda viriam novas aposentadorias, que consumiriam mais R$ 135 milhões, tudo pelos valores da época. Um rombo de R$ 520 milhões – ou R$ 2,3 bilhões em valores atualizados.
Deputados e senadores tiveram, então, uma ideia brilhante, para os seus interesses. A lei que extinguiu o instituto – uma entidade de direito privado – transferiu para União a responsabilidade de pagar as pensões já concedidas e a conceder. Foi criado ainda o Plano de Seguridade Social dos Congressistas (PSSC) para atender aos novos e antigos parlamentares filiados. A Câmara paga hoje 423 aposentadorias de deputados aposentados e 494 pensões de dependentes, com uma folha de pagamento mensal de R$ 9,5 milhões. O teto de R$ 41.632,92 é pago a 14 ex-deputados. Reportagem do blog mostrou que 20 deputados e senadores se aposentaram em 2023.
Em 24 anos, as pensões custaram R$ 3,7 bilhões para a Câmara – bem mais do que era esperado. Em média, foram R$ 13 milhões por mês. Os maiores valores ocorreram em 2011 e 2012 – média de R$ 17,5 milhões por mês em valores atualizados. A menor média mensal ocorreu no ano passado – R$ 9 milhões por mês – o que indica uma tendência de redução gradual na despesa. O reajuste das aposentadorias e pensões acompanha o reajuste do salário dos deputados e senadores.
Quanto custam as pensões de condenados
Entre os deputados aposentados está Roberto Jefferson (PTB-RJ). Ele foi o primeiro político a denunciar o “Mensalão” – esquema de compra de apoio de parlamentares – em 2005, no primeiro governo Lula. Jefferson foi condenado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro e cassado pela Câmara. Em agosto de 2021, foi novamente preso no inquérito dos “atos antidemocráticos”. Em outubro do ano passado, em prisão domiciliar, ofendeu a presidente do STF, Rosa Weber. Reagiu ao cumprimento de um mandado de prisão com 20 tiros de fuzil e o lançamento de duas granadas em policiais federais. Indiciado por tentativa de homicídio, está preso. Recebe hoje da Câmara aposentadoria de R$ 28,798.
Ex-ministro de Integração Nacional no segundo governo de Lula, de 2007 a 2010, o ex-deputado Geddel Vieira Lima foi preso em 2017 após a apreensão de R$ 51 milhões em dinheiro vivo em malas guardadas num apartamento. Foi condenado a 14 anos de prisão em regime fechado. Porém, em fevereiro do ano passado, o ministro do STF Edson Fachin concedeu a liberdade condicional ao ex-ministro. Recebe da Câmara aposentadoria de R$ 25 mil.
Valdemar Costa Neto, presidente nacional do PL, foi condenado a sete anos e dez meses de prisão no escândalo do “Mensalão” em 2013. Renunciou ao mandato na Câmara após a condenação por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Cumpriu parte da pena. Após indulto presidencial, em 2016, o Supremo julgou extinta a sua pena. Costa Neto recebe pensão da Câmara no valor de R$ 26,3 mil.
As pensões dos petistas do "Mensalão"
O ex-deputado José Dirceu (PT-SP), ministro da Casa Civil no primeiro governo Lula, foi condenado por corrupção ativa no caso “Mensalão", mas ficou menos de um ano preso. Em 2015, foi preso no escândalo do “Petrolão” – pagamento de propina a partidos políticos por empreiteiras que superfaturavam obras para a Petrobras. No ano seguinte, foi condenado a 23 anos de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Em 2017, foi condenado a mais 11 anos. As suas penas somam 31 anos. Hoje, está em liberdade, com pensão de R$ 11,9 mil paga pela Câmara.
José Genoino (PT-SP), presidente do PT no período do “Mensalão”, foi denunciado em 2005 pelo crime de corrupção ativa e cumpriu pena de prisão em regime semiaberto a partir de dezembro de 2012. Em dezembro de 2014, a sua pena foi extinta pelo Supremo com o indulto natalino decretado pela presidente Dilma Rousseff. Ele recebe pensão de R$ 31,2 mil da Câmara.
João Paulo Cunha (PT-SP) foi presidente da Câmara no período do “Mensalão”. Foi condenado a nove anos de prisão pelos crimes de corrupção passiva, peculato e lavagem de dinheiro. Ele recebeu R$ 50 mil, dinheiro que foi sacado pela sua esposa em agência do Banco Rural. Hoje, recebe da Câmara pensão de R$ 30,9 mil.
No caso da aposentadoria dos parlamentares, assim como no Regime Geral da Previdência e também no regime dos servidores públicos, não há previsão legal de perda do benefício em caso de condenação em ação criminal ou civil ou de prisão. A Câmara informou ao blog que “todos os deputados na situação mencionada alcançaram o direito ao benefício por terem atingido os pré-requisitos assegurados pela Lei n. 9.506/1997. Entre os efeitos da condenação penal, determinados legalmente, não consta a perda do direito a benefícios previdenciários”.
Acúmulo de pensões a salários
O ex-presidente Jair Bolsonaro, com dois mandatos de deputado federal durante a existência do IPC e cinco no período do PSSC, aposentou-se no final do ano passado. Ele recebe pensão de R$ 37,3 mil. Averbou (aproveitou) dois anos como vereador do Rio de Janeiro. Bolsonaro tem direito também à aposentadoria de R$ 11,9 mil como militar reformado do Exército no cargo de capitão. E contará com salário de R$ 41,6 mil como presidente de honra do Partido Liberal. Uma renda total de R$ 91 mil.
Três ministros aposentados do Tribunal de Contas da União (TCU) e um ministro ativo acumulam pensões. O ex-ministro José Múcio Monteiro recebe aposentadoria de R$ 42 mil do TCU e pensão de R$ 20,3 mil da Câmara. Como ministro da Defesa do atual governo Lula, tem salário de R$ 39,3 mil. Recebe um total de R$ 101 mil bruto. Mas ele sofre um redutor constitucional (abate-teto) de R$ 13,6 mil na pensão da Câmara, restando R$ 6,3 mil líquido. Somando todos os descontos, a renda líquida das três fontes de renda é de R$ 63,6 mil.
O Ministério da Defesa afirmou ao blog que "os rendimentos do ministro estão dentro da legalidade, não havendo nenhuma irregularidade". Questionado pelo blog, o ministro Múcio afirmou: "Os meus rendimentos são todos absolutamente legais". Ele destacou que a sua renda líquida fica bem abaixo do bruto porque sofre um abate-teto que corta dois terços da sua aposentadoria pelo IPC. E lembrou ainda que o salário de ministro é provisório.
A Portaria 4.975 do Ministério da Economia, publicada em 30 de abril de 2021, no governo Bolsonaro, permitiu o acúmulo de rendas com base em decisões do STF e do TCU. O cálculo do teto constitucional passou a incidir isoladamente sobre cada um dos vínculos, nas hipóteses de acumulação admitidas constitucionalmente. Assim, nas hipóteses de acumulação entre vínculo de aposentado ou militar na inatividade com cargo em comissão ou cargo eletivo, o limite remuneratório incide isoladamente em relação a cada um dos vínculos.
O ministro aposentado Humberto Souto, ex-líder do governo Collor, recebe pensão de 34,4 mil da Câmara e aposentadoria de R$ 37,3 mil do TCU. O ministro aposentado José Jorge, recebe aposentadoria de R4 37,3 mil do TCU e pensão de R$ 14,9 mil da Câmara. O ministro Augusto Nardes tem salário de R$ 37,3 mil pelo TCU e pensão de R$ 18 mil como ex-deputado. Reportagem do blog mostrou que há acúmulo de pensões e salários também entre senadores aposentados.
Conforme o Acórdão do TCU 3632/2013, "os benefícios oriundos do extinto IPC estão excluídos da incidência do art. 37, inciso XI, da Constituição [que prevê o teto remuneratório do serviço público]. A decisão do TCU foi tomada com base em resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que exclui da incidência do teto remuneratório "os benefícios percebidos de planos de previdência instituídos por entidades fechadas, ainda que extintas".