O presidente Jair Bolsonaro tem insistido em abrir a caixa-preta do BNDES, mas mantém em segredo mais de dois terços das informações sobre gastos com cartões corporativos do governo federal, num total de R$ 13,5 milhões, seguindo práticas de administrações anteriores. O volume total de gastos do governo caiu 9% no primeiro semestre comparado com o governo Michel Temer. Mas as despesas da Presidência da República aumentaram 15% em 2019, sendo que 98% delas são protegidas por sigilo.
O cartão de pagamento do governo federal, similar ao cartão de crédito, foi criado para atender a despesas eventuais de pequeno valor, inclusive em viagens, que exigem pronto pagamento, e também compras em caráter sigiloso. No primeiro semestre deste ano foram registrados pagamentos sigilosos que chegaram a R$ 79 mil, por exemplo, na Secretaria de Administração da Presidência da República. O blog abriu os dados disponíveis no Portal da Transparência para mostrar, pelo menos, o que está sendo escondido.
Na prática, os cartões de pagamento podem comprar quase tudo, como material para construção, combustível, passagens aéreas, produtos em supermercados, padarias, açougues, medicamentos, material impresso, e até pagar refeições em restaurantes.
A caixa-preta do governo tem diferentes formas. No caso das informações protegidas por sigilo, há o nome da unidade gestora e o valor da compra, mas não há o nome do portador do cartão, do favorecido e nem a data da operação. Essas compras somaram R$ 10,56 milhões nos primeiros seis meses do ano, o que representa 54% do total de gastos do governo federal – R$ 19,46 milhões.
A maior parte foi consumida pela Polícia Federal, um total de R$ 4,34 milhões. Foram 5,2 mil pagamentos com média de R$ 825. Mas alguns deles chegaram a R$ 5mil, R$ 8 mil e até R$ 27,8 mil. A verba foi distribuída entre as superintendências regionais e a coordenação de administração.
Sigilo sobre despesas do presidente com o cartão
A Presidência da República gastou de forma sigilosa R$ 5,8 milhões, distribuídos em três unidades gestoras, o equivalente a 98% do total de gastos no primeiro semestre deste ano. A Agência Brasileira de Inteligência (Abin) consumiu R$ 2,1 milhões, incluindo 20 pagamentos no valor de R$ 20 mil. Mas a maior despesa global no Planalto foi feita pela Secretaria de Administração – R$ 3,2 milhões. A média ficou em R$ 2,3 mil, mas há pagamentos de R$ 59 mil, R$ 68 mil e R$ 79 mil. Essa unidade cuida, inclusive, das despesas com o presidente da República. O sigilo é mantido por questões de segurança. Estão abertos apenas 130 pagamentos, no valor total de R$ 35 mil.
O Gabinete de Segurança Institucional (GSI) tem 100% dos dados em sigilo, num total de R$ 534 mil. Alguns pagamentos chegam a R$ 20 mil e R$ 30 mil. Há ainda despesas em sigilo da Polícia Civil do Distrito Federal, por meio do Fundo Constitucional do DF, no valor de 63,4 mil; e da Secretaria da Receita Federal, no total de R$ 63,4 mil.
O cartão corporativo permite ainda saques em dinheiro, utilizados principalmente em localidades que não contam com a cobertura de redes de cartões de crédito ou débito. Na prestação de contas, há o nome do portador, o valor e a data do saque, mas não há identificação do favorecido. Essa modalidade já consumiu R$ 1,74 milhão neste ano em 4,8 mil saques, a maior parte pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), na realização de pesquisas nos municípios.
Uma terceira modalidade pode ser resultado de fatos imprevisíveis ou simplesmente do “jeitinho brasileiro”. Em compras realizadas com o cartão, no item “nome do favorecido” está registrado: “sem informação”. Isso ocorreu em 4,9 mil casos, no valor total de R$ 1,17 milhão. As três modalidades que escondem o nome do favorecido, entre outros dados, somam R$ 13,5 milhões, ou 69% do total de gastos com cartões.
Maiores gastos individuais do governo com cartão corporativo
Redução de gastos? Mais ou menos
O valor total de gastos com cartões corporativos caiu de R$ 21,4 milhões no primeiro semestre de 2018 (em valores atualizados) para R$ 19,4 milhões neste ano. Mas os números às vezes enganam. Ocorre que, entre julho de 2017 e junho de 2018, o IBGE foi a campo para realizar a Pesquisa de Orçamentos Familiares em 60 mil domicílios, o que acontece a cada cinco anos. Até junho de 2018, os gastos do instituto com cartões corporativos somaram R$ 4,2 milhões.
Em 2019, as despesas do IBGE estão em R$ 1,68 milhão, cerca de R$ 2,5 milhões a menos do que no ano passado. Sem esse gasto extra, a soma das despesas no primeiro semestre de 2018 fica em R$ 18,8 milhões. Menos do que foi gasto nesse início pelo governo Bolsonaro.
Mas a economia é grande quando a comparação é com o governo Dilma Rousseff (PT). No último ano completo da presidente que sofreu impeachment, as despesas com cartões corporativos alcançaram R$ 26 milhões (em valores atualizados) até o mês de junho – 25% a mais do que no atual governo.
Em termos de transparência nas informações, a situação é a mesma. Os R$ 17,7 milhões pagos de forma sigilosa, com saques ou sem informação do favorecido representaram 68% do total das despesas com cartões no primeiro semestre de 2015.
Ministérios que mais usaram o cartão corporativo
Entre os ministérios, os que mais fizeram compras com cartões corporativos foram a Justiça, com R$ 4,6 milhões; e a Economia, com R$ 2,73 milhões. Nesses casos, as despesas foram alavancadas pela Polícia Federal, que sempre realiza operações especiais; e pelo IBGE, com as suas pesquisas. O Ministério da Educação gastou R$ 1,9 milhão, sendo R$ 956 mil por meio das universidades. O Ministério da Defesa fez compras no valor total de R$ 1,3 milhão.
O IBGE afirmou ao blog que realiza, anualmente, cerca de 50 diferentes pesquisas, visitando domicílios, empresas, estabelecimentos agropecuários, prefeituras e outros órgãos administrativos em todo o país. “Temos 27 unidades estaduais e 570 agências, captando informações referentes aos 5.570 municípios brasileiros. Atuamos em áreas urbanas e rurais, muitas vezes com significativa dificuldade de acesso”.
O instituto justificou a prática dos saques. “Toda essa rotina implica em eventuais despesas de pequeno valor, principalmente para o deslocamento e alimentação de nossas equipes de coleta, sempre obedecendo à legislação em vigor. Algumas dessas despesas precisam ser pagas em dinheiro, pois nem todas as localidades visitadas contam com a cobertura de redes de cartões de crédito ou débito”. As despesas são supervisionadas pelas chefias das unidades estaduais e pela administração central, além dos órgãos externos de controladoria do governo federal.