Sindicância aberta pela Corregedoria-Geral do Tribunal de Justiça do Paraná investiga acusação de que a juíza Gisele Ribeiro desrespeitava, humilhava, xingava e ameaçava servidores com abertura de processo disciplinar, colocação em disponibilidade ou cassação de férias. Gravação ambiental traz trechos com ameaças e palavrões impublicáveis: “Eu vou chutar essa guria”; “a filha da p... que não sabe enxergar m... nenhuma”.
A investigação foi concluída no Paraná e está agora nas mãos do corregedor nacional de Justiça, ministro Humberto Martins. Ele poderá tomar uma decisão individual ou enviar o caso ao plenário do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). O processo foi suspenso por 60 dias no final de março para que a Corregedoria do Paraná pudesse fazer uma apuração minuciosa dos fatos e analisasse a validade dos áudios obtidos por meio de gravação de conversação telefônica.
A juíza investigada tentou retirar do processo os áudios apresentados pelos servidores, o que foi negado pela corregedoria. Nesses dois meses, foram colhidos depoimentos de nove servidores. No dia 30 de maio, o processo foi enviado ao ministro Humberto Martins.
“Esse servidor é um burro”
O blog teve acesso ao relatório enviado ao CNJ pela Corregedoria do Paraná. Segundo o documento, “observam-se relatos de que a magistrada insinuava a incompetência de alguns dos servidores para outros ali lotados. Nos casos em que era procurada para o saneamento de dúvidas sobre o cumprimento dos atos jurisdicionais, proferia ofensas, aos gritos, utilizando-se de expressões como “tinha que desenhar tudo”; “parece que você tem paralisia cerebral”; ou “esse servidor é um burro”.
“Corroborando esses relatos, há arquivo de áudio, obtido, ao que tudo indica, a partir de gravação ambiental”, diz o documento. Num trecho, a juíza reclama de certidão lavrada por servidora, chamando-a de incompetente para outros servidores e utilizando palavreado “não compatível com o decoro do cargo”, como, por exemplo: “eu vou chutar essa guria”; “essa guria não enxerga p... nenhuma”.
Não foram casos isolados, relata a Corregedoria: “Ainda em violação aos deveres de serenidade, urbanidade, decoro e cortesia, descrevem os servidores que a reclamada, em audiências realizadas nos dias 28 de julho de 2015 e 5 de junho de 2018, gritou com servidora com raiva e de maneira desrespeitosa, gerando sentimento de humilhação”. Em setembro de 2016, Gisele Ribeiro teria agido de forma semelhante com um servidor que deixou a sala de audiências para, por determinação dela, digitalizar alguns documentos. A magistrada, “com dedo em riste, aos gritos”, advertiu o servidor de que ele não poderia se ausentar do recinto daquela forma.
“Escrava branca” e “bando de porcos”
Há relatos, de que, durante uma reunião, a magistrada teria se referido a uma servidora, diante de outros servidores, como sua “escrava branca”. “Não obstante a magistrada assevere que, no aspecto subjetivo, pretendia ressaltar o valoroso labor da servidora, objetivamente o emprego de expressão que remete à escravatura, fato valorado não apenas juridicamente, mas também socialmente, como altamente negativo, indica conduta que também implica transgressão dos deveres acima explicitados”, registra o documento.
Há, ainda, indícios de que a juíza dirigiu à mesma servidora gritos, agressões verbais, humilhações e críticas. “As declarações, neste caso, são respaldas por gravação ambiental. Durante a conversa, aos gritos, a juíza proferiu frases como: ‘eles são um bando de filhos da p.... Você não tá entendendo? Confiou, f... (...) Daria pra confiar se eu fosse bem vagabunda, ‘trepadeira’. Como eu não sou assim, nós ‘se f...’”.
Há também relatos de que Gisele tecia, aos servidores, comentários depreciativos e palavras ofensivas a advogados, previamente ao atendimento. Ao receber a informação de que um advogado a procurava, ela proferia expressões como: “o que essa gentinha quer? São um bando de porcos”; e “manda entrar essa gentalha”.
A juíza também teria determinado que houvesse prejuízo na tramitação processual daqueles que a procuravam. Segundo os relatos, por vezes, após atender aos advogados, a magistrada ordenava que o processo ficasse “no fim da fila” ou aguardasse até 100 dias para ser analisado. “Conforme se extrai de arquivo de áudio, que retrata gravação ambiental de conversação, em determinada ocasião a reclamada passou até mesmo a ridicularizar a aparência física do advogado e a afirmar que teria vontade de desferir contra ele uma facada”.
A Corregedoria Nacional acrescenta que, além das condutas narradas, a magistrada teria admitido fazer um “gerenciamento na condução dos processos”, o que demandaria apuração da existência de indevida limitação das conclusões, gerando "artificialmente" a percepção de que a produção da magistrada estava compatível com os processos que aguardavam despachos e decisões.
A dignidade, a honra e o decoro
A Corregedoria do Paraná destacou que, em relação à cortesia, prescreve o art. 22 do Código de Ética da Magistratura: “O magistrado tem o dever de cortesia para com os colegas, os membros do Ministério Público, os advogados, os servidores, as partes, as testemunhas e todos quantos se relacionem com a administração da Justiça. Parágrafo único. Impõe-se ao magistrado a utilização de linguagem escorreita, polida, respeitosa e compreensível”.
Em relação à dignidade, honra e decoro, por sua vez, o art. 37 preceitua: “Ao magistrado é vedado procedimento incompatível com a dignidade, a honra e o decoro de suas funções”. A corregedoria concluiu que, dos elementos informativos em análise, “constatam-se indícios da prática de atos contrários às normas extraídas dos textos normativos acima referidos”.
As punições possíveis num caso como esse estão previstas na Lei Orgânica da Magistratura: advertência, censura, remoção compulsória, disponibilidade com vencimentos proporcionais ao tempo de serviço, aposentadoria compulsória com vencimentos proporcionais ao tempo de serviço e demissão.
Questionada pelo blog sobre a sindicância e as acusações feitas pelos servidores, a juíza Gisele Ribeiro respondeu: “a Corregedoria-Geral do Tribunal de Justiça do Paraná determinou que o processo de sindicância tramitasse sob sigilo. Assim, em cumprimento a esta decisão, não me manifestarei sobre o seu conteúdo. Tenho confiança de que a apuração dos fatos demonstrará que não houve a prática de qualquer falta funcional”.
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