Hoje defensor do corte de privilégios no serviço público, o presidente Jair Bolsonaro aproveitou muito as regalias de deputado federal. Entre 1995 e 2018, recebeu R$ 1,8 milhão em salários extras, oficialmente chamados de ‘ajudas de custo’, e mais R$ 2,4 milhões em auxílio-moradia. Um total de R$ 4,2 milhões em valores atualizados pela inflação. Bolsonaro chegou a receber seis ajudas de custo em 1996 e em 1997, sem contar o 13º salário. Em 24 anos, recebeu 62 salários extras.
O levantamento foi feito pela Câmara dos Deputados, a pedido do blog, por meio da Lei de Acesso à Informação. Bolsonaro ainda gastou R$ 4 milhões (valor corrigido) nos últimos dez anos com despesas como divulgação do mandato, passagens aéreas, locação de veículos, impressão de informativos, serviços postais, segundo pesquisa feita pelo blog mês a mês.
As ajudas de custo são regulamentadas por decretos legislativos aprovados pela Câmara e Senado, sem passar por sansão presidencial. O Decreto Legislativo 7/1995 previa o pagamento do benefício no início e no final da sessão legislativa ordinária (anual) e também das sessões extraordinárias. Ou seja, para comparecer às convocações extraordinárias do Congresso Nacional, durante apenas um mês – ou menos –, em janeiro ou julho, os deputados e senadores recebiam dois salários extras.
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A ajuda de custo deveria cobrir despesas com transporte e outras “imprescindíveis ao comparecimento à sessão”. Mas os deputados já recebiam quatro passagens áreas por mês para se deslocar aos seus estados.
Em 1996 e 1997, o Congresso foi convocado em janeiro e julho para votar a reforma da Previdência e outros temas urgentes como as reformas administrativa e tributária. Cada convocação extraordinária rendeu duas ajudas de custo – quatro por ano. Naqueles dois anos, Bolsonaro e os demais deputados receberam cerca de R$ 190 mil em salários extras, em valores atualizados. Entre 1998 e 2004, com a redução do número de convocações extraordinárias, os pagamentos extras caíram para uma média de R$ 100 mil por ano.
Renúncia a mordomias
Bolsonaro pode alegar que as regalias eram previstas em lei e pagas a todos os parlamentares. Mas foram criadas pelos próprios parlamentares que seriam beneficiados, e houve muitos casos de renúncia a essa verba extra.
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Em janeiro de 2004, 13 dos 513 deputados devolveram a primeira parcela dos R$ 25,4 mil – cerca de R$ 58 mil hoje – que receberiam pelos 20 dias de trabalho durante a convocação extraordinária. Os 13 deputados eram do PT, partido que dizia defender a bandeira da ética na política. O “mensalão”, descoberto no ano seguinte, mostrou que o partido comprou o apoio de parlamentares com malas de dinheiro.
O declínio das mordomias começou em 18 de janeiro de 2006, quando novo decreto legislativo manteve as ajudas de custo no início e no final do ano, no valor do salário, mas extinguiu o pagamento nas convocações extraordinárias. Naquele ano, também houve a redução do período anual de recesso de 90 para 55 dias.
Surgiu também naquele mês uma nova forma de fazer política: 103 deputados abriram mão da ajuda de custo ou doaram a verba para entidades assistenciais. Ou seja, fizeram caridade com dinheiro do contribuinte. Mas o pagamento do salário extra acabou vetado pela Justiça, com base no decreto legislativo editado naquele mês.
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Em 14 de fevereiro, a Emenda Constitucional 50 ratificou a decisão e proibiu de vez qualquer indenização a parlamentares por convocação extraordinária. Em junho, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região decidiu que a convocação de janeiro deveria ser “indenizada”, porque o decreto legislativo em vigor na época estaria em desacordo com a Constituição. O dinheiro caiu na conta dos deputados e senadores em junho. De 2017 a 2012, Bolsonaro e demais deputados receberam dois salários extras por ano, além do 13º salário.
Auxílio-mudança sem mudança
Outra mudança significativa resultou do Decreto Legislativo 210/2013, que extinguiu os salários extras anuais, mantendo a ajuda de custo no início e no final do mandato, ou seja, a cada quatro anos. O decreto especifica que a verba é destinada a compensar as despesas com “mudança e transporte”. O benefício passou a ser chamado de “auxílio-mudança”.
Mas o benefício continuou a ser contestado, por dois motivos. Primeiro, porque os deputados e senadores já contam com passagens aéreas para seus estados pagas pela Câmara e pelo Senado. Segundo, porque eles moram em apartamentos funcionais, que recebem mobiliados, ou ficam hospedados em hotéis e recebem auxílio-moradia. Isso significa que não fazem mudança, salvo algumas exceções.
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A despesa caiu bastante, ficando em cerca de R$ 20 milhões no início e R$ 20 milhões no final do mandato. No início do atual mandato, 34 deputados não receberam ou devolveram a ajuda de custo de início de mandato. No final da legislatura 2015/2019, apenas 15 não receberam o benefício relativo ao final do mandato.
No Senado, sete senadores renunciaram ao auxílio-mudança do final do mandato 2015/2019: Eunício Oliveira (MDB-CE),Gleisi Hoffmann (PT-PR), Randolfe Rodrigues (Rede-AP), Paulo Paim (PT-RS), Humberto Costa (PT-PE), Ana Amélia Lemos (PP-RS) e Eduardo Braga (MDB-AM). No início do atual mandato, 21 senadores renunciaram à ajuda de custo, entre eles Esperidião Amin (PP-SC), Flávio Arns (Rede-PR), Oriovisto Guimarães (Pode-PR) e Major Olímpio (PSL-SP).
Bolsonaro mamou a mordomia até a última gota. No final de dezembro de 2018, mudou-se do apartamento funcional onde morava, na Asa Sul, para a residência oficial da Presidência da República. A mudança certamente não custou os R$ 33,6 mil que recebeu. O auxílio-mudança caiu na sua conta no dia 28 de dezembro. Naquele mês, recebeu um total de R$ 84,3 mil, incluindo salário e parte do 13º.
Auxílio-moradia com casa própria
O deputado Jair Bolsonaro recebeu um total de 271 parcelas de auxílio-moradia durante 22 anos e meio. São R$ 864 mil em valores nominais, ou R$ 2,35 milhões atualizados pela inflação. Ele recebeu a última parcela em abril do ano passado, quando optou por morar em apartamento funcional.
Em janeiro de 2018, a Folha de S. Paulo descobriu que Bolsonaro recebia auxílio-moradia mesmo tendo apartamento próprio em Brasília desde janeiro de 2001. Considerando os pagamentos feitos ao deputado pelo auxílio-moradia desde aquela data, são R$ 689 mil em valores nominais, ou R$ 1,69 milhão em valores atualizados.
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O blog enviou mensagem à Presidência da República informando o conteúdo da reportagem e encaminhando os seguintes questionamentos:
1) O deputado Jair Bolsonaro, em algum momento, renunciou a esses pagamentos?
2) As ajudas de custo visavam a cobertura de despesas com transportes e outras “imprescindíveis para o comparecimento às sessões”. Quais seriam as outras despesas “imprescindíveis”?
3) O presidente, que hoje promete cortar privilégios no serviço público, considera correto receber “ajudas de custo” que se enquadravam mais como “salários extras”?
4) O presidente recebeu parte da verba de auxílio-moradia quando ocupava imóvel próprio em Brasília. O presidente considera correto esse procedimento?
A resposta enviada pela Presidência: “O Planalto não vai se pronunciar”.
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