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O déficit acumulado da Previdência do Estado de São Paulo foi de R$ 300 bilhões de 2007 a 2021, em valores atualizados. O pior é que o rombo vai continuar crescendo até 2050, quando começará a diminuir, até retornar à situação atual. O déficit é coberto pelo governo estadual, com dinheiro do contribuinte. Supersalários dos servidores geraram aposentadorias que chegam a R$ 100 mil, algumas pagas atualmente por decisões judiciais.
O principal motivo para tamanho rombo previdenciário é que o estado de São Paulo só começou a cobrar contribuição a partir de janeiro de 2004. Até dezembro de 2003, o estado só cobrava dos servidores para garantir as pensões dos seus dependentes. O motivo foi informado ao blog pelo diretor-presidente da São Paulo Previdência (SPPREV), José Roberto de Moraes. Criada em 2007, a SPPREV reúne a previdência dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.
“O estado considerava que a aposentadoria do servidor era uma mera continuidade do pagamento pelo seu trabalho. Tanto é que, naquela ocasião, quando o servidor entrava, o cálculo que a Secretaria de Fazenda fazia era de 60 anos de despesa para o estado. Só em 2003 que o estado acordou para cobrar. Mas temos aí anos e anos de atraso”, comentou Moraes. Era o primeiro governo de Geraldo Alckmin (PSDB). Mas a previdência unificada foi criada no governo de José Serra (PSDB). Antes, o estado foi governado por Mário Covas (PSDB), Orestes Quércia (PMDB), Franco Montoro (PMDB) e Paulo Maluf (PDS), entre outros. O governo de São Paulo está sob o domínio dos tucanos desde janeiro de 1995.
O blog questionou desde quando vem esse déficit. “Isso só foi descoberto quando foi criada a contribuição para a aposentadoria e quando se criou a SPPREV, porque ela unificou todas as aposentadorias. Ninguém tinha uma ideia de quanto era a despesa. Entrava do rol de despesa de pessoal e ficava por isso. A SPPREV entrou em funcionamento em 2008. A partir dali, quando se reuniu todas as aposentadorias, foi possível ver quanto a gente arrecada, quanto tem que pagar”, afirma Moraes.
“Agora, a tendência é crescer”
No ano da sua criação, a SPPREV teve um déficit de R$ 15 bilhões. O rombo anual foi crescendo aos poucos, até chegar a R$ 21 bilhões em 2012 (todos os valores foram atualizados pela inflação). Em 2020, o déficit bateu no pico – R$ 31 bilhões. No ano passado, caiu para R$ 17 bilhões. Para 2022, a insuficiência financeira projetada no início do ano variava entre R$ 19 bilhões a R$ 21,5 bilhões.
Em 2013, no segundo governo Alckmin, o estado já havia criado a sua previdência complementar. Quem entrou no serviço público estadual depois de 2013, só receberá o benefício previdenciário até o teto do regime geral da Previdência – R$ 7 mil. Para receber mais, terá que contribuir para a previdência complementar.
As previsões não são muito precisas. “Você pergunta se é possível projetar esse déficit. Não tem como. Nós temos o cálculo atuarial até 75 anos depois de agora. E até lá o déficit continua. Agora, a tendência é só crescer. A partir de 2050, começa a decrescer, voltando aos dias de hoje, talvez até um pouco menos”, prevê Moraes.
Mas quem paga essa conta? A Lei Complementar 1.010/2007, que criou a SPPREV, deixa claro: o Estado de São Paulo é responsável pela cobertura de eventuais “insuficiências financeiras” decorrentes do pagamento de benefícios previdenciários. “Entende-se por insuficiência financeira a diferença entre o valor da folha de pagamento dos benefícios previdenciários e o valor total das contribuições previdenciárias dos servidores”.
O blog já havia revelado que a Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) banca um déficit previdenciário que somou R$ 2,2 bilhões de 2007 a 2021. Só no ano passado foram R$ 134 milhões – quase 20% do orçamento do Legislativo estadual. Mas quem paga tudo isso é o governo do Estado de São Paulo - com os impostos pagos pelo contribuinte.
Justiça assegura pensões de marajás
A SPPREV administra hoje 360 mil aposentadorias e 109 mil pensões. Nos casos de pensão, é contabilizado o número de “legadores” – servidores que deixam a pensão. Ou seja, se um servidor deixou pensão a quatro dependentes, por exemplo, contará apenas como um benefício, que será dividido por quatro pessoas.
Há dois tetos salariais no governo do estado. Um de R$ 35.462,22, para procuradores; e outro de R$ 23.040,59 – o salário do governador – para as demais carreiras. Levantamento pelo blog mostra que o governo tem 8.339 aposentados e 2.265 pensionistas com renda bruta acima de R$ 23 mil. Desse total, 3.221 aposentados e 377 pensionistas têm renda acima do teto de R$ 35,4 mil.
Algumas aposentadorias superam os R$ 100 mil. Há beneficiários que sofrem abate-teto, outros mantêm a renda total por decisão da Justiça. A procuradora Lilia Toledo Valle, por exemplo, teve remuneração de R$ 124 mil no último pagamento, com total líquido de R$ 79 mil. O procurador José Afonso da Silva teve renda do mês de R$ 121 mil, mais R$ 60 mil de 13º salário, com total líquido de R$ 125 mil.
O coronel da Polícia Militar Amauri de Araújo teve renda bruta de R$ 104 mil, redutor salarial de R$ 47 mil e renda líquida de R$ 37 mil. O procurador Armando de Oliveira Pimentel teve remuneração bruta de R$ 145 mil, redutor salarial de R$ 110 mil e renda líquida de R$ 30,7 mil. O procurador Carlos Lencastre teve renda total de R$ 137 mil, redutor de R$ 101 mil e renda líquida de 29,6 mil.
Alguns pensionistas ainda recebem fartos benefícios. A remuneração bruta da pensionista Olga Mello de Oliveira chegou a 76 mil, com 41,5 líquido. Vilma Folador Silva recebeu um total de R$ 73 mil, com R$ 42 mil líquido. Mas caiu mais dinheiro na conta de Mariana Rodrigues Costa. Foram R$ 67 de renda bruta, com R$ 57 mil líquido. Maria da Penha Maisano teve renda total de R$ 65 mil e líquida de R$ 55 mil.
Acúmulo de vantagens
O presidente da SPPREV foi questionado como surgiram esses salários elevados. “Isso são vantagens que foram recebendo ao longo do tempo. A constituição do estado tinha um artigo, que foi revogado agora, que dizia que o servidor que exercia chefia, incorporava a seus vencimentos o valor que ele recebia à razão de 1 décimo por ano. Ou seja, em 10 anos, ele tinha o valor todo incorporado. E isso tudo ia se somando. Resultado, aqueles servidores mais antigos foram acumulando esses valores”, afirmou Moraes.
Mas o presidente destacou que, a partir de janeiro de 2004, “foi implantado o abate-teto e não se pagou mais. Agora, todos os que recebem acima disso, recebem exclusivamente por decisão judicial. Administrativamente, não podemos pagar”. Ele acrescentou que ocorre o mesmo com os coronéis da PM, mas lembrou que, há alguns meses, o Tribunal de Justiça decidiu que, para os militares que dão aulas na Academia de Polícia, o valor que recebem não pode ser incluído no cálculo do teto.