Um prefeito que varre ruas, lava calçadas, visita doentes no hospital, conversa com as pessoas na rua – tudo isso com transmissão pela internet, às vezes ao vivo. A estratégia adotada pelo prefeito de São Paulo, João Doria (PSDB), nas redes sociais levantou polêmica. Seria tudo aquilo real ou apenas um personagem criado por marqueteiros? O fato é que o prefeito paulistano chegou ao topo do Ranking dos Influenciadores Políticos – ferramenta lançada pela Gazeta do Povo que monitora os perfis de políticos nas redes sociais – à frente de ex-presidentes e pré-candidatos ao Palácio do Planalto. Mas os números mostram que a sua audiência começa a ter uma queda.
A estratégia começou meio ao acaso, quando Doria decidiu apresentar sua candidatura às prévias do PSDB. Sem espaço na mídia tradicional, recorreu à internet. Tudo começou em 14 de agosto de 2015, lembra o publicitário Daniel Braga, coordenador das mídias digitais de Doria antes e depois da sua eleição.
“O João não tinha espaço político, não tinha espaço dentro dos cadernos de política. Quando ele foi virar candidato, a mídia não dava nenhuma atenção a ele. A solução foi criar o próprio canal de comunicação nas redes sociais”, afirma Braga, que trata o chefe sempre pelo primeiro nome. O principal foco é a sua página no Facebook.
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O primeiro grande momento aconteceu em março daquele ano, quando Doria foi apresentado como “o não político na política”. Ele era o anti-PT, o anti-Lula. “Aquilo bombou, foi o primeiro grande salto do João”, lembra o publicitário. Cresceu ainda mais na eleição. Depois que ele assumiu a prefeitura, estourou de vez.
Sem palavrões
A página de Doria no Facebook é um mundo à parte das redes sociais – dominada pelos debates intensos, radicais, muitas vezes agressivos. Ele logo avisa: “Prezamos por um diálogo saudável e brando. Assim, nos reservamos o direito de excluir comentários que contenham termos ofensivos, palavrões, agressões ou insultos”. As postagens são acompanhadas por comentários com elogios, cumprimentos, declarações de afeto. E o prefeito responde a grande parte delas, sempre num tom de agradecimento e estímulo.
Dezenas de postagens têm mais de um milhão de visualizações. Durante todo o mês de março, foram 60 milhões, acompanhadas de 6 milhões de curtidas e 1,2 milhão de compartilhamentos. No ranking da Gazeta do Povo, ele aparece na liderança, com 810 mil engajamentos nos sete dias até esta quinta-feira (20), que reúne todas as interações – curtidas, compartilhamentos, comentários e reações. Bateu o pré-candidato a presidente Jair Bolsonaro (PSC), com 510 mil, e o ex-presidente Lula, com 248 mil.
Personagem?
O criador da estratégia de comunicação nega que tenha construído um personagem, mas se atrapalha um pouco com as palavras. “Mostramos o dia dele. Todo o trabalho em cima da comunicação foi em transformar o João… transformar não, em dar vida para aquilo que é o João. É o João trabalhador, ninguém inventou o personagem. Todo mundo que o conhece sabe a sua força de vontade, o empenho, o quanto ele trabalha. O que nós fizemos foi colocar isso nas redes”, afirma Braga. “Nós fizemos um reality life para ele nas redes. Não é um reality show”, complementa.
O coordenador das redes tem os seus meganúmeros: “É muito difícil encontrar um vídeo do João que tenha menos de 300 mil, 400 mil views. E toda semana tem um que bate 4 milhões”. Ele cita um vídeo, postado em março, que bateu 25 milhões de alcance, com 7 milhões de views. O vídeo mostra Dória com um grupo de moradores de rua que foram “reeducados” e contratados pelo McDonald’s. A postagem que registra o prefeito doando o seu primeiro salário teve 24 milhões de alcance. “E tudo é 100% orgânico. Nunca impulsionamos um post”, enfatiza o publicitário.
A equipe e os equipamentos são mínimos. Três pessoas e um iPhone7 Plus. Eles captam as imagens, editam e publicam tudo pelo celular. “Não tem produção, câmera, nada, nada”. E quanto custa tudo isso? “É um contrato que faz jus ao que a gente entrega”, desconversa. Acrescenta que o dinheiro sai do bolso do João pessoa física.
A produção dos textos é dividida entre Doria e a equipe. Mas o prefeito às vezes edita coisas já publicadas. As falas dos vídeos gravados e transmissões ao vivo são todas no improviso. “Não existe um texto escrito para o João. Dá certo porque as pessoas enxergam que não tem nada mecânico, é tudo do jeito dele, espontâneo. Na campanha, utilizamos telepronter para a TV. Nas redes sociais, zero”.
Presidente
Os comentários mostram a aprovação. Em 5 de abril, Zahra Traub registrou na página de Doria: “Ele abraça as pessoas sem nojo sem distância. Ele é um homem riquíssimo e não tem frescura”. O comentário de Eduardo Luiz Moura, em 20 de março, mostra possíveis reflexos dessa superexposição na campanha eleitoral de 2018: “Sou de Recife e estou contando os dias para você virar presidente”.
O professor Paulo Araújo da Cunha, da Faculdade de Comunicação Social da UnB, afirma que tudo isso terá repercussão nas eleições. “Acho que sim. Vai depender do desempenho dele na prefeitura. Ele tem mais recheio do que muitos outros nomes. Não há acusações contra ele.”
Cunha explica o efeito da interação de Doria com os seguidores: “As pessoas não querem apenas ver, querem se ver nas redes. Quando alguém compartilha algo, também entra nesse vídeo”.
Queda de audiência
A Gazeta do Povo fez um levantamento dos acessos à página de Doria no Facebook em março e abril. Os números mostram uma queda na audiência média em torno de 30% de março para abril. A média diária das visualizações de vídeos ficou em 2 milhões em março, contra 1,2 milhão em abril. A média de compartilhamentos caiu de 40 mil para 30 mil no mesmo período.
Questionado sobre essa redução, o professor Cunha comenta: “Há uma certa saturação. A audiência se cansa. Ele está se beneficiando desse vácuo [nas redes sociais]. Mas até quando ele é o novo? Nas redes, tudo rapidamente se torna velho. O que é novo hoje deixa de ser amanhã”. Sobre o estilo do prefeito, ele considera como “uma espécie de messianismo, com tintas atuais. Mas isso vai se desgastando”.
Braga comenta os resultados do levantamento: “É natural. Tem um momento de curiosidade das pessoas. Uma coisa é dizer que o João se vestiu de gari e foi limpar a rua, mas amanhã é a mesma coisa, depois de amanhã é a mesma coisa. Nós não vamos criar um personagem, vai ser a mesma coisa todo dia: o João trabalhando. Então, tem uma tendência natural a dar uma acomodada no crescimento de seguidores”.
Mas o publicitário ressalta que o volume de alcance de Doria permanece o mesmo: “A gente tem um engajamento muito grande. Está em 1,8 milhão a média de envolvimento na semana. Como perfil, ele é o maior do mundo na língua portuguesa no Facebook. O Bolsonaro tem 700 mil, 900 mil por semana”.
Braga afirma, ainda, que a audiência caiu 30% no mundo inteiro a partir da primeira semana de março. “A gente está querendo entender o que está acontecendo, se é o desinteresse. A Folha caiu, o Estado caiu, o G1 caiu. Eu acredito que o Facebook tenha mudado alguma coisa no algorítimo. Vou até ter uma reunião com eles para conversar sobre isso”.
Mas a queda na audiência identificada pelo levantamento da Gazeta ocorreu em abril. Comparando as visualizações de 11 a 31 de março com os primeiros 11 dias de abril, a redução é de 30%. Cai de 1,7 milhão para 1,2 milhão.
O publicitário admite apenas que a audiência estancou, o que exige novas estratégias. “Hoje começamos a produzir um conteúdo diferenciado para cada rede – Instagram, Twitter, WhatsApp. Mas estamos imaginando que está chegando muito perto do limite da cidade de São Paulo. Estamos começando a mudar um pouco a estratégia.”
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