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Lúcio Vaz

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O blog que fiscaliza o gasto público e vigia o poder em Brasília

Terras indígenas

As terras indígenas que serão mais impactadas pela mineração

Mudança na legislação vai elevar o valor do chamado “royalty da mineração”, pago aos municípios. | Agência Vale
Área de mineração. (Foto: Agência Vale)

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A etnia Kayapó tem a maior área indígena destinada à pesquisa para mineração – uma atividade prevista em projeto de lei apresentado ao Congresso pelo presidente Jair Bolsonaro. São 89 mil km² – quase o tamanho do estado de Pernambuco. A segunda maior área reservada, com 38 mil km², é ocupada pelos Yanomani, em Roraima e no Amazonas.

As áreas reservadas para pesquisa atingem três terras indígenas ocupadas pelos Kayapó no estado do Pará, a maior delas – Menkragnoti – com 40 mil km². Há, ainda, áreas para pesquisa mineral que totalizam 39 mil km² nas terras indígenas Baú e Kayapó. A reserva Menkragnoti tem um total de 49 mil km². Isso significa que 80% do seu território estará disponível para pesquisa mineral. No caso dos Yanomani, a reserva total é de 96 mil km². Assim, 40% está reservada para pesquisa.

No caso dos Wayana Apalaí 23 mil km² –  o equivalente ao estado de Sergipe – estão reservados para pesquisa mineral, nas terras Rio Paru e Parque do Tumucumaque, também no Pará. Em todas essas reservas, o minério cobiçado é o ouro. As 20 maiores áreas que serão afetadas somam 230 mil km². (Veja abaixo quadro com as maiores áreas)

Empresas nacionais e estrangeiras contam hoje com 313 mil km² reservados para pesquisa em terras ocupadas por índios. As reservas são registradas na Agência Nacional de Mineração (ANM), mas a pesquisa não pode começar enquanto não acontecer a regulamentação da mineração em terras indígenas, prevista na Constituição federal de 1988.

Só a Mineração Silvana conta área de 69 mil km² reservada para pesquisa. A Vale tem reservas de 21,5 mil km². Entre as estrangeiras, destacam-se a Anglo American, Anglogold Ashanti, Minsur e Kinross.

Terras invadidas

Antes mesmo da regulamentação da mineração em terras indígenas ser aprovada pelo Congresso, aldeias estão sendo invadidas no Pará. No último domingo, o programa Fantástico, da Rede Globo, mostrou operação de combate ao garimpo ilegal, desmatamento e caça ilegal, que acabam levando o coronavirus às aldeias. Foram afetadas as terras Apyterewa, Araweté e Trincheira-Bacajá. Só as terras da etnia Araweté contam com 14 mil km² reservados para pesquisa.

O posseiro Arilson Brandão afirmou na reportagem que pretende ocupar a terra indígena Trincheira-Bacajá: “Com aquela conversa que saiu do governo federal de redução de 5% das áreas indígenas, a gente tá com essa esperança, essa expectativa do governo legalizar o pessoal aqui dentro. Enquanto isso, a gente está ocupando aqui”.

Operações suspensas no Amazonas

Os impactos da mineração nas comunidades indígenas já são estudados no município de Autazes (AM), distante 110 km de Manaus, onde existem mais de 20 terras indígenas. A grande maioria é ocupada pelo povo Mura, habitante das calhas dos rios Madeira, Amazonas e Purus.

A ANM registra dois requerimentos e 14 autorizações de pesquisa em áreas indígenas, num total de 1,1 mil Km², no Amazonas, para a empresa Potássio do Brasil, subsidiária da canadense Brazil Potash Corporation. Entre os investidores da empresa está a canadense Forbes & Manhattan, um banco de investimentos em mineração.

A empresa pretende injetar R$ 2,4 bilhões no Projeto Potássio em Autazes. As pesquisas apontam uma reserva de 450 milhões de toneladas de cloreto de potássio – utilizado na produção de fertilizantes.

Mas as operações foram suspensas pela Justiça Federal a pedido do Ministério Público Federal (MPF), para que as comunidades indígenas e ribeirinhas participem de uma consulta livre, onde devem ser informados sobre os benefícios e possíveis impactos negativos da mineração na região.

Estudos apontam alto impacto

Os procuradores Fernando Soave e Ana Carolina Bragança destacaram no pedido que a leitura no Estudo de Impacto Ambiental do projeto Potássio Autazes “permite compreender por que a atividade é classificada pelo Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam) como de porte ‘excepcional’: o projeto contempla, em sua estrutura, mina, rodovia e um porto para escoamento”.

O MPF argumentou que, nesse cenário, somados aos potenciais impactos negativos sobre a fauna e comunidades aquáticas, “as principais fontes de subsistência das comunidades indígenas da região, caça e pesca, restarão inservíveis em poucos anos”. Os procuradores acrescentam que os impactos sobre o meio socioeconômico constantes do EIA são ainda mais gritantes: aumento da pressão ocupacional, aumento na circulação de veículos leves e pesados e aumento na ocorrência de problemas sociais e de saúde.

Soave e Bragança concluem afirmando que “tais danos sociais têm grande probabilidade de se estender sobre as aldeias próximas, haja vista os impactos gerados por grandes empreendimentos, como a UHE Belo Monte em Altamira (PA), com aumentos drásticos de casos de exploração sexual infantil, indicadores de violência e outros”.

Potássio Brasil responde

A Potássio Brasoç afirma que o projeto em Autazes não contempla mineração em terras indígenas. Essas comunidades estariam a oito quilômetros de distância. Segundo o MPF do Amazonas, a terra indígena Jauary está a 3 km do projeto, enquanto a terra Paracuhuba fica a 6,3 km. Sofreriam, portanto, o impacto das atividades de mineração.

Sobre os 16 processos em áreas coincidentes com terras indígenas, a Potássio do Brasil afirmou que já apresentou à ANM solicitação de “desistência de todos os processos, restando somente quatro processos de pesquisa”.

A mineradora disse que, nos quatro processos mantidos, a autorização foi concedida em 2008. “Em 2012, houve a delimitação de uma terra indígena pela Funai. Como houve investimento em pesquisa mineral (sondagens e estudos técnicos) nestas áreas, neste período, a Potássio pretende manter a titularidade até a conclusão da demarcação destas áreas”.

A Potássio também destacou que possui outros direitos minerários no estado do Amazonas, que não interferem com terras indígenas: “Desses, destacam-se os direitos minerários do Projeto Potássio Autazes, atualmente em fase de consulta ao Povo Indígena Mura e em licenciamento ambiental. A consulta aos povos indígenas deve ser livre, prévia, informada e de boa fé de todos”.

Prova de assédio

Os procuradores do Amazonas também registraram uma “prova desse assédio” sobre comunidades indígenas. Eles foram procurados, em junho de 2017, por sócios da Mineração da Amazônia, Otávio Lacombe e Elton Rohnelt, ex-deputado federal e ex-assessor do então presidente da República Michel Temer. No encontro, os empresários levaram indígenas de comunidades do rio Içana, no Alto Rio Negro, no município de São Gabriel da Cachoeira (AM), região que se estima ser uma das mais ricas em potencial minerário no Amazonas.

Somente em São Gabriel, município predominantemente tomado por terras indígenas, a Mineração da Amazônia possuía 31 requerimentos de autorização de pesquisa. Havia, ainda, outros 21 requerimentos em nome da mineradora Edgar Rohnelt Mineração, da qual Otavio Lacombe também detém expressivo capital social, e de Nestor José Scalabrin, geólogo responsável técnico pelos requerimentos de pesquisa das referidas mineradoras.

O objetivo da mineradora na reunião era apresentar proposta de beneficiamento de tantalita e columbita, minérios raros e de alto valor comercial, que seriam coletados por cata e faiscação pelos indígenas. “Tal arranjo, na verdade, configura uma forma de burla à inviabilidade legal de exploração de minérios em terras indígenas. Ademais, nenhuma menção à consulta livre, prévia e informada foi feita pelos empresários, que demonstraram conhecer bastante a região, o que denota a ocorrência de inúmeras visitas e incursões potencialmente irregulares nas terras indígenas, medida que somente é viável mediante autorização da comunidade e da Funai”, registraram os procuradores.

Terras indígenas mais impactadas

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