A Polícia Judicial do Supremo Tribunal Federal (STF) e de todos os tribunais foi criada, na prática, por uma resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em setembro de 2020. A Resolução 344 delega o exercício do poder de polícia ao servidor. Na lei vigente (11.416/2006), há o cargo de agente de segurança. Na aprovação da resolução, no plenário do CNJ, o presidente Dias Toffoli disse: “Concordo com tudo, porém, para fins de exiquibilidade, precisa mudar o nome do cargo”. E o nome foi mudado para “agente de polícia judicial”. Mas o relator, conselheiro Mário Guerreiro, alertou: “Agora é preciso levar isso para a lei da carreira”.
Quem conta os bastidores da criação da Polícia Judicial é o policial judicial Igor Mariano, representante do Sindicato dos Servidores do Judiciário (Sindjus-DF) nas negociações com o STF na elaboração do projeto que vai criar por lei a Polícia Judicial – já em tramitação no Congresso. Chefe da segurança do ministro Luís Roberto Barroso, Mariano detalha também o lobby desenvolvido no Congresso para aprovar o projeto 2.447/2022. Apresentado pelo Supremo, o PL aguarda despacho do presidente da Câmara.
Reportagem do blog já havia revelado que a Polícia Judicial existe há anos. Os policiais judiciais têm porte de arma em serviço, fazem investigações preliminares e serviços de inteligência e contrainteligência na proteção dos magistrados. “Temos uma segurança cibernética. Nós recebemos informações de deepweb, uma área da internet um pouco sem controle. São comunidades onde impera crimes”, relatou Mariano. Sobre o porte de arma apenas “em serviço”, ele adiantou: “Pretendemos mudar. Na verdade, esse é o passo dois na carreira”.
Origem no Regimento Interno
Sobre as origens da Polícia Judicial, o dirigente do Sindjus afirma que, no Regimento Interno do STF de 1970, “já está prevista a Polícia do Tribunal, do art. 41 ao 44. Trata da preservação da ordem, da possibilidade de prisão, enfim”. O capítulo da “Polícia do Tribunal”, diz, no art. 41: “O Presidente responde pela polícia do Tribunal. No exercício dessa atribuição poderá requisitar o auxílio de outras autoridades, quando necessário”.
Mariano argumenta que, no Judiciário, essa polícia era exercida pelo magistrado. No caso do Supremo, pelo ministro. “O magistrado tinha o poder de polícia e delegava, pontualmente, para o agente de segurança, cujo cargo foi criado em 1967. O que aconteceu em 2020, por meio da Resolução 344, foi a delegação”.
O policial relata os primeiros passos para a criação da Polícia Judicial. “Nós trouxemos isso ao presidente do Supremo em 2015, o ministro Ricardo Lewandowiski. A violência em cima do Poder Judiciário já estava aumentando muito. O ministro estudou o caso. E chamou um professor de Direito da USP, André Ramos Tavares, para analisar a questão sob a ótica constitucional”. Com base no art. 96 da Constituição, André Ramos chegou à conclusão de que era possível delegar o exercício do poder de polícia. “Então, quem pode exercer o poder de polícia hoje? Continuam os ministros podendo, mas também nós, servidores da área de segurança institucional. Isso foi feito no STF e no país inteiro”.
O CNJ decidiu, então, unificar esse processo em 2020. O dirigente sindical continua: “Essa resolução [344] delega o exercício do poder de polícia para o servidor. E, no dia do julgamento dessa resolução, já no plenário, tomou a palavra o presidente, ministro Dias Toffoli, e disse: ‘Concordo com tudo, porém, para fins de exequibilidade, precisa mudar o nome do cargo’. E mudamos o nome do cargo para agente de polícia judicial. Porque, se você tem o poder de polícia, mas não tem o nome, fica muito mais difícil atuar”.
O CNJ pode legislar?
Mariano justifica a ação do CNJ. “Essa alteração pelo CNJ é legal? Sim, porque as resoluções do CNJ, como decorrem diretamente da Constituição, têm um valor de normativo primário. Então, aprovou-se ali, mas o próprio relator, Mário Guerreiro, coloca no seu voto a importância de um adensamento legislativo, que é basicamente o seguinte: a Resolução 344 é o Poder Judiciário se pronunciando sobre uma carreira. Mas agora é preciso levar isso para a lei da carreira. Os próprios ministros compreenderam que era importante resolver essa questão jurídica para que não pairasse dúvida. A lei é o adensamento legislativo que o próprio CNJ prescreveu”. Mais adiante, completou: “É um projeto de adensamento legislativo de uma realidade que já existe no Judiciário desde 9 de setembro de 2020”.
O dirigente sindical comenta que o momento ajudou: “A coisa andou muito bem, até porque tivemos um período turbulento. Talvez, se esse movimento tivesse sido feito em tempo de paz, tivesse um outro caminho. Mas, como isso foi aprovado imediatamente depois de um momento gravíssimo para o Poder Judiciário, nunca antes visto, nós tivemos um avanço bastante grande. Tivemos um ano terrível”. Ele se referiu ao lançamento de fogos de artifício em direção ao prédio do Supremo, em 13 de junho de 2020.
Lobby no Congresso
Como representante sindical e coordenador Jurídico do Sindjus-DF, ele participou do lobby no Congresso Nacional para discutir esse tema antes mesmo da chegada do projeto. “Procuramos federações policiais, parlamentares de apoio, para tirar o ruído, para que as pessoas entendessem o que é a Polícia Judicial, que não foi criada por uma resolução, mas sim regulamentada. Quando diz que foi criada por uma resolução dá uma impressão negativa de que se inventou uma polícia do nada, quando, na verdade, desde 1970 isso está previsto nos regimentos internos do STF”.
O policial conta que conversou com as federações que “têm bancadas no Congresso Nacional”. “Ganhamos o apoio de todas, porque, a partir do momento em que a pessoa entende que nenhuma prerrogativa de outras instituições vai ser ferida, recebemos o apoio de todo mundo e fizemos uma grande audiência pública na Câmara dos Deputados”.
Ele lembra que, na audiência, foram eliminadas algumas dúvidas: “Por exemplo, não vai haver uma mudança constitucional? Não precisa. A Polícia Judicial é constitucional porque abarcada já está pela própria autonomia e independência do Poder Judiciário prevista no art. 96, que é essa possibilidade de organizar seus próprios serviços”.
“Então, o Supremo decide, pelos próprios ministros, em votação unânime, fazer o encaminhamento desse projeto, que tomou o número 2.447 no Congresso Nacional. Esse projeto trata tão somente da denominação funcional, troca de inspetor e agente de segurança para agente de polícia”.
Projeto tem um “jabuti”
Mas o projeto tem um “jabuti” – algo fora do tema central da proposta. Trata-se da permissão de uma acumulação de gratificação com funções comissionadas. “O projeto faz um ajuste de uma distorção antiga, que era a percepção de uma gratificação de atividade de segurança, que não podia ser cumulada com funções comissionadas”, afirma Mariano.
Ele tenta justificar o benefício extra: “O policial judicial e o agente de segurança atuam por todo o país, madrugadas congelantes em cidades do Sul. A gente transita por áreas de altíssimo risco, como a Linha Vermelha, no Rio de Janeiro. Para compensar esse servidor, foi criada a gratificação por atividade de segurança. Só que não cumulava. Então, o chefe da unidade, o chefe do policiamento, o chefe da inteligência, o secretário de segurança, que estão tão expostos quanto os operadores, não percebiam a gratificação. Era difícil ser chefe, porque você não tinha prêmio nenhum”.
Criação da Polícia exige aprovação de lei?
O blog solicitou alguns esclarecimentos ao STF em 30 de setembro. Lembrou que a Resolução 344/2020 “regulamentou” a atuação da polícia judicial, mas até então não existia a "polícia judicial". Na Lei 11.416/2006, não existe a expressão "polícia". Há apenas os "agentes e inspetores de segurança". Ou seja, a Resolução regulamentou uma carreira que ainda não existia. Na prática, a Resolução criou a carreira de policial legislativo. Não seria necessária uma lei, aprovada pelo Congresso Nacional, para criar os "agentes de polícia judicial”?
O Projeto de Lei 2.447/2022, apresentado pelo STF ao Congresso Nacional, altera a Lei 11.416/2006, substituindo as expressões “agentes e inspetores de segurança" por "policiais judiciais". Esse fato não comprovaria que a criação da polícia judicial exige a aprovação de uma lei pelo Congresso?
Segundo a interpretação do policial Igor Mariano, a Resolução 344/2020 teria apenas delegado o poder de polícia do presidente do tribunal aos policiais judiciais. Como poderia delegar esse poder se os policiais judiciais ainda não existiam?
Após a publicação da reportagem, o Supremo respondeu ao blog que o projeto de lei enviado pelo Supremo Tribunal Federal ao Congresso "visa atualizar a lei que trata das carreiras do Poder Judiciário da União em relação aos cargos de segurança institucional e prevê a possibilidade de acúmulo da gratificação por atividade de segurança, devida aos agentes de modo geral, com uma função comissionada ou cargo em comissão, para quem tem posição de chefia".
Conforme a justificativa do projeto, destaca o STF, “as atualizações pretendidas procuram adequar a lei, cujo texto original é de 2006, aos recentes aperfeiçoamentos da área de segurança”. A justificativa deixa claro ainda que “as alterações propostas não ensejam na criação de cargos, mas apenas na alteração da nomenclatura”.
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