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Lúcio Vaz

Lúcio Vaz

O blog que fiscaliza o gasto público e vigia o poder em Brasília

Corrupção, incompetência e impunidade nas obras inacabadas – algumas da era Lula

Lula durante a primeira reunião ministerial, no Palácio do Planalto, em Brasília
Lula durante a primeira reunião ministerial, no Palácio do Planalto, em Brasília (Foto: EFE/André Borges)

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O presidente Lula afirmou há duas semanas que há mais de 14 mil obras paradas no Brasil. E disse que a retomada dos trabalhos vai gerar empregos e qualidade de vida nos municípios. O presidente conhece o assunto. Algumas das maiores obras inacabadas tiveram início ou atravessaram os governos Lula e Dilma Rousseff sem serem concluídas.

As obras do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj), iniciaram em 2008, no segundo governo Lula, com investimentos previstos de US$ 26,6 bilhões, segundo dados do Tribunal de Contas da União (TCU). Na primeira etapa, seria construído o Trem 1 da refinaria. Depois, as unidades petroquímicas e o Trem 2 da refinaria. A refinaria teria a capacidade para processar 465 mil barris de petróleo por dia.

Em 2014, porém, a Operação Lava Jato apurou a existência de um cartel de empreiteiras que atuava na Petrobras, com a prática de superfaturamento de obras, corrupção e financiamento de partidos políticos por meio de propinas pagas pelas empreiteiras, registra o TCU. As empreiteiras pagavam propina de 3% do valor da obra a políticos do PT, MDB e PP. Segundo o TCU, o prejuízo provocado pelo superfaturamento chegou a R$ 18,6 bilhões. As obras da refinaria foram paralisadas em 2015. As descobertas da Lava Jato enfraqueceram a então presidente Dilma, que sofreria o impeachment no ano seguinte.

Refinaria não tinha "atratividade", diz Petrobras

Em julho de 2016, com Dilma já afastada da Presidência da República, o Conselho de Administração da Petrobras aprovou a reavaliação do projeto do Comperj, associada à implantação da Unidade de Processamento de Gás Natural (UPGN). Quando as obras do Trem 1 do Comperj tinham avanço físico de 85%, foram suspensas devido a restrições de caixa vividas pela Petrobras, diz o Acórdão 632/2017 do TCU.

Em 2019, a Petrobras concluiu que a finalização da construção da refinaria não apresentava atratividade econômica. Hoje, a Petrobras segue desenvolvendo Projetos de Investimento no Polo Gaslub, em Itaboraí, conforme divulgado no Plano Estratégico 2023-2027. Lula é novamente presidente do Brasil.

O blog questionou a Petrobras qual o valor recuperado pela empresa a partir de decisões judiciais e de negociações com as empreiteiras envolvidas nos processos de corrupção. A Petrobras afirmou que o total de recursos transferidos para os cofres da Petrobras (incluindo subsidiárias), em decorrência de acordos de colaboração, leniência e repatriações, ultrapassou o montante de R$ 6,7 bilhões.

Sobre o aproveitamento dos que restou do Trem 1 da refinaria, a Petrobras respondeu que “uma das premissas utilizadas para todos esses projetos é a utilização da infraestrutura e o máximo possível das instalações que foram construídas e preservadas após a descontinuidade e posterior cancelamento do antigo projeto Comperj”. (Veja nota da Petrobras abaixo)

Uma obra de quatro décadas

A construção da Usina Nuclear Angra 3 foi iniciada em 1984, paralisada após dois anos e retomada em 2009, com a sua inclusão Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Parou novamente em 2015, em decorrência da corrupção na direção da empresa, apurada pela Lava Jato. A retomada das obras ocorreu em novembro do ano passado, com a concretagem da usina. Com orçamento de R$ 17 bilhões, tem a sua conclusão prevista para 2028 – 44 anos após o seu início. Terá potência de 1.400 megawatts (MW). A geração das usinas 1, 2 e 3 vai equivaler a 60% do consumo de energia do Estado do Rio de Janeiro, ou 3% do país.

O vice-almirante Othon Pinheiro, ex-presidente da Eletronuclear, suspeito de ter recebido propina do consórcio das empreiteiras responsáveis pela obra, chegou a ser condenado a 43 anos de prisão pelo juiz Marcelo Bretas, em primeira instância. Em março do ano passado, em decisão do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, teve a pena reduzida para 4 anos e 10 meses de reclusão pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. A reclusão foi substituída por duas penas restritivas de direito.

Projeto alterado com 58% de execução

As obras do Veículo Leve sobre Trilhos (VLT) de Cuiabá tiveram início em junho de 2012, com orçamento de R$ 1,48 bilhão. Deveriam estar concluidas para a Copa do Mundo de 2014, que teve a capital do Mato Grosso como uma das sedes.  Após quase nove anos, o percentual de execução financeira está em 72% e a execução física em 58%. O governo estadual, responsável pelo projeto, afirma que “a empresa não cumpriu o cronograma previsto para entrega da obra”. Em 2017 a Operação Descarrilho da Polícia Federal descobriu um esquema de corrupção na execução das obras do VLT, o que levou o governo a rescindir o contrato com o Consórcio VLT.

O VLT liga Cuiabá a Várzea Grande, onde está localizado o aeroporto, numa extensão de 23 quilômetros. Os 40 trens teriam capacidade para transportar 100 mil pessoas por dia. Em janeiro de 2021, porém, após muita polêmica, a Assembleia Legislativa do Mato Grosso aprovou a alteração do modal para ônibus elétricos (BRT). Os trilhos já implantados foram arrancados. O governo de Mauro Mendes (União) entende que a construção do BRT “será mais econômica aos cofres públicos, mas, principalmente, terá uma operação mais barata, com menor custo para os usuários do transporte público”.

O prefeito de Cuiabá, Emanuel Pinheiro (MDB), é contra a troca de modal. “O BRT foi sucesso há 50 anos. Cuiabá tem que olhar para frente e se equiparar com as principais capitais brasileiras e do mundo. Temos que lutar pelo mais inovador, por mais sustentabilidade, dignidade e respeito pelo usuário do transporte coletivo”, diz o prefeito. Segundo a prefeitura, pelos cálculos do consórcio que realizou 75% das obras, numa estimativa feita há cinco anos, seria necessário mais de R$ 922 milhões para o término da obra.

Transnordestina e Transamazônia: “Brasil Grande”

Iniciada em junho de 2006, no segundo governo Lula, a Ferrovia Transnordestina tem um avanço físico de 59% do novo traçado de 1.209 km - de Simplício Mendes (PI) ao porto de Pecém (CE). Já foram aplicados R$ 7,5 bilhões na obra. Estão concluídos 815 km de ferrovia, dos quais 215 km foram executados em 2022. Este ano, a previsão da empresa é concluir mais 100 km, no Ceará, além de iniciar novos lotes dependendo da liberação de recursos já contratados. O trecho de Simplício Mendes (PI), onde deveria iniciar a ferrovia, ainda está na fase de terraplanagem, anterior à colocação dos trilhos, dormentes e brita. Também há a construção de pontes e viadutos.

O restante está sendo estruturado entre a Transnordestina Logística (TLSA), a acionista Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) e o governo federal para finalizar a ferrovia. Está contratado R$ 1 bilhão via fundos constitucionais – Fundo de Desenvolvimento do Nordeste (FDNE) e Fundo de Investimentos do Nordeste (Finor). A TLSA é uma entidade privada, mas conta com investimentos públicos. Os recursos próprios investidos representam 61% do total, enquanto os recursos de terceiros (dívida) chegam a R$ 39%.

O prazo para a conclusão da obra é 2029 no aditivo contratual assinado com a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), em dezembro de 2022. Mas a TLSA afirmou ao blog que “internamente” a previsão é 2027: “Temos todo interesse em concluir a ferrovia o quanto antes, para que ela possa operar e gerar receita”. O termo aditivo estabelece condições para a devolução do trecho Salgueiro/Porto de Suape (PE), previsto originalmente no projeto. O novo cronograma deverá considerar o prazo de até 7 anos para a conclusão das obras do trecho remanescente da TLSA.

Segundo a TLSA, a construção está em andamento, gerando cerca de 2 mil postos de trabalho. “Desde 2017, o empreendedor CSN vem custeando a obra com recursos próprios e honrando os financiamentos mesmo antes do início da operação comercial da ferrovia”.

Trecho de Simplício Mendes inacabado, em foto de março de 2021, 15 anos após o início das obras. Foto: DJ/Magnata

A obra inacabada mais antiga no Brasil é a lendária Transamazônica, iniciada em 1970. O país vivia a ditadura militar, governo de Emílio Garrastazu Médici, nos tempos do "Brasil Grande”, das obras faraônicas, do "Milagre brasileiro". O traçado da rodovia começa em Cabedelo (PB) e vai até Lábrea (AM). O primeiro trecho foi inaugurado em 1972, mas a maior parte da rodovia na Amazônia não está asfaltada até hoje.

Petrobras diz utilizar instalações do Comperj

O blog enviou à Petrobras os seguintes questionamentos: 1) o que houve com o Trem 1 do Comperj, foi desmontado, demolido? 2) qual o prejuízo decorrente do abandono da etapa do Trem 1? 3) o TCU registrou, em 2020, que o prejuízo decorrente da corrupção na empresa foi de R$ 18,6 bilhões. Atualmente, qual é o valor total do prejuízo? 4) qual o valor recuperado pela empresa a partir de decisões judiciais e de negociações com as empreiteiras envolvidas nos processos de corrupção? 5) por que a construção da refinaria não apresentava mais atratividade econômica? 6) A Petrobras projeta a construção de novas refinaria?

A Petrobras respondeu que segue desenvolvendo Projetos de Investimentos no Polo GasLub, em Itaboraí, conforme divulgado no Plano Estratégico 2023-2027. Estão em curso o Projeto Integrado Rota 3, em fase final de implantação, que inclui a construção da Unidade de Processamento de Gás Natural de Itaboraí (UPGN Itaboraí) para o processamento de até 21 milhões de m3/dia de gás do Polo Pré-Sal da Bacia de Santos, com entrada em operação prevista para 2024.

Está em andamento o projeto de refino para implantação de Unidades de produção de combustíveis e lubrificantes, em sinergia com a Reduc, que teve seu estudo de alternativa e engenharia conceitual aprovado em dezembro de 2022 e segue desenvolvendo os estudos de engenharia básica que suportarão o planejamento das fases posteriores do projeto e estudos para a construção de uma Usina Termoelétrica, a UTE-GasLub.

A Petrobras acrescentou: “Vale destacar ainda que o Plano Estratégico 2023-2027 da Petrobras não prevê construção de nova refinaria. Dos US$ 9,2 bilhões previstos para a área de Refino e Gás Natural nos próximos cinco anos, cerca de metade será aplicado na expansão e aumento da qualidade e eficiência do refino nas instalações atuais. O plano prevê investimentos em oito novas unidades de processamento, além de seis obras de adequações de grande porte em unidades já existentes. Com esses projetos concluídos, prevê-se aumento de capacidade de processamento e conversão do refino da Petrobras em 154 mil barris por dia (bpd) e a capacidade de produção de Diesel S-10 será ampliada em mais de 300 mil bpd”.

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