Depois de criar a terra, a água, o ar, os animais, as plantas, as bactérias, e não tendo mais nada para fazer, no oitavo dia, Deus criou o Congresso Nacional.
Convocou os auxiliares mais próximos para uma reunião na sua mesa oval e foi logo avisando: “Vou criar o Congresso”. Os santos, anjos, arcanjos e o Diabo, que ainda não havia sido expulso do céu, não entenderam do que o Senhor estava falando.
Um dos santos mais antigos perguntou: “O que é isso, afinal?”. “É onde serão feitas as leis, para organizar um pouco as coisas na terra”, respondeu a divindade.
Um arcanjo quis saber mais detalhes: “Mas quem vai fazer parte disso?”. Deus respondeu prontamente: “Empresários, advogados, agropecuaristas, médicos, engenheiros, sociólogos, pastores evangélicos, artistas, palhaços. Todo tipo de gente estará lá”. Um anjinho de esquerda resolveu fazer uma provocação. “Até o Bolsonaro?”. “Sim, todos são filhos de Deus”, respondeu o próprio. E acrescentou que até mesmo corruptos, traficantes, ladrões, teriam vaga naquele colegiado. O Diabo abriu um largo sorriso. O anjinho tomou coragem e completou: “Mas não terá ninguém do povo no Congresso?”.
O Senhor respondeu com um ar grave: “Não, o povo vai votar, vai escolher quem vai pra lá”. Todos se entreolharam. Percebendo que a ideia não fora bem aceita, Deus completou: “Todo o poder emana do povo. A voz do povo é a voz de Deus”. Parece que foi nessa ocasião que surgiram essas frases hoje já bastante gastas.
O santo mais experiente perguntou como seriam eleitos os representantes do povo, como seriam as eleições, como seria o financiamento. Deus tinha a resposta pronta: “Ou será com financiamento público, pago pelo povo, ou haverá doações de grandes empresas, como empreiteiras, bancos”. O Diabo, que estava quieto no seu canto, soltou um daqueles sorrisos sarcásticos, já prevendo no que aquilo ia acabar: “Hehehe…”.
Mas a divindade tinha outras propostas para apresentar: “Vou criar também o Executivo, para governar o povo”. O anjinho não aguentou: “Mais um pra mandar. Com certeza não será alguém do povo”. “Não, mas poderá ser um ex-sindicalista, um ex-guerrilheiro”, respondeu o Senhor. Para tranquilizar ainda mais o seu próprio povo, informou que, se não agradasse, o presidente poderia sofrer um impeachment. “Como assim?”, perguntou o arcanjo. “O Congresso poderá se articular e derrubar o presidente”, explicou Deus. O Diabo soltou mais um daqueles sorrisos aterrorizantes. “É golpe!”, gritou o anjinho.
“Próximo ponto da pauta: vou criar ainda o Judiciário”, anunciou a divindade. E foi logo detalhando a proposta, antes das perguntas: “Será o poder moderador, vai interpretar o cumprimento das leis, vai processar, julgar, condenar, prender…”. O arcanjo interrompeu: “Não será poder demais?”. Àquelas alturas, o Diabo estava animadíssimo. E fez uma sugestão: “Quem sabe, prender antes de julgar”.
Deus prosseguiu: “Teremos ainda o Ministério Público, o quarto poder, uma espécie de poder paralelo, que pode tudo, fiscaliza todo mundo”. O anjo mais velho fez um alerta: “Mas esse não seria a imprensa?”. O anjinho de esquerda gostou, mas quis esclarecer algumas dúvidas: “Quem escolhe os integrantes do Judiciário e o chefe do MP?”. O Senhor respondeu: “O presidente da República”. O anjinho desanimou: “Não vai dar certo!”. O Diabo gostou tanto das ideias apresentadas que articulou um processo de impeachment contra Deus, isso depois de abrir uma conta da Suíça. Dizem que essa teria sido a causa da sua expulsão do paraíso. Foi parar numa prisão no Paraná.