Em artigo publicado na Folha de S.Paulo, no domingo, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso, fez uma pergunta perigosa: quanto vale o Judiciário? Ele, primeiro, divulgou quanto custou o poder em 2022: R$ 116 bilhões, o equivalente a 1,6% do Produto Interno Bruto (PIB). Depois, acrescentou: “Quanto custa o Judiciário não é uma questão irrelevante. Mas a indagação correta talvez seja outra: quanto vale o Judiciário?”
Seguiu-se uma penca de autoelogios. “A Justiça brasileira é, provavelmente, a mais produtiva do planeta, julgando definitivamente mais de 30 milhões de processos por ano. Juízes são recrutados mediante árduos concursos públicos. Trata-se de um poder exercido por agentes públicos selecionados pela sua integridade, competência técnica e capacidade de atuar com imparcialidade, sem ingerência política”.
Barroso admitiu um dos pontos fracos do Judiciário, mas com ressalvas: “Os abusos remuneratórios que se noticiam aqui e ali são graves e devem ser corrigidos, mas não invalidam o quadro geral. O custo da Justiça pode parecer alto, mas a falta de justiça é bem maior”.
Abusos aqui, ali e acolá
Os “abusos remuneratórios” não ocorreram apenas “aqui e ali”. Tribunais torram R$ 13 bilhões com “penduricalhos” em seis anos – pagamentos eventuais que reforçam a renda dos juízes e desembargadores. A maior despesa foi com pagamentos retroativos – R$ 5,7 bilhões. Dezenas de magistrados acumularam até R$ 3 milhões – cada um – com esses pagamentos. As indenizações de férias somaram R$ 3,6 bilhões.
O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), maior tribunal do país, com 360 desembargadores, pagou R$ 1,5 bilhão de retroativos e R$ 1,1 bilhão de indenização de férias. Como têm direito a 60 dias de férias, os magistrados costumam “vender férias” para aumentar a renda. Como se trata de uma indenização, a verba não sofre desconto do Imposto de Renda nem da Previdência.
Mesmo durante a pandemia da Covid, o Judiciário manteve a sua fartura. A renda de pelo menos 40 juízes e desembargadores superou os R$ 300 mil num único pagamento, com o valor máximo próximo de R$ 600 mil para um desembargador aposentado da Justiça do Trabalho. Essas remunerações resultaram de pagamentos retroativos e indenizações de férias.
Obra inacabada e transparência opaca
Na categoria desperdício, o blog revelou a construção do edifício-sede do Tribunal Regional Federal da 1.ª Região (TRF-1), em Brasília. A obra inacabada se arrasta há 17 anos. Já consumiu R$ 550 milhões dos cofres públicos e aguarda mais R$ 850 milhões para a sua conclusão. Irregularidades, rescisão de contratos, falhas no projeto e algumas trapalhadas resultaram em paralisações na obra.
A transparência do STF é opaca. O STF completou três anos sem prestar contas ao Tribunal de Contas da União (TCU). E não faltaram indícios de irregularidades na última prestação de contas ao tribunal, relativas a 2019. Foram apontadas falhas nas contratações por dispensa de licitação e vícios na concessão de diárias e passagens. Nas áreas de ouvidoria e de acesso à informação, auditoria interna do tribunal identificou “riscos à imagem do STF perante a sociedade”, decorrentes de “divulgação de informações imprecisas, na forma e no conteúdo”. Mas o TCU aprovou as contas.
O blog vem apontando há anos a falta de transparência na compra de passagens para os ministros, sem a indicação do destino nem o motivo da viagem. Neste ano, surgiram os voos secretos dos ministros do STF em jatinhos da FAB, em viagens para casa nos fins de semana. Até outubro, foram realizadas 75 viagens, ao custo de R$ 800 mil. Em 50 voos, o ministro era o único passageiro. Os ministros alegam questão de segurança para solicitar a mordomia.
O acesso à carreira ocorre mediante concurso público, mas Barroso não informou que os ministros do Supremo, dos tribunais superiores, e desembargadores dos tribunais federais são nomeados pelo presidente da República – o que politiza o processo de preenchimento desses cargos. O presidente Lula, recentemente, nomeou para o Supremo o seu ministro da Justiça, Flávio Dino; e o seu advogado de defesa no processo da Lava Jato, Cristiano Zanin. Sem ingerência política?
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