No esforço para defender a separação das contas de campanha da presidente Dilma Rousseff e do seu então vice-presidente, Michel Temer, a defesa do atual presidente da República citou, nas alegações finais apresentadas ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), uma decisão anterior do tribunal que, na verdade, reforça a tese da indivisibilidade da chapa presidencial. Os advogados de Temer transcreveram trecho do Recurso Ordinário 2233/RR, de 2009, que julgou o governador de Roraima, Ottomar Pinto – já morto na época –, e o seu vice, Anchieta Júnior, que ocupava o cargo.
O presidente do TSE, ministro Gilmar Mendes, havia destacado esse caso como uma jurisprudência importante em maio do ano passado, quando o processo que analisa as contas da chapa Dilma/Temer estava em seu início.
A defesa de Temer cita trecho do julgamento ocorrido em 2009 para reforçar a tese de que a unicidade da chapa pode admitir ressalvas: “Resta claro, dessa forma, que não obstante a jurisprudência predominante no sentido da unicidade, há possibilidade de temperamento; de ressalvas; obtidas a partir do caso concreto”.
Os advogados do presidente destacam, então, o seguinte trecho do Recurso 2.233/RR, julgado em 16 de dezembro de 2009: “De acordo com o princípio da indivisibilidade da chapa única majoritária, segundo o qual, por ser o registro do governador e vice-governador realizado em chapa única e indivisível (art. 91 do Código Eleitoral), a apuração de eventual censura em relação a um dos candidatos contamina a ambos. A morte do titular da chapa impõe a interpretação de referido princípio com temperamentos.”
Mas o fato é que o governador eleito, Ottomar Pinto – que morreu após a posse –, e o seu vice foram julgados e absolvidos juntos porque as provas apresentados pelo MP foram consideradas insuficientes pelo plenário do TSE. A chapa não foi, portanto, julgada separadamente. No seu voto, diz o relator do processo, ministro Fernando Gonçalves: “Não há provas suficientes, conforme reiteradas manifestações desta Corte e do Tribunal Regional Eleitoral de Roraima, a autorizar a cassação do mandato a ele conferido pela vontade popular. Nego provimento ao recurso RO 2.233/RR”.
Na análise preliminar, o ministro relator explica por que a morte do governador exigia uma interpretação do princípio da indivisibilidade com “temperamentos”: “As condutas apontadas pelo Ministério Público como passíveis de acarretar a perda do mandato eletivo são atribuídas pessoalmente a Ottomar de Souza Pinto, e esse não tem mais como apresentar defesa nos autos”.
Defesa
O advogado Gustavo Guedes, do escritório Bonini Guedes, explica por que o Recurso 2.233/RR foi utilizado como argumento: “Para quem defende o contrário, esse princípio da chapa indivisível é absoluto, nunca pode ser relativizado. Então, nas argumentações que fiz, a gente diz que a invisibilidade se dá apenas no registro. Não há nenhum dispositivo no Código Eleitoral nem na legislação eleitoral que diga o contrário, que diga que a chapa é indivisível fora do regime de candidatura”.
“Depois, a gente traz dois precedentes onde o tribunal chegou a discutir a divisibilidade da chapa, dizendo que o conceito não é absoluto. Nesse caso do Ottomar, ficou muito claro que tem que haver temperamentos porque ele faleceu. A ideia de citar esse caso não é no sentido de dizer que é um caso idêntico, mas eu digo que o tribunal já enfrentou e já relativizou esse conceito de indivisibilidade absoluto de chapa”, diz Guedes.
Ele prossegue nos seus argumentos: “Tem que haver temperamento na situação em que o titular não está mais no cargo. A gente puxa isso por conta do impeachment [de Dilma]. Em momento algum eu digo que é igual. Digo que há que se enfrentar, de forma direta, em relação à arrecadação. Discordo de você quando diz que esse argumento piora. Não piora! O tribunal tem dezenas de precedentes entendendo que a condenação do titular alcança a do vice, mas não enfrentou esse tema de forma específica”. Ele acrescenta que essa jurisprudência é confirmada por uma decisão mais recente que dividiu a chapa. A inelegibilidade do vice não alcançou a do titular.
A linha de raciocínio de Guedes indica que, em caso de derrota no TSE, o caso pode parar no Supremo Tribunal Federal (STF). Ele lembra que, em outros casos envolvendo governadores, em Tocantins, Paraíba, Piauí e Maranhão, “sequer se enfrentou o tema [da indivisibilidade da chapa]. Cassa o titular, cassa o vice, por arrastamento. Ninguém nunca disse que o princípio da individualização da pena previsto na Constituição não pode ser aplicado nesse caso porque não tem como separar as condutas. Ninguém nunca enfrentou isso a partir da Constituição”.
“O que se propõe é que se enfrente esse tema pela primeira vez de forma direta. Até porque o caso concreto tem particularidades que demandam esse temperamento, e não a decisão de modo absoluto. É uma oportunidade para o tribunal enfrentar o tema. Pode até reafirmar a jurisprudência. Mas, se for reafirmar, tem que ser com fundamento. Tem que dizer que o art. 91, que trata do registro, tem que valer também para a prestação de contas. As decisões não dizem porque o art. 5º da Constituição não deve prevalecer nesse caso”, conclui Guedes.
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