O deputado Jorge Braz (PRB-RJ) tem o hábito de frequentar bons restaurantes na Barra da Tijuca aos finais de semana. Come bacalhau ao forno, camarões salteados, salmão ao jaburu e muitos rodízios de churrasco. A conta chega próximo dos R$ 200 por refeição. Ele já torrou R$ 6 mil com alimentação desde a posse, em fevereiro.
O campeão de gastos com o “auxílio-restaurante” dos deputados federais é um parlamentar novato do PSD. Em uma das refeições, ele apresentou uma nota de R$ 368. Há casos em que um único prato consumido custou R$ 254. Quem paga a conta? Sim, você, contribuinte.
A refeição mais cara reembolsada pela Câmara representa o dobro do valor do Bolsa Família pago em abril – R$ 186 – benefício que paga as despesas com alimentação de uma família em situação de extrema pobreza durante um mês. São coisas diferentes, disse um deputado. Mas os dois “benefícios” são bancados com dinheiro público.
Entre os dez mais gastadores, sete são deputados da “nova política”, recém-empossados, mas adeptos de velhos hábitos. O total das despesas já supera R$ 360 mil desde fevereiro, quando a nova legislatura tomou posse. Não há limite na lei para gastos de deputados com refeição. O limite com o “auxílio-restaurante”, nesse caso, é o bom senso.
Deputado de primeiro mandato, Vermelho (PSD-PR) esteve em Montevidéu por três dias no início de abril, em missão oficial no Parlamento do Mercosul. Apresentou oito notas fiscais no valor médio de R$ 194 cada. A conta na Parrila Garcia tem registros de assado de novilho, rack de cordeiro e baby beef premium, além de um vinho Bouza Tanat, no valor total de R$ 559, mas ele cobrou apenas R$ 345 da Câmara. A maior despesa, no valor de R$ 368, não tem especificação de consumo. A nota da Panini’s só informa que foi uma “cena” (jantar).
“Valores altos e inadequados”
Em março, o deputado Raul Henry (MDB-PE) esteve em reunião-jantar com outros parlamentares numa quarta-feira, no restaurante Dom Francisco, em Brasília. Ele pagou R$ 254 por um bacalhau na brasa. A conta fechou em R$ 280, como mostra a nota fiscal emitida às 23h31. A Câmara pagou tudo, inclusive a gorjeta de R$ 25. No mês seguinte, ele retornou ao restaurante para jantar com colegas e comeu outro bacalhau na brasa, dessa vez na promoção, por R$ 180. A conta fechou em R$ 198. A Câmara pagou tudo de novo.
Questionado pelo blog nesta semana, o deputado de terceiro mandato teve uma atitude raríssima: reconheceu o erro. “Essa não é uma prática do meu mandato. Participei de reuniões com outros parlamentares. Duas situações isoladas, mas reconheço que os valores são altos e inadequados. Ficarei mais atento, a partir de agora, para que fatos como esses não se repitam”, disse Henry. Quanto o pagamento das gorjetas, comentou: “se elas não foram glosadas pela auditoria da Câmara, é porque não são ilegais”.
Outro prato bastante caro foi pago por Julian Lemos (PSL-PB), mais um estreante na Câmara. Ele torrou R$ 242 numa picanha fatiada de 650 gramas no restaurante Belana, numa segunda-feira à noite. E dizem que os deputados só chegam em Brasília na terça. A nota fiscal fechou em R$ 299, mas a Câmara cortou a gorjeta de R$ 34,40.
Embalagens para viagem
Deputado na “nova política”, Ricardo Guidi (PSD-SC) gostou do Taypa Bar Peruano. Esteve lá no dia 4 de fevereiro. Saboreou Chevite Taypa, Pulpito al Cabon e Café del Marcado. A conta fechou em R$ 247, mas a Câmara glosou a gorjeta de R$ 26,54. Ele retornou no dia 13 do mesmo mês e fez as mesmas despesas. Mas “rachou” a conta de R$ 230. Teve reembolso de R$ 115.
Gurgel (PSL-RJ) é outro que chegou no rastro do fenômeno Bolsonaro. Ele prefere o aprazível Coco Bambu no Setor de Clubes Sul. Esteve por lá cinco vezes de fevereiro a abril, quase sempre para almoçar, fazendo despesas no valor médio de R$ 160. Em quatro vezes, pediu o prato “Camarão Internacional”, que serve três pessoas. A comida é tanta que ele pediu embalagens para viagem no valor de R$ 4,50. Mas a Câmara glosou esses valores.
A deputado Marília Arraes (PT-PE) fez nove despesas no valor médio de R$ 140. Em fevereiro, consumiu um bacalhau no forno à portuguesa no Tejo Restaurante, em Brasília. O prato saiu por R$ 129. Também comeu um “toucinho do céu” – sobremesa que leva amêndoas, ovos, manteiga, canela – e pagou gorjeta. A conta fechou em R$ 178, tudo bancado pela Câmara, sem cortes. Em março, ela havia pago R$ 149 por um “espeto adulto” na churrascaria Fogo de Chão, mais gorjeta de R$ 22,88 e outros complementos. A conta ficou em R$ 198,88, mas a Câmara cortou a gorjeta.
“É demagogia, é ridículo”
A reação do deputado Reinhold Stephanes Júnior (PSD-PR) ao ser questionado sobre gastos elevados com alimentação foi no mínimo desrespeitosa. Outro deputado de primeiro mandato, ele almoçou no restaurante 348 Corrientes, no bairro Batel, em Curitiba, numa quarta-feira de fevereiro. Pagou R$ 144 por um ojo del bife e R$ 89 por um vacio (fraldinha). A conta fechou em R$ 397, mas ele cobrou R$ 183 da Câmara.
Em conversa por telefone, na última terça-feira (28), o blog perguntou se a sua despesa, muito acima da média de todos os deputados, não seria demasiada. Ele interrompeu o repórter: “me desculpe, isso é muita demagogia. É ridículo, por causa de R$ 100. Um abraço”.
Minutos depois, o deputado fez nova chamada e seguiu falando: “Você me perguntar de R$ 100 porque almocei ali, é ridículo. Faça uma matéria me prejudicando, mas não faz sentido isso. É ridículo, por causa de R$ 100”. Por coincidência, o valor reembolsado representa a média do valor do Bolsa Família, que atende a uma família em extrema pobreza por um mês.
A Câmara dos Deputados foi questionada sobre a regularidade do pagamento de despesas com alimentação para terceiros e sobre o pagamento de gorjeta. Respondeu que o ato que regulamenta essas despesas “não prevê o reembolso de despesas com gorjetas ou com a alimentação de familiares e assessores do parlamentar”.
O blog procurou o deputado Vermelho e solicitou esclarecimentos sobre o que foi consumido por ele na Parrila Garcia e no restaurante Panini’s. Ele não respondeu, mas a sua assessoria enviou a seguinte nota: “o deputado Vermelho integra o Parlamento do Mercosul. No período citado no e-mail, ele encontrava-se em Montevidéu para a instalação e participação nas sessões daquele Parlamento; tendo suas despesas ressarcidas pela Câmara dos Deputados, mediante autorização prévia do Presidente da Casa, uma vez que se tratava de viagem em Missão Oficial”.
Os demais deputados citados no texto foram procurados, mas não responderam aos questionamentos do blog.