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Pelo menos dez deputados e senadores estiveram no exterior entre o fim de fevereiro e o mês de março, durante o período mais grave da crise do novo coronavírus. Considerando a data em que a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou emergência de saúde pública internacional, foram 30 viagens de parlamentares brasileiros para fora do país. Dois deles estavam na comitiva presidencial brasileira que esteve nos Estados Unidos, de 7 a 10 de março, e voltaram infectados. Pelo menos sete deputados e senadores já testaram positivo para a Covid-19. Outros dez parlamentares cancelaram viagens internacionais nos últimos dois meses por medo da doença.
A deputada Liziane Bayer (PSB-RS) participou do Congresso Iberoamericano pela Família e pela Vida, de 12 a 14 de março, em Lima, no Peru. A parlamentar retornou de viagem sem sintomas e disse ter adotado medidas de precaução orientadas pelas autoridades em saúde. Na data da sua viagem, o coronavírus já tinha atingido 124 mil pessoas no mundo, com 4,6 mil mortes. Um dia antes do embarque, a OMS havia declarado a pandemia de Covid-19. A deputada não comentou sobre os riscos de uma viagem ao exterior naquele momento.
O deputado Daniel Silveira (PSL-RJ) foi mais longe. De 4 a 8 de março, esteve em São Petesburgo (Rússia), participando do Fórum dos Jovens Parlamentares do Brics. Na data da sua partida, já havia 2,9 mil casos no Irã, 3 mil na Itália, 5,6 mil na Coreia do Sul e 80 mil na China. Silveira ainda não fez o relatório de viagem. A Câmara registra apenas o custo: R$ 18 mil em diárias e passagens.
Questionado pelo blog se fez o teste do coronavírus após o seu retorno, o deputado afirmou que não realizou o teste porque “estava em falta”. “Mas não senti nenhum sintoma e acredito que, em 60% das pessoas, esse vírus vai passar de forma assintomática, ou seja, não sentirão nenhum efeito e criarão a imunidade”.
“Teremos algumas baixas”
Silveira também afirmou que a viagem ao exterior não implicou risco a ele nem aos demais deputados. “Não, porque, de fato, já aconteceria do vírus de espalhar, e vai se espalhar ainda mais. Pelos fatos científicos já comprovados por especialistas, estou falando de especialistas de verdade, não é especialista midiático, eles passarão. Teremos algumas baixas, só que muito menos acentuada do que o próprio H1N1”, afirmou. Ele acrescentou que o fórum debateu a “revolução 4.0, ou seja, a tomada de tecnologia a nível do Brasil e a nível do mundo, colocando ali os cinco grandes do Brics”.
O senador Irajá (PSD-TO) representou o Senado no encontro de jovens parlamentares do Brics. Mas a sua estada foi um pouco mais longa, de 3 a 9 de março. Ele fez escalas em Paris na ida e em Dubai, nos Emirados Árabes, na volta. As despesas com as viagens também foram maiores – R$ 9,6 mil com cinco diárias mais R$ 22,5 mil com passagens.
O senador Rodrigo Santos Cunha (PSDB-AL) também esteve na Rússia representando o Brasil no mesmo evento. Os relatórios de transparência do Senado registram que Cunha recebeu cinco diárias no valor total de R$ 9,6 mil. Ainda não houve o lançamento da despesa com passagem aérea.
A senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA), de 43 anos, também marcou viagem para o mesmo encontro de Jovens Parlamentares. O custo ficaria em R$ 17 mil, mas a senadora desistiu na última hora por questões de saúde – nada a ver com o coronavírus. A sua assessoria afirmou que as diárias foram devolvidas.
Viagem no prazo limite
O deputado Lucas Gonzales (Novo-MG) integrou a missão brasileira à convenção da Prospector and Developers Association of Canada, em Toronto, de 29 de fevereiro a 3 de março. No retorno, fez escala em Chicago (EUA). Chegou ao Brasil dia 4. Afirmou ao blog que não realizou teste para coronavírus após seu retorno e não sentiu, até hoje, nenhum sintoma. Não foi considerado, em nenhum momento, um caso suspeito.
A assessoria do deputado afirmou que, no final de fevereiro, quando da sua ida para o Canadá, o coronavírus “ainda era uma realidade distante de caso de pandemia, tanto no Canadá como no Brasil, apesar das notícias já estarem indicando que tal vírus chegaria ao Brasil em algum momento”. Acrescentou que o Canadá apenas entrou na lista de monitoramento do Ministério da Saúde no dia 3 para o dia 4 de março, sendo que Gonzalez saiu do Canadá no dia 3, chegando no Brasil no dia 4 de março.
“Naquele momento a ida do deputado não implicava em risco para ele, seus familiares, sua equipe de trabalho e demais colegas de Congresso Nacional”, diz nota do deputado.
Sobre a importância das viagens, disse que “o evento reúne toda cadeia econômica ao redor da mineração. O deputado é de Minas Gerais e, após Brumadinho, conhecer formas de manter a atividade com responsabilidade, sustentabilidade e competitividade é fundamental para o desenvolvimento do Brasil, em especial de Minas”.
"Missão oficial" em Paris e Madri
Os deputados, Marcos Pereira (Republicanos-SP), 1º vice-presidente da Câmara, Pedro Paulo (DEM-RJ) e Elmar Nascimento (DEM-BA) integraram a delegação parlamentar que acompanhou o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), em missão oficial a Paris e Madri, no período de 23 de fevereiro a 2 de março. Lá discutiram “o papel do parlamento brasileiro para assegurar mudanças climáticas que possam atrair e garantir maior segurança para investidores econômicos estrangeiros”.
Marcos Pereira afirmou ao blog que não apresentou sintomas após o seu retorno, mesmo assim submeteu-se ao teste, que deu negativo para Convid-19. Sobre possíveis riscos, comentou: “nossa comitiva foi pequena e restrita e tomamos os devidos cuidados, tanto que eu testei negativo. Não havia a indicação de que a pandemia pudesse chegar a níveis tão alarmantes. De todo modo, imediatamente após nossa volta, seguimos à risca os protocolos indicados”.
“Cogitamos voltar, se aparecesse”
Elmar Nacimento disse ao blog que, na época das viagens, ainda não existia nenhum caso de coronavírus, nem na França nem na Espanha. Questionado sobre a emergência internacional, que já havia sido anunciada, afirmou: “existia na Ásia. Na Europa, começaram a aparecer os primeiros casos na Itália. E quando começou a aparecer, a gente já estava lá. Mas não existia nada na Espanha nem na França. Cogitamos até de voltar se aparecesse, mas não tinha nenhum caso. Voltamos no dia 2. Não fiz teste, sintomas zero. Nem ninguém que esteve na missão”.
O primeiro caso de contágio em solo francês havia sido anunciado em 30 de janeiro. Em 15 de fevereiro, um turista chinês de 80 anos morreu na França. A primeira morte de um francês na França aconteceu em 26 de fevereiro. Na mesma data, foi anunciado o primeiro caso de contágio no Brasil, em São Paulo – um homem de 61 anos, recém-regressado da Itália.
O blog questionou a Presidência da Câmara sobre os possíveis riscos a que foram submetidos o presidente Rodrigo Maia e os demais integrantes da comitiva nas viagens. Não houve resposta.
O senador Luis Carlos Heinze (PP-RS) esteve em Nova Delhi (Índia), de 23 a 28 de fevereiro, acompanhando a comitiva do presidente Jair Bolsonaro.
Em nota, o senador afirma que foi para defender os interesses do “agro nacional”, levando diversas demandas de empresários de seu estado. “Foram assinados 15 documentos, entre acordos de cooperação e memorandos de entendimento. Entre eles, o que beneficia os setores suíno e de aves no Brasil, que devem ter uma ampliação considerável nos negócios com o país asiático”, diz o senador.
A nota acrescenta que, “naquele período ainda não se tinha um panorama da doença como hoje. O exame ainda não era exigido pelas autoridades de saúde do país. O parlamentar não apresentou sintomas. Hoje, está em sua residência no RS, cumprindo o isolamento social e executando seus compromissos por videoconferências e telefone.
Viagens canceladas
Em março, conforme aumentava a gravidade da pandemia, deputados e senadores foram desistindo de viagens já marcadas. Os deputados Celso Russomanno (Republicanos-SP) e Arlindo Chinaglia (PT-SP) cancelaram a viagem que fariam para a Cidade do México, de 17 a 20 de março, onde participariam de reuniões da Eurolat (Euro-Latino-americana). A deputada Perpétua Almeida (PCdoB-AC), cancelou a viagem para Buenos Aires, dia 12 de março, para o evento “As Mulheres na Integração Regional”.
Chris Tonietto (PSL-RJ) e Iracema Portella (PP-PI) desistiram de participar da 64ª sessão da Comissão sobre a Situação da Mulher da Organização das Nações Unidas, em Nova York, de 9 a 16 de março. Marcos Pereira, Eduardo Cury (PSDB-SP), e Gilberto Abramo (Republicanos-MG) cancelaram a viagem para participar da GSMA Mobile World Congresso 2020, em Barcelona, de 21 a 28 de fevereiro.
Margarete Coelho (PP-PI) e Soraya Santos (PL-RJ) desistiram de participar da comitiva do presidente da Câmara em reuniões e compromissos oficiais em Washington e Nova York, de 13 a 15 de fevereiro.
Sete parlamentares contaminados pelo coronavírus
Quatro deputados federais e três senadores já foram diagnosticados com a Covid-19, segundo levantamento do site poder 360. Dois deles estavam na comitiva do presidente Jair Bolsonaro que viajou aos Estados Unidos, de 7 a 10 de março – o senador Nelsinho Trad (PSD-MS), presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado; e o deputado Daniel Freitas (PSL-SC).
Os deputados Cezinha da Madureira (PSD-SP), Eliéser Girão (PSL-RN) e Luis Tibé (Avante-MG) pegaram o vírus no Brasil. O mesmo ocorreu com o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), e o senador Prisco Bezerra (PDT-CE).
Segundo a assessoria do deputado Daniel Freitas, ele teve sintomas de uma gripe leve. Quando saiu o resultado do secretário de Comunicação, Fábio Wajngarten, o deputado imediatamente se colocou no isolamento. Fez exame na quinta-feira e o resultado saiu na sexta, mas deu negativo. No final de semana, ele começou a ter uma tosse seca e a sentir falta de ar. Na segunda, começou a se sentir um pouco febril. Resolveu, então, fazer nova prova. Estava com o coronavírus. A quarentena do deputado acabou nesta quinta-feira (26).
Por causa dos riscos de contaminação e para evitar a aglomeração de pessoas em plenário, Senado e Câmara lançaram um sistema de votação remota para que o Congresso Nacional não fique paralisado durante a pandemia. Os parlamentares debatem e votam os projetos a distância, por meio de videoconferência e com o uso do celular ou do computador.