Colaborou Fernanda Trisotto
Quando o presidente Jair Bolsonaro negou que houvesse aumento do desmatamento na Amazônia, o Instituto do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais (Ibama) já havia aplicado multas milionárias a fazendeiros e empresas que haviam desmatado e degradado milhares de hectares naquela região. É o que mostram os dados sobre autuações por desmatamento, queimadas e outras infrações ambientais publicados na página do Ibama na internet.
Entre janeiro e julho deste ano foram registradas 2.442 multas, no valor total de R$ 938 milhões. Cerca de 30% a menos do que no ano passado, quando aconteceram no mesmo período 3.499 multas por destruição ou danificação de florestas plantadas ou nativas, além de outras agressões à flora, como impedir a regeneração natural de matas ou outras formas de vegetação nativa em unidades de conservação ou áreas especialmente protegidas.
Na avaliação de Paulo Barreto, pesquisador associado da Imazon, a quantidade de autuações relacionadas a desmatamento e queimadas, por exemplo, variam ao longo dos anos não só por causa da ação da fiscalização, mas também pela legislação e os recados dados pelo poder público. E muitas dessas medidas são tomadas quando há uma situação limite.
O pesquisador acrescenta que a situação piorou e atinge um patamar preocupante na gestão Bolsonaro. Barreto lembra que o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, criou um comitê de conciliação de multas, que é mais uma instância de revisão. Na sua visão, esse é mais um mecanismo de enfraquecimento, associado a uma redução da intensidade de fiscalização.
Mesmo com a redução do número de multas em 2019 em relação a anos anteriores, a ação do Ibama identificou o principal foco de devastação na Amazônia: o município de Altamira, no Pará.
Multas milionárias, mesmo sob pressão
Mesmo sob pressão, os fiscais do Ibama aplicaram 76 multas em propriedades rurais de Altamira, num valor total de R$ 232 milhões, de janeiro a julho deste ano. As dez maiores multas somaram R$ 160 milhões. A maior delas, aplicada em 25 de junho a Adilson Lacerda, por destruir floresta objeto de preservação, teve o valor de R$ 26,8 milhões. No mesmo dia, em local próximo, Wilson Mendanha foi multado em R$ 20,7 milhões pelo mesmo motivo.
Em 25 de março, nas mesmas circunstâncias e na mesma área, Marcos Antônio da Costa já havia sido multado em R$ 22,6 milhões. Como se tratava de infração cometida em unidade de conservação, o valor da multa foi cobrado em dobro. Naquele mesmo dia, Nilza Gomes Nunes foi autuada em R$ 19,8 milhões por destruir floresta objeto de preservação. Tudo isso em Altamira.
Ao todo, foram aplicadas 397 multas no Pará já no governo do presidente Bolsonaro, que diz desconhecer o avanço do desmatamento na Amazônia. As multas em todo o estado somaram R$ 404 milhões. Em São Félix do Xingu, foram aplicadas 61 multas num total de R$ 68 milhões. Também em 25 de junho, Eunisdeth Freiras foi multada neste município em R$ 6 milhões por destruição de floresta. Em Novo Progresso, 47 multas totalizaram R$ 47 milhões. A maior multa foi aplicada a Clairton Schmitt, no valor de R$ 6,7 milhões.
Desmatamento às margens da Transamazônica
No Amazonas, 243 multas somaram R$ 151 milhões. Às margens da lendária Transamazônica, em Novo Aripuanã, a empresa Eco Florestal foi multada em R$ 6,3 milhões, em maio, por destruir floresta. Nas proximidades, em 11 de julho, Alcides Guisoni foi autuado em R$ 10 milhões pelo mesmo motivo. Mas o maior número de multas ocorreu em Lábrea. Foram 69, totalizando R$ 52 milhões.
Trabalho conjunto traz resultados mais efetivos
Na avaliação de Barreto, o trabalho de combate ao desmatamento na Amazônia é mais efetivo quando há cooperação entre diferentes órgãos do governo federal e dos estados. Um exemplo, diz ele, eram os convênios firmados na época da gestão de Marina Silva no Ministério do Meio Ambiente, com pastas como a Justiça, que cedeu agentes da Polícia Federal e Força Nacional para atuarem tanto em investigações de casos de corrupção como no trabalho de campo. “Parte desse desmatamento [na região amazônica] é realizado por quadrilhas organizadas, é crime organizado. Por isso a importância dessas forças policiais e também da colaboração dos governos estaduais”, analisa.
É essa postura de cooperação que deveria ser adotada daqui para frente, palpita o pesquisador. “O governo federal tem, sim, mais capacidade de ação do que os estados. Os governos estaduais têm menos recursos, o volume de fiscais é bem menor e em geral tem uma estrutura mais frágil do que a do governo federal”, lembra.
Ele ainda destaca a interessante reação dos governadores da região, que se manifestaram pedindo ajuda, endossando os dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e propondo que passem a administrar os recursos do Fundo Amazônia. Nesse contexto, também soma a iniciativa do presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que sugeriu destinar as verbas devolvidas à Lava Jato para lidar com a crise.
“Foi uma decisão inteligente, porque dinheiro a gente tem. Esse ano o desmatamento já aconteceu. Vai ter muita área queimada e degradada. Tem que apagar o fogo, fazer o rescaldo, mas tem dinheiro para fazer ações para prevenir que isso não aconteça de novo no ano que vem”, pondera. Para Barreto, resta saber se há vontade política para essa mudança de postura.