A despesa com pensionistas filhas solteiras de servidores do Senado Federal caiu 7,6% nos últimos três anos, e deverá ser mantida por décadas. Das atuais pensionistas, num total de 165, quase a metade têm até 50 anos. Outro fator que impede a redução dos gastos: muitos das pensões deixadas por servidores – são 118 – são divididas por duas, três e até quatro pensionistas. Quando uma morre, o valor total do benefício é redistribuído entre as demais dependentes.
O custo anual das filhas solteiras do Senado era de R$ 37,6 milhões até setembro de 2018 (em valores atualizados pela inflação). A relação das pensionistas foi fornecida pelo Senado, a partir de pedido feito pelo blog por meio da Lei de Acesso à Informação. Hoje, essa despesa está em R$ 34,7 milhões. A faixa etária de 40 a 50 anos tem 64 pensionistas. Trinta e duas filhas solteiras têm mais de 60 anos, com renda média de R$ 23 mil.
A mais idosa é Júlia de Almeida Chermont, de 90 anos. Ela recebe pensão desde maio de 1983 – hoje no valor de R$ 41,5 mil bruto. Sofre abate-teto de R$ 6,1 mil. Ela chegou a ter a pensão cancelada em 2017, diante da descaracterização da dependência econômica em relação ao instituidor (o servidor que deixa a pensão) – Victor Chermont. Mas teve o benefício restituído no ano seguinte por decisão da 17ª Vara Federal do Rio de Janeiro.
O maior valor bruto é pago a Márcia Mendes Viana, de 57 anos. Ela começou a receber a pensão em janeiro de 1988. Atualmente, recebe R$ 54,8 mil bruto, com abate-teto de R$ 15,6 mil. Só de “vantagens pessoais” ela ganha R$ 16,4 mil. Tem ainda mais R$ 9 mil de “função comissionada”. Os penduricalhos representam quatro vezes o teto do INSS. Foram incorporados ao salário do instituidor – o analista legislativo Evandro Mendes Viana.
A pensão mais antiga é a de Regina Lúcia Dutra, de 81 anos. Ela recebe pensão deixada pelo analista legislativo Theotônio Dutra desde dezembro de 1953 – há 67 anos, portanto. O valor está em R$ 30 mil.
TCU tentou cancelar pensões
As pensões das filhas solteiras do Senado, da Câmara dos Deputados e dos demais servidores públicos civis da União, foram geradas com base na Lei 3.373/1958, que dispunha sobre o Plano de Assistência ao Funcionário e sua Família. A lei estabelece que “a filha solteira, maior de 21 anos, só perderá a pensão temporária quando ocupante de cargo público permanente”. A partir de 1990, a legislação mudou e não foram concedidas novas pensões. No caso dos militares, as filhas maiores podem ser casadas, divorciadas, viúvas, desquitadas, enfim, em qualquer condição.
Em 2016, o Tribunal de Contas da União (TCU) conclui auditoria na folha de pagamento de mais de 100 órgãos públicos e constatou indícios de irregularidades na concessão de 19.520 pensões por morte, concedidas com base na Lei 3.373/58. O Acórdão 2.780/2016 determinou a revisão de pensões concedidas a mulheres que tivessem outras fontes de renda, incluindo a renda de emprego na iniciativa privada, de atividade empresarial, benefícios do INSS, recebimento de pensão, aposentadoria ou ocupação de cargo comissionado ou de cargo em empresa pública ou estatal.
Empresária, aposentada, conselheira tutelar
O Senado Federal chegou a cancelar 29 pensões, mas a grande maioria foi restabelecida por decisão judicial. Verônica Albuquerque era sócia-administradora da empresa “Onex Confecção de Vestuário”. Ela teve a pensão cancelada em abril de 2017, mas o benefício foi restabelecido em setembro de 2018. Hoje, ela recebe R$ 46,9 mil bruto na condição de filha solteira, com R$ 7,6 mil de abate-teto.
Márcia Calvetto Barbosa perdeu a pensão em março de 2017, quando tinha 72 anos. Recuperou o benefício em agosto do mesmo ano, por decisão da 5ª Vara Civil do Distrito Federal, que determinou também o pagamento em folha dos valores retroativos, desde a data do cancelamento. Por cinco meses, ela recebeu boladas mensais de R$ 53,7 mil. Hoje, recebe pensão de R$ 30 mil.
Tânia Moreira Machado, com 64 na época, era sócia da empresa “Cobre & Bronze Comércio de Roupas” e aposentada pela Previdência Social. Teve a pensão cancelada e continua sem receber o benefício. Tatiana Gomes e Souza perdeu a pensão porque ocupou o cargo de conselheiro tutelar na Prefeitura de Torrinha (SP). Também continua sem receber a pensão.
Supremo liberou pagamentos
Em maio de 2018, o ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), anulou os efeitos de acórdão do TCU que determinou o cancelamento de pensões de filhas solteiras maiores de 21 anos, com base na lei de 1958, que tivessem outras fontes de renda. A decisão do ministro foi tomada no Mandado de Segurança 35.032 e estendida a outros 215 processos que discutiam a mesma matéria.
Em sua decisão, Fachin aplicou a jurisprudência já consolidada do STF no sentido de que a lei que rege a concessão do benefício de pensão por morte é a vigente na data do óbito do segurado. Por esse motivo, entendeu que a revisão da pensão só pode ocorrer nas hipóteses em que a filha solteira maior de 21 anos se case ou tome posse em cargo público permanente. Não havia na lei de 1958 a hipótese de cessação da pensão em decorrência do exercício de outra atividade laborativa.
“Assim, enquanto a titular da pensão permanece solteira e não ocupa cargo permanente, independentemente da análise da dependência econômica, tem ela incorporado ao seu patrimônio jurídico o direito à manutenção dos pagamentos da pensão concedida sob a égide de legislação então vigente, não podendo ser esse direito extirpado por legislação superveniente, que estipulou causa de extinção outrora não prevista”, afirmou Fachin.
Para o ministro, a “interpretação evolutiva” do TCU e o estabelecimento de requisitos não previstos em lei para a manutenção do benefício violam “os princípios da legalidade e da segurança jurídica”, ameaçando direito líquido e certo das pensionistas.
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