Quanto se trata do pré-candidato Luiz Inácio Lula da Silva (PT), não há meio termo. Nos sertões mais esquecidos do país, ele é saudado como defensor dos pobres, aposentados e trabalhadores rurais. Lá, raramente alguém considera justa a sua condenação na Justiça. Já nas médias e grandes cidades, o cenário é outro: é chamado de corrupto, malandro e de safado para baixo. Ainda assim alguns poucos o defendem, com a justificativa de que fez bons governos.
A força política do ex-presidente ainda impressiona. Na terceira reportagem da série “O que os brasileiros esperam do futuro presidente a um ano das eleições”, a Gazeta do Povo percorreu 3,5 mil quilômetros em Minas Gerais, durante uma semana de setembro, para conhecer o que os eleitores pensam sobre uma eventual candidatura Lula em 2018. O estado não foi escolhido ao acaso. Minas, com sua diversidade populacional, riqueza econômica e mazelas sociais, é a região que melhor representa o país e o povo brasileiro.
“Se não fosse inocente, já estava preso”
No extremo Norte de Minas, numa região com vegetação que lembra o semiárido nordestino, o trabalhador rural Guilherme Silva Sá, 68 anos (foto abaixo), percorre numa carreta de bois a estrada vicinal no distrito de São Joaquim, município de Januária. Peço para falar sobre as eleições presidenciais. Depois de falar de outros candidatos, que ele mal conhece o nome, pergunto sobre Lula. Ele responde com o seu português atrapalhado.
“Acho muito boa pessoa. Os mandatos que ele fez, pra nós aqui, não teve outro igual. Ele ajudou muito nisso tudo. Ajudou as ‘muié’ nos cartão, ajudou as pessoas nos ‘aposento’. Pessoa não aposenta mais com 60 anos depois que ele saiu. O ‘mió’ que entrou lá foi ele”, comenta.
Sentada na beirada da carreta, a mulher de Guilherme, Maria do Socorro, entra no assunto. Vou até ela e pergunto sobre o petista: “O Lula é boa pessoa. Pra mim, não tem outro igual. Tomara que ele entre de novo”. Questiono se ela sabe da condenação de Lula na Lava Jato. “A gente vê falar, mas diz que ele é inocente, ele não sabe de nada. Eu gosto muito dele”.
Guilherme pensa da mesma forma: “Se não fosse inocente, já estava preso. Eu acho que é inocente. Se fosse culpado, já tinham conseguido prender ele. Mas até hoje não conseguiram”.
“Lula foi ‘muitcho’ bom”
Em Bonito de Minas, o trabalhador braçal Osmar Oliveira Coutinho, 52 anos, diz não ter candidato, mas comenta quando cito o nome de Lula: “O Lula foi ‘muitcho’ bom. Ajudou um pessoal aí”. Falo da sentença judicial do ex-presidente, mas ele não muda de opinião: “Se ele merecer tem que pagar, mas acho que não merece não. Acho que ele é inocente”.
Na periferia da mesma cidade, com o segundo pior índice de desenvolvimento humano do estado, a dona de casa Lídia Araújo Santana, 21 anos, casada, dois filhos, diz que já tem candidato: “Sim. Eu acho que é o Lula. Acho não, tenho certeza. É porque, tipo assim, ele é uma pessoa humilde”. Lembro da condenação do juiz Sergio Moro e pergunto se o ex-presidente é culpado: “Eu não acho, porque ele é uma pessoa humilde. Vai tá fazendo uma coisa dessa?”.
Leia a 2ª reportagem da série: Pré-candidatos são ilustres desconhecidos nos rincões do país
Na reserva indígena Xakriabá, em São João das Missões, município ainda mais pobre, Euler Gomes, 38 anos, ainda não tem candidato. Diz estar em dúvida sobre o ex-presidente que quer voltar ao Palácio do Planalto em 2018. “Pelos primeiros mandatos, foi uma boa pessoa. Para o futuro, não sei se vai ser a mesma coisa. Trabalhou muito bem para a pobreza. Creio que melhorou bastante”. Questionado se o ex-presidente teria envolvimento com o esquema de corrupção descoberto pela Lava Jato, responde: “Tudo indica que sim, né? Mas eu não tenho a resposta pra isso”.
“Ou bem Dilma, ou bem Lula”
Na periferia de São João das Missões, questiono João Gomes de Oliveira, 56 anos, sobre o candidato Jair Bolsonaro (PSC e futuro Patriota). Ele diz conhecer o deputado, mas prefere trocar de assunto: “Moço, eu vou falar logo para o senhor, a não ser Dilma, não tem outro melhor que entrou, não. Esses dois: ou bem Dilma ou bem Lula para ser candidato, porque outro aí que entrar na meada fez só acabar com ‘nóis’”.
Seguindo pelo Vale do Jequitinhonha, encontro o pescador Gilvan Ferreira Mendes (foto abaixo), 57 anos, em Itinga. Ele diz não ter candidato, mas faz uma ressalva: “Não tenho não. Se fosse Lula, eu já tinha. Foi o presidente que mais ajudou os pobres e nós aqui no Vale do Jequitinhonha”. Conta que a ponte sobre o rio “foi construída por Lula”. Ele também não aceita a condenação na Justiça. “Acho que isso é errado. Aquele cara lá [o juiz Sergio Moro, suponho] tá é querendo ser presidente”.
No Vale do Mucuri, o posseiro Geraldo Maia de Araújo, 73 anos, também fecha os olhos à condenação de Lula. “Agora ele está até envolvido em alguns problemas, mas, para mim, seria ele um bom candidato de novo porque ele foi o melhor presidente que eu já conheci. Eu não acho que deveriam condenar ele porque, se for pra condenar, teriam que condenar quase todo mundo que está lá”.
Vozes discordantes
Mas há vozes discordantes um pouco mais adiante. O fazendeiro Hugo Ribeiro, de Jacinto, responde de pronto quando questionado sobre Lula: “Rapaz, o Lula, no começo, ajudou muito os pobres, mas depois… você vê a situação que tá o Brasil hoje, né? Então, pra mim, chega de PT!”. Ele considera justa a condenação do ex-presidente: “Justa, justíssima. Vai explicar o dinheiro que sumiu do Brasil, cadê? Na crise que estamos passando”.
Em Santo Antônio do Jacinto, ainda no Jequitinhonha, Gilvânia Rocha Sintra, 26 anos, tem um pequeno mercado na vila Bar do João Vale. Questionada sobre Lula, comenta: “Lula também é outro, corrupto”. Diz que a sua condenação foi justa. “É, deveria ser até mais”, referindo-se à pena de nove anos e meio de prisão. Afirma que o governo do petista “não foi nem muito bom nem muito ruim”.
Nos grandes centros, a rejeição
Em Betim, na Grande BH, o delegado aposentado da Polícia Federal Walter Cândido fala com orgulho que trabalhou com Juscelino Kubitschek e com Tancredo Neves. Pergunto o que ele acha de Lula. “Pelo amor de Deus, não me fala nesse nome não, por favor. Foi a maior decepção da história do Brasil. Só votam em Lula esses pelegozinhos aí”.
Leia também a 1ª reportagem da série: Corrupção, saúde e desemprego: os desafios do futuro presidente a um ano da eleição
Diante de tamanha revolta, pergunto se ele votou em Lula algum dia. “Na primeira eleição, votei. Foi a maior decepção que tive na história, nesses meus 82 anos de idade”.
Na cidade ao lado, Contagem, o analista de sistemas Cézar Augusto Oliveira, 30 anos, ainda não tem candidato. Cito vários nomes. Quando chega em Lula, ele comenta: “O Lula eu acho um malandro, assim como muitos outros”.
O professor estadual Carlos Henrique, 42 anos, também de Contagem, já escolheu seu candidato: “Lula, pela história, pelo que ele fez pelo povo mais pobre desse país quando foi presidente”. Titubeia um pouco quando falo da condenação: “Ah! Eu acho que a justiça tem que ser feita. Não consigo avaliar se foi justa ou não porque sei que, assim como na política, a Justiça tem também as suas mazelas. Eu não tenho condições de afirmar categoricamente se foi justa”.
“Picareta, safado, vagabundo”
Em Belo Horizonte, Adriano Pacheco, 51 anos, diretor comercial de um frigorífico, fala sobre Lula quase com raiva: “Péssimo. Tudo que ele fez foi de ruim. A maior corrupção no país até hoje foi sob o governo do Lula”.
O comerciante Marco de Patrocínio tem a mesma avaliação: “Totalmente contra, um picareta, safado, vagabundo”. Pergunto o que ele fez de errado. “Tudo o que se pode imaginar. A corrupção se espalhou. Foi o maior problema de corrupção da história do país. Ele se vendeu, ele não seguiu uma linha que prometeu, ele falou tudo o que queria e não cumpriu. O Lula, infelizmente, é uma decepção. Votei nele, é uma decepção”.
Estudante de arquitetura, Camila Silva, 21 anos, também rejeita Lula: “E não acredito em nenhuma das ideias que ele acredita. E, depois de todas essas coisas que vêm acontecendo, ele pra mim é um candidato totalmente fora de questão”.
Leia a 4ª reportagem da série: Radical linha dura e marqueteiro sem sal: o que os eleitores pensam de Bolsonaro e Doria
Márcio Ferreira, 55 anos, comerciante em Uberlândia, também rejeita o ex-presidente: “Não, péssimo. Esse tem que ir pra cadeia”. Mas o que ele fez de errado? “Tudo, não tem nada de certo. Se pensar que é errado, ele fez”.
Na mesma cidade, a arquiteta e professora universitária Giovana Merli, 29 anos, responde confusa quando pergunto se já tem candidato: “Uai, não. Tenho, o Lula, se ele conseguir. Eu acredito no que ele já fez nos dois governos dele e acredito no projeto, apesar de entender que tiveram muitas falhas, muitas mesmo. Diante do cenário que tem, acho que ele é o melhor”. Sobre a condenação, diz que o ex-presidente é inocente.
As opiniões favoráveis e contrárias ao ex-presidente se refletem nas pesquisas de intenção de voto. Lula lidera a última sondagem feita pelo Instituto Paraná Pesquisas, divulgada há uma semana, com 27%, oito pontos percentuais a frente do segundo colocado, Jair Bolsonaro, que tem 19%. Mas o petista é, também, o candidato mais rejeitado pelos eleitores, com 54%.