Um caso de apadrinhamento político está sendo consumado no Ministério da Agricultura. O chefe de gabinete da ministra Tereza Cristina está entre os selecionados para o cargo de adido agropecuário em Ottawa (Canadá), com salário de R$ 70 mil. Paulo Mendonça Araújo é apontado como "especialista em políticas públicas", mas sua formação acadêmica é em Publicidade e Propaganda. Foi secretário parlamentar da deputada federal Tereza Cristina (DEM-MS) de 2015 a 2018.
A ministra vai indicar um entre os três selecionados para o cargo no Canadá, mas a nomeação será feita pelo presidente Jair Bolsonaro. O Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais Agropecuários defende publicamente a vinculação dos adidos agrícolas à carreira que representam, como já acontece na maioria dos postos no exterior. Também reivindica maior transparência no processo de seleção.
Em ofício enviado ao Ministério da Agricultura, o sindicato alerta que “retirar a exigência técnica para o cargo é reduzir a eficiência na abertura de mercados e até colocar em risco as exportações já em vigor”. O documento acrescenta que “a presença de profissionais sem formação técnica em um cargo estratégico para o país e sem amplo conhecimento do Ministério da Agricultura irá retroceder em avanços já conquistados e só tem a prejudicar os produtores e exportadores brasileiros”.
Reportagem do blog publicada no dia 12 de novembro revelou que os adidos agrícolas nas embaixadas do Brasil no exterior recebem em torno de R$ 70 mil, incluindo remuneração básica e verbas indenizatórias. Renda, porém, pode chegar a R$ 95 mil, como ocorre no Japão. São 24 adidos atuando em 22 países, dois deles em organismos internacionais. Mas decreto do presidente Jair Bolsonaro, assinado há dois meses, criou mais três postos, que serão instalados em Paris, Berlim e Camberra.
Pouca experiência em comércio exterior
Araújo formou-se em Publicidade e Propaganda na Universidade de Brasília em 1997. Ingressou no cargo de especialista em políticas públicas e gestão governamental em dezembro de 2004. Exerceu os cargos de assessor técnico e coordenador-geral de apoio às Câmaras Setoriais e Temáticas de 2005 a novembro de 2012.
Em seguida, foi assessor parlamentar do deputado Homero Pereira (PSD-MT) na área de agricultura, elaborando pareceres, notas técnicas e articulando com entidades do agronegócio, do final de 2012 a setembro de 2013. Com a aposentadoria do deputado por invalidez, Araújo trocou de lado e foi assessorar o deputado Ságuas Moraes (PT-MT), mantendo as mesmas atividades até março de 2014.
Ainda naquele ano, passou rapidamente pela Secretaria de Gestão Pública do Ministério do Planejamento. De julho a dezembro, foi assessor no gabinete da Secretaria de Relações Internacionais no Ministério da Agricultura – enfim, uma área ligada ao comércio exterior. Mas voltou à Câmara dos Deputados para assessorar a deputada Tereza Cristina, de janeiro de 2015 a dezembro de 2018. Foi nomeado chefe de gabinete da ministra em janeiro de 2019.
Hoje, também é presidente do Conselho Administrativo da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), onde recebe R$ 2,5 mil. A sua renda total chega a R$ 35 mil.
“Carreira ligada ao setor agropecuário”
O blog solicitou que o Ministério da Agricultura informasse a experiência de Araújo em comércio exterior no setor agropecuário, uma vez que uma das principais atividades do adido é buscar a abertura de novos mercados fora do país. O ministério informou que ele “desenvolveu toda sua carreira – seja no Executivo ou no Legislativo – em atividades ligadas ao setor agropecuário, acumulando experiência técnica e legislativa sobre a área”.
Sobre a sua atuação no ministério, ressaltou que o servidor “soma mais de oito anos de experiência como assessor técnico e coordenador-geral de apoio às Câmaras Setoriais e Temáticas e no assessoramento à Secretária de Relações Internacionais, além do cargo de chefe de gabinete, desde janeiro de 2019”. A verdade, porém, é que a sua atuação nessa secretaria ficou limitada ao período de julho a dezembro de 2014.
Sobre a proposta de vinculação dos adidos agrícolas à carreira de auditor fiscal agropecuário, defendida pelo Sindicato dos Auditores, o Ministério afirmou que, no decreto 10.519, de outubro deste ano, “não há previsão legal de privacidade funcional do auditor fiscal agropecuário para o exercício da função de adido agrícola”.
Nota do ministério diz que profissionais de outras carreiras, tais como analista de comércio exterior, especialistas em políticas públicas e empregados da Embrapa e Conab “já demonstraram possuir competências e habilidades desejáveis à função do adido agrícola”. Por fim, destacou que o processo de seleção foi conduzido pela Escola Nacional de Administração Pública e pela Escola Nacional de Gestão Agropecuária.
“Exigências muito brandas” para cargo de adido agropecuário, diz sindicato
Em nota oficial, o Sindicato dos Auditores afirma que o decreto 10.519 “torna muito brandas as exigências para a ocupação do cargo de adido, que requer conhecimento técnico em agropecuária – especialmente em relação às exportações. Com o novo decreto, um servidor sem formação superior ou mesmo atuação dentro do Ministério da Agricultura poderá assumir um dos cargos mais importantes para as exportações brasileiras”.
O sindicato acrescenta que “os adidos agrícolas são responsáveis por abrir novos mercados para os produtos brasileiros, definir as normas sanitárias e fitossanitárias que deverão ser seguidas na relação comercial e garantir para o resto do mundo a qualidade e segurança da nossa produção agropecuária. É, portanto, um cargo técnico que requer conhecimento e anos de experiência na área”.
O blog tentou ouvir o sindicato sobre a seleção do chefe de gabinete da ministra, mas não houve resposta até a publicação desta reportagem.
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