Exigente com a aplicação do teto constitucional no Congresso Nacional, o Tribunal de Contas da União (TCU) paga indenizações vultuosas a seus ministros por meio dos mais variados penduricalhos. São férias não usufruídas, licenças-prêmio, despesas médicas, bolsa de estudo, diárias e retroativos de auxílio-moradia e abono permanência. Apenas uma indenização por férias não gozadas rendeu R$ 516 mil, pagos de uma só vez.
Levantamento feito pelo blog nos últimos cinco anos mostra que as maiores boladas vêm depois da aposentadoria. Com direito a duas férias por ano, apesar do recesso de um mês no final do ano, alguns ministros não usufruem do descanso e recebem a indenização quando vestem o pijama, com o acréscimo de um terço do valor. Como se trata de indenização, não pagam Imposto de Renda.
O ministro aposentado Adylson Motta esteve no cargo por sete anos e sete meses, entre 1999 e 2006. Foi indenizado por 438 dias de férias não gozadas – o equivalente a 14,6 meses. O tribunal inicialmente negou o direito ao ex-ministro, por meio do Acórdão 349/2012, decidindo que ele só poderia receber o equivalente a dois anos, como prevê a Lei Orgânica da Magistratura (Loman). Os ministros do TCU são equiparados em quase tudo aos ministros dos tribunais superiores, inclusive na parte de vencimentos e vantagens.
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Em agosto de 2013, o TCU determinou o corte do valor dos salários dos servidores da Câmara dos Deputados que excediam o teto constitucional – R$ 26,7 mil na época. Auditoria do tribunal apurou que mais de mil servidores da Câmara estavam com a remuneração em situação irregular. A decisão também foi aplicada ao Senado Federal.
“Acúmulo de férias por interesse particular”
No voto vencedor, a ministra Ana Arraes fundamentou o seu voto com base no parecer do Ministério Público do TCU. O parecer destacou que, quando um ministro sai de férias, um auditor é automaticamente convocado para substituí-lo, sem que haja prejuízo incontornável para o desempenho das atribuições da Corte de Contas. “É razoável afirmar que o magistrado tenha dado causa ao acúmulo de férias por interesse particular e não como fruto de uma necessidade institucional, para obter na aposentadoria um prêmio não previsto em lei”, diz o parecer do MP.
Mas Motta recorreu ao Supremo Tribunal Federal (STF) e ganhou a ação, em maio de 2013. A Segunda Turma do tribunal decidiu que, diante da impossibilidade do gozo das férias em virtude da aposentadoria, a limitação de indenização a dois anos resultaria no “enriquecimento sem causa da administração pública”. A decisão abriu a porteira para novas indenizações.
Motta recebeu a sua parte em novembro de 2013. Naquele mês, teve renda total de R$ 547 mil. Em maio de 2014, o ex-ministro Valmir Campelo foi indenizado em R$ 118 mil. Ele recebe aposentadoria básica de R$ 32 mil, fora indenizações. Como senador aposentado, conta com mais R$ 12 mil do Instituto de Previdência dos Congressistas (IPC). Não sofre o abate-teto porque, embora o instituto seja custeado pelos cofres públicos, foi considerado pelo TCU como uma entidade privada. Mas essa é outra história.
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Em novembro de 2015, Campelo recebeu mais uma bolada de R$ 217 mil por férias indenizadas. No mesmo mês, o ex-ministro Guilherme Palmeira foi contemplado com R$ 117 mil pelo mesmo motivo. O ministro aposentado Ubiratan Aguiar recebeu mais R$ 57 mil. Em novembro de 2014, o ministro aposentado José Jorge já havia sido indenizado em R$ 170 mil por férias não usufruídas. Jorge também recebe mais R$ 12 mil pelo IPC.
TCU decide: ministros do tribunal têm direito a auxílio-moradia
Os ministros do TCU não têm direito a indenizações de férias acima de dois períodos quando estão na ativa, mas contam com outros benefícios. No Acórdão 178/2015, por exemplo, o TCU decidiu que os ministros do tribunal têm direito à ajuda de custo para moradia, de caráter indenizatório, com efeitos financeiros a partir de setembro de 2014. O reconhecimento do direito foi solicitado pela Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil (Atricon), com base em decisão do STF que estendeu o benefício a todos os magistrados do país.
Relator do processo no TCU, o ministro Raimundo Carreiro propôs que o tribunal determinasse “as providências necessárias à implementação do direito” aos ministros e procuradores do Ministério Público do tribunal, mediante requerimentos individuais dos interessados. Em fevereiro de 2016, Carreiro teve renda bruta de R$ 123 mil, sendo R$ 77,5 mil relativos a “auxílios e benefícios”. Ali, estavam incluídos R$ 76,7 mil de auxílio-moradia retroativo a setembro de 2014.
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Em julho de 2016, o ministro Augusto Sherman recebeu R$ 94,9 mil de auxílio-moradia retroativo – verba de natureza indenizatória sobre a qual não incide imposto de renda nem qualquer outro desconto. Naquele mês, a sua renda bruta chegou a R$ 140 mil.
Auxílio-moradia ou imóvel funcional
Atualmente, 13 autoridades do TCU recebem o auxílio-moradia de R$ 4.377 – os ministros André Luís de Carvalho, Augusto Nardes, Augusto Sherman Cavalcanti, Benjamin Zymler Marcos Bemquerer, Raimundo Carreiro e Weder de Oliveira; além dos procuradores Cristina Machado, Júlio Marcelo de Oliveira, Lucas Rocha Furtado, Marinus Marsico, Paulo Bugarin e Sérgio Caribé.
Os demais não recebem porque ocupam imóveis funcionais. Ana Arraes, Aroldo Cedraz, José Múcio e Vital do Rego moram em imóveis funcionais cedidos pelo Senado, mediante acordo de cooperação. Bruno Dantas ocupa imóvel funcional cedido pelo TCU. Walton Alencar não recebe o auxílio porque a sua esposa é ministra do Superior Tribunal de Justiça e recebe por lá. O procurador Rodrigo Medeiros de Lima não tem o direito porque sua esposa é juíza do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e já recebe o benefício.
O TCU foi questionado se os ministros que têm moradia própria em Brasília recebem o auxílio-moradia. O tribunal respondeu que a fundamentação legal para o pagamento do benefício está na Resolução 199/2014 do Conselho Nacional de Justiça e no Acórdão 178/2015 do TCU, que “não trazem vedação à situação mencionada. Portanto o tribunal não exige a informação sobre existência de imóvel próprio na localidade para as autoridades que recebem o auxílio”.
O valor que extrapolou o teto
O pagamento retroativo do abono de permanência – pago a servidores públicos e membros de poder que permanecem na ativa mesmo tendo direito à aposentadoria – também rende algumas boladas aos ministros do TCU. Em fevereiro de 2015, Augusto Sherman teve direito a R$ 89,4 mil relativo a esse retroativo, ficando com renda bruta de R$ 140 mil.
Questionado sobre o motivo desse pagamento extra e por que o ministro não sofreu o abate-teto, o tribunal informou: “o valor pago, que extrapolou o teto constitucional, é referente ao abono de permanência, direito assegurado pela Constituição Federal e que foi pago com efeito retroativo. O abono de permanência era devido à autoridade desde setembro de 2012”. Foi pago o valor de R$ 107 mil, com descontos de R$ 29 mil.
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O TCU acrescentou: “é importante esclarecer que, sobre as verbas indenizatórias, como regra, não incide Imposto de Renda. No caso específico do abono de permanência, por sua vez, há a tributação, uma vez que a rubrica – que equivale à devolução de contribuição previdenciária mensal daquele que completou as exigências para aposentadoria – aumenta a base de incidência do imposto. O TCU cumpre rigorosamente a Constituição Federal, fazendo a glosa dos valores que ultrapassam o limite do teto remuneratório, que é o salário de ministros do STF”.
Em dezembro do mesmo ano, o ministro Raimundo Carreiro recebeu R$ 122 mil de abono de permanência retroativo a abril de 2007. Com os descontos, caíram R$ 104 mil na sua conta. A sua renda bruta alcançou R$ 174 mil naquele mês. Na última folha de pagamento, em maio deste ano, a ministra Ana Lúcia Arraes recebeu R$ 68,8 mil de abono permanência. A renda total ficou em R$ 114 mil.
Licença-prêmio indenizada
A licença-prêmio é concedida a servidores públicos na proporção de três meses de afastamento a cada cinco anos de trabalho. O TCU e o STF decidiram também nesse caso que a licença pode ser convertida em indenização em dinheiro na aposentadoria, “sob pena de enriquecimento sem causa da administração pública”. No TCU, o benefício tem rendido valores elevados.
Em março de 2014, o ministro aposentado Ewald Sizenando Pinheiro, assegurou uma indenização de R$ 264 mil. Sua renda bruta bateu em R$ 292 mil. No mesmo mês, Luciano Brandão foi contemplado com R$ 103 mil pelas licenças não usufruídas. Em junho, José Antônio Macedo recebeu R$ 63 mil de indenização.
Despesas médicas
Mas a lista de privilégios ainda não acabou. Além das mais variadas indenizações, os ministros do TCU ainda contam com plano de saúde aliado a ressarcimento de despesas médicas. Em janeiro deste ano, o ministro aposentado Guilherme Palmeira teve reembolso de plano de saúde de R$ 6,2 mil, mais R$ 61,2 mil de ressarcimento de despesas médicas. Em maio de 2016, o ministro Aroldo Cedraz recebeu R$ 5,3 mil de plano de saúde, mais ressarcimento de R$ 26,7 mil de despesas médicas e R$ 374 de despesas com medicamentos.
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Em abril de 2016, o ex-ministro Marcos Vilaça teve ressarcimento de despesas médicas no valor de R$ 56,6 mil, mais R$ 2,9 mil de plano de saúde. No mês seguinte, foi indenizado em mais R$ 68 mil por despesas médicas.
Questionado se os ministros têm liberdade para fazer as despesas médicas e depois apresentar a conta ao tribunal, como acontece com os senadores, o TCU respondeu que as despesas médicas “serão devidamente justificadas, comprovadas e autorizadas previamente pelo presidente, após parecer da área de saúde do Tribunal. É fixado um montante máximo anual de recursos orçamentários para fazer face aos ressarcimentos dessas despesas”.
Pagamentos líquidos de até R$ 653 mil
A folha de pagamento de maio de 2014 registrou pagamentos líquidos que chegam a R$ 653 mil, no caso do ex-ministro Ewald Sizenando. José Barreto de Macedo teria recebido R$ 505 mil; Lincoln Magalhães, R$ 478 mil; e Marcos Vilaça, R$ 438 mil. O curioso é que a renda bruta deles teria ficado em R$ 103 mil, R$ 88 mil, R$ 84 mil e R$ 84 mil, respectivamente. Por conta desses pagamentos extras, teriam sofrido descontos em torno de R$ 500 mil.
Questionado pela reportagem sobre os pagamentos líquidos em valores acima dos valores brutos, o TCU respondeu que esses pagamentos restituíram valores pagos ao Montepio Civil da União, uma forma de pensão vitalícia paga a filhas solteiras de ministros do Judiciário.
O montepio foi criado pelo Decreto 942/1890, assinado pelo então presidente Marechal Deodoro da Fonseca. Segundo o tribunal, o benefício consistia no pagamento de pensão civil, na forma de contraprestação em dinheiro devida aos interessados indicados pelos respectivos instituidores. “No caso em questão, os instituidores se constituem de autoridades, ativas e inativas, do TCU que contribuíram para o Montepio Civil, na forma de desconto em folha de pagamento, com o intuito de, um dia, poderem legar a correspondente pensão a seus dependentes”, diz nota do tribunal.
Montepio foi considerado ilegal
O pagamento do benefício vinha sendo feita pela União com base na Lei 6.554/1978. “Todavia, interpretação mais moderna da legislação, por parte da Advocacia-Geral da União, desconheceu a legalidade do instituto, o que motivou o Poder Executivo a suprimir a concessão do Montepio. Desta forma, os instituidores ou interessados cujos benefícios não foram pagos tiveram os valores que recolheram como contribuição do Montepio devolvidos, em critérios fixados pelo Ministério da Fazenda; respeitando-se, sempre, o devido processo legal”.
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O TCU acrescentou que os valores restituídos “são de responsabilidade do Ministério da Fazenda, tendo sido descentralizado crédito suplementar próprio para este pagamento, ou seja, tais valores não saíram do orçamento anual do Tribunal de Contas da União do ano de 2014. Em se tratando de restituição de valores recolhidos ao longo da vida profissional das autoridades, não incidem para o cálculo do teto constitucional”.
A secretaria identificou que “houve uma inconsistência nas informações apresentadas pelo portal do TCU devido a alocação automática em rubrica incorreta, pois o sistema não previa este tipo de restituição. O tribunal está trabalhando com vistas ao saneamento desta falha, identificada a partir do seu questionamento”.
Por fim, informou que os valores restituídos em maio de 2014 foram os seguintes: Ewald Sizenando Pinheiro, R$ 635 mil; José Barreto de Macedo, R$ 485 mil; Lincoln Magalhães da Rocha, R$ 462 mil; e Marcos Vilaça, R$ 379 mil.
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